Niki Lauda: A resposta perfeita

Por a 11 Dezembro 2018 08:40

Este ano morreu Andreas Nikolaus Lauda, o primeiro Campeão do Mundo de F1 da ‘vida’ do AutoSport – que nasceu em 1977 – e um piloto que ainda hoje espanta muita gente que fica a conhecer a sua história, quando em 1976 quase perdeu a vida no horrível acidente do Nurburgring, que o deixou marcado para sempre. Quase a terminar o ano, recordamos a sua carreira, como forma de despedida de um grande Senhor…

O tricampeão do Mundo de Fórmula 1 revelou um dia que teve uma visão de um padre que lhe ia dar a extema unção e isso serviu-lhe de estímulo para uma recuperação que a todos espantou, obtendo o seu segundo título mundial logo no ano seguinte.

Retirou-se da F1 dois anos mais tarde para tomar conta da sua companhia de aviação, mas a vontade de correr não se apagou e em 1982 regressou à F1 com McLaren, onde foi novamente campeão, em 1984. Os eventos dramáticos por que passou Niki Lauda em 1976 nada fizeram para diluir a sua mestria ao volante.

Nascido na capital austríaca, Viena, a 22 de fevereiro de 1949. Oriundo de uma abastada família de industriais, depressa se tornou a ovelha negra – bastou contrariar as intenções paternas, que queriam que ele, tal como sucedia há gerações, seguisse os negócios da família. Só que o pequeno ‘Rato’ tinha outros planos! E esses planos passavam, tão-somente, por ser… piloto de corridas!

Por isso, não é de estranhar que tenha sido um aluno medíocre na escola primária e que tenha ficado um ano sem fazer mais que alguns biscates numa oficina, antes de aceitar um acordo com o pai: entrava para outra escola, tirava o diploma e recebia, em troca, ajuda da família para comprar um carro.

Entusiasmado, lá apresentou o desejado ‘canudo’ ao pai, que lhe deu dinheiro para comprar um VW Carocha. Este deu rapidamente lugar a um bem mais interessante Mini Cooper… que ficou em muito mau estado num acidente logo na sua primeira saída! Este desastre deixou o jovem Lauda com uma dívida de 1750 libras… mas que acabou por ser paga na íntegra pela sua avó, que conseguiu convencer com (muitas…) palavrinhas mansas. E, claro, às escondidas do pai! Depois de reparado o Mini, trocou-o por um Cooper S 1300, que arranjou na oficina do piloto local Fritz Baumgartner. Lauda ficou então dono do seu primeiro carro de corrida… mas com mais uma dívida, agora de 650 libras.

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Das rampas à F1

Apesar de tudo isso, entusiasmado, Niki Lauda decidiu inscrever-se pela primeira vez numa corrida de automóveis. Foi na rampa de Mühlbacken, a 15 de Abril de 1968, uma semana depois da morte de Jim Clark. O jovem de 19 anos e sem qualquer experiência prévia terminou no terceiro lugar a primeira subida e venceu a segunda, terminando em 2º lugar da classificação geral. O problema foi que a façanha chegou aos ouvidos do pai, que o proibiu rispidamente de voltar a correr. Mas nada poderia, então, já parar Lauda – sempre às escondidas, fez mais três corridas com o Mini e nove com um Porsche 911. Resultado: uma vitória à geral e sete vitórias à classe.

E a atenção das equipas profissionais: o seu talento era inegável e isso motivou um contrato com a Austro-Kaimann, equipa oficial do seu país na Fórmula V, em 1969, com a qual fez 13 corridas um pouco por toda a Europa, ganhando duas e conquistando mais quatro segundos lugares.

Em 1970, Niki Lauda correu em F3, sem grande sucesso e, com um Porsche 908, ganhou em Diepholz e em Österreichring. E pronto: a partir daqui, a sua família não podia, em definitivo, dizer que desconhecia aquilo que o jovem rebelde fazia.

