MEMÓRIA: Prost Grand Prix ‘desapareceu’ há 20 anos

Por a 3 Novembro 2022 17:01

Apenas cinco anos após a sua criação, a equipa de Prost