Por isso, em 1971 o piloto chegou a acordo com a sua família para pedir um empréstimo de 20 mil libras a um banco austríaco (o Erste Österreichische Spar-Kasse), para poder assinar um contrato com a March para correr na F2, onde foi colega de equipa de Ronnie Peterson. A sua atuação no GP de Rouen foi mais que suficiente para lhe garantir o futuro: lutou ao milímetro com Peterson e apenas perdeu a primeira manga por um centésimo de segundo.

A March pôs-lhe à frente um novo contrato – que incluía uma época completa na F2 e na F1. O preço? Pois, esse é que era o busílis: 100 mil libras! Mas não foi problema – o problema surgiu quando, sabedor deste fato, o seu avô interveio junto do banco e conseguiu que este voltasse com a palavra atrás, tirando o tapete de debaixo dos pés do atrevido piloto.

Foi assim que ficou para a história que, quando Lauda se estreou na F1, aos 22 anos e com um March oficial, estava empenhado até à raiz dos cabelos – o que era a mais pura verdade. É que, quando percebeu que tinha sido por intervenção da família que o banco lhe tinha negado o dinheiro, Lauda cortou todos os laços com a família e nunca mais falou com o seu avô. Mas Lauda conseguiu mesmo aquilo que era preciso… junto de outro banco, que ficou convencido com os argumentos esgrimidos pelo bem-falante jovem…

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Da quase catástrofe ao primeiro título

A sua passagem pela March roçou a catástrofe e Niki Lauda quase encerrou a sua campanha na F1 meses depois de a ter começado. A ideia era, em 1972, aprender com Peterson os truques necessários para ser rápido, começar a marcar pontos e impressionar as grandes equipas.

Mas o 721X foi um desastre e, a meio da temporada a equipa substituiu-o por um 721G, que não era mais que um F2 reconstruído.

Assim, no final do ano, sem resultados de relevo – apesar de se ter dividido pela F1, F2 e corridas de Turismos e de Resistência – Lauda encontrou-se com a sua dívida apenas diminuída em 20 mil libras e sem contrato para a F1 em 1973. A única coisa que lhe ofereceram foi um teste com um… F2!

Mas a sorte sorri sempre aos audazes. Lauda fez-se convidado para um teste da BRM em Paul Ricard, no início de 1973, batendo o veterano Vern Schuppan. A equipa não hesitou muito em lhe propor um acordo – dando início logo aí a uma pareceria entre Lauda e Clay Regazzoni, que se estendeu para a Ferrari (que aconselhou o commendatore a ir também buscar à BRM aquele jovem tão rápido e impressionante), durou quatro anos e terminou numa bela amizade entre os dois homens.

A vida de Lauda na BRM não foi fácil, apesar de durar apenas uma temporada. A razão é simples de contar: uma vez mais, estava sem dinheiro e, a contas com o empréstimo anterior, ainda mal começado a pagar – conforme ganhava prémios com a BMW Alpina no Europeu de Turismo, ia amortizando a dívida… mas não conseguiu garantir aquilo que lhe pediram. A solução foi um contrato prova a prova, que levou até ao final.

A sua passagem para a Ferrari foi a porta que lhe abriu, finalmente, o sucesso almejado. No seu primeiro ano, venceu duas provas e foi quarto no campeonato, com 38 pontos. Mas, no ano seguinte, foi dominador e, com mais cinco triunfos (três deles seguidos), garantiu aquele que seria o seu primeiro título de Campeão do Mundo de F1. Tinha 26 anos e ficou pronto para, no ano seguinte, repetir a proeza.

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O destino, porém, foi-lhe adverso: a 1 de agosto, no velho Nürburgring, Lauda despistou-se durante a corrida e foi retirado do Ferrari em chamas por Brett Lunger, Harald Ertl (cujos carros embateram no Ferrari imobilizado no meio da pista) e Arturo Merzario, que parou ao ver o acidente. E foi isso que lhe salvou a vida: seriamente queimado (viveu sempre com cicatrizes na face e na cabeça) e com os pulmões colapsados pela grande quantidade de fumos tóxicos inalados, recebeu no hospital a extrema-unção. Todavia, resistiu – e, para espanto de toda a gente, médicos incluídos, seis semanas mais tarde estava sentado no cockpit do Ferrari, em Monza!

Terminou a corrida em quarto lugar, mantendo a liderança do campeonato – pois tinha ganho cinco GP, o último deles em Brands Hatch, duas semanas antes do seu quase fatal acidente. Até ao último GP, esteve sempre no comando e só não foi Campeão do Mundo porque, numa pista de Fuji inundada por um dilúvio, recusou continuar em prova, entrando nas boxes e entregando de bandeja o título a James Hunt.

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Da quase morte ao terceiro título

Vingou-se no ano seguinte, com mais três triunfos, mas as sua relações com a Ferrari nunca mais foram as mesmas desde o GP do Japão em que – segundo a equipa italiana – “teve medo da chuva” e, para 1978, assinou com a Brabham.

Nesta, venceu o GP da Suécia com o célebre BT46B ‘Aspirador’ – a única prova em que o carro correu – e, mais tarde, o de Itália, terminando a temporada em quarto lugar. No ano seguinte, agastado com a extrema fragilidade do motor Alfa Romeo, que o condenava a consecutivos abandonos, Lauda bateu com a porta antes do GP do Canadá, mesmo depois de ter terminando em quarto em Monza e de, para o resto da temporada, a Brabham ter decidido substituir o motor italiano por um menos potente, mas mais fiável, Ford Cosworth DFV.

Nos três anos seguintes, dedicou-se por inteiro à sua companhia de aviação, a Lauda Air – até esta começar a dar prejuízo. Então, em 1982, assinou com a McLaren e, três provas depois, em Long Beach, voltou aos triunfos. 1983 foi um mau ano, com a equipa a começá-lo com um chassis equipado com o obsoleto Ford Cosworth DFV, enquanto desenvolvia o motor TAG V6 turbo, que estreou na Holanda, a quatro provas do final do ano. Era apenas um ensaio – e, em 1984, Niki Lauda voltou a vencer. Duplamente: ganhou cinco GP e, melhor ainda, bateu o seu colega de equipa Alain Prost, na última prova do ano, o GP de Portugal, por… meio ponto!

O ano de 1985 foi mau: 11 abandonos em 14 provas e apenas uma vitória, no GP da Holanda, elevando assim para 25 o seu score particular, a apenas duas do então recorde, na posse de Jackie Stewart.

Além disso, partiu um pulso num acidente em Spa-Fracorchamps, faltando a uma prova. Por isso, não foi uma surpresa que, desiludido e cansado, tenha decidido colocar um ponto final na sua carreira na F1.

Tinha 36 anos e voltou aos negócios. Primeiro, com a Lauda Air e, quando teve que a vender, a uma outra empresa do mesmo ramo, que fundou em 2003. Pelo caminho, foi consultor técnico da Ferrari e dirigiu, em 2001 e 2002, a equipa Jaguar de F1. Desde 1996, é comentador de F1 na RTL. Em 2008, a cadeia norte-americana ESPN colocou-o em 22º lugar no ranking de melhores pilotos de todos os tempos. Niki Lauda, a quem chamaram ‘Super Rat’ ou ‘King Rat’, ficou mundialmente famoso pela sua imagem de marca: um boné vermelho da Parmalat e, mais tarde, da Viessmann, que passou a usar desde o seu acidente para esconder as marcas das queimaduras. Um dia, confessou que recebia 1,2 milhões de euros todos os anos pela publicidade que fazia no boné…

Hélio Rodrigues, In Memoriam

PERFIL

Nome: Andreas Nikolaus ‘Niki’ Lauda

Data de nascimento: 22 de Fevereiro de 1949

Data da morte: 20 de Maio de 2019 (70 anos)

Local de nascimento: Viena

Nacionalidade: Austríaca

Casado pela primeira vez com Marlene, de quem teve dois filhos: Mathias, que também é piloto de automóveis, e Lukas. Divorciou-se em 1991. Em 2008, voltou a casar, com Birgit, 30 anos mais nova e que tinha sido hospedeira de voo na sua companhia aérea. A relação fortaleceu-se quando ela foi a doadora de um rim, numa operação a que Lauda se submeteu depois do rim que lhe tinha sido anteriormente doado por um seu irmão, anos antes, falhou, colocando a sua vida em risco. Niki e Birgit têm um casal de gémeos, nascidos em Setembro de 2009. Niki Lauda tem ainda um filho de uma outra relação, nunca legitimada pelo casamento, chamado Christoph.

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PALMARÉS

Início na competição: Estreou-se em rampas, com um Mini Cooper, aos 19 anos (1968).

Primeiro GP F1: GP Áustria 1971

Último GP F1: GP Austrália 1985

GP F1 disputados: 177 (171 largadas)

Títulos: 3 (1975/1977/1984)

Vitórias: 25

Primeira vitória: GP Espanha 1974

Última vitória: GP Holanda 1985

Pole positions: 24

Melhores voltas: 24

Pódios: 54

Pontos: 420,5

Marcas: March (1971/1972); BRM (1973); Ferrari (1974/1975/1976/1977); Brabham (1978/1979); McLaren (1982/1983/1984/1985).

Outros resultados: 1º British John Player F2 Series (1972); 1º 24h Nürburgring (1973); 1º 4h Monza (1973); 1º BMW Procar (1979)


Niki Lauda inscreveu-se pela primeira vez numa corrida de automóveis

na  rampa de Mühlbacken, a 15 de Abril de 1968, uma semana depois da morte de Jim Clark.


em 1971 o piloto chegou a acordo com a sua família para pedir um empréstimo de 20 mil libras a um banco austríaco (o Erste Österreichische Spar-Kasse), para poder assinar um contrato com a March para correr na F2, onde foi colega de equipa de Ronnie Peterson

A sua passagem pela March roçou a catástrofe e Niki Lauda quase encerrou a sua campanha na F1 meses depois de a ter começado.O destino, porém, foi-lhe adverso: a 1 de agosto, no velho Nürburgring, Lauda despistou-se durante a corrida e foi retirado do Ferrari em chamas por Brett Lunger, Harald Ertl (cujos carros embateram no Ferrari imobilizado no meio da pista) e Arturo Merzario, que parou ao ver o acidente.

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F1Costa
F1Costa
8 anos atrás

Um grande piloto , sem qualquer duvida!!

Ligier
Ligier
Reply to  F1Costa
8 anos atrás

Sem dúvida presto-lhe tb a minha homenagem. Vi há pouco tempo o campeonnato de 84, fez corridas fantásticas de rapidez e inteligência. Prost ficou marcado pela sua performance nesse ano e tornou-se um super estratega daí para a frente. Ganhou 2 campeonatos seguidos pilotando como o Lauda, com rapidez e sabedoria. Exemplo típico são as suas vitórias em San Marino 85 e 86, e Austria 86.
Essa era a Fórmula 1, pé em baixo á saída das curvas, sem motores eléctricos nem Kers.

joao-gubian
joao-gubian
7 anos atrás

Niki Lauda foi sem dúvida um dos melhores pilotos que a Fórmula teve, a par de Jim Clark, Jackie Stewart, Ayrton Senna da Silva, Jochem Rindt, Gilles Villeneuve, Kimi Raikonnen.
João Gubian

can-am
can-am
6 anos atrás

Pessoalmente não considero o Lauda entre os maiores de sempre. Nem o colocaria entre os 10 melhores de sempre. Não era sequer um piloto muito rápido. Era sim um excelente gestor de corridas. Sabia poupar e gerir como poucos. E foi isso que lhe valeu os títulos , principalmente o último. Sabia como poucos vender a sua imagem e isso ainda hoje é visivel !

trackback
6 anos atrás

[…] Niki Lauda: A resposta perfeita […]

ernie
ernie
6 anos atrás

Provavelmente o maior exemplo de coragem no desporto motorizado. Um dos melhores pilotos de F1 de todos os tempos, sempre correcto em pista, o único a vencer o campeonato depois de estar completamente parado durante mais de 2 anos. Sem dúvida a maior lenda viva da F1 e um grande senhor, um carisma e uma personalidade enormes, que mesmo quem não goste deve respeitar. Provavelmente o melhor homem para tirar Todt da cadeira e fazer alguma coisa de jeito na FIA.

trackback
3 anos atrás

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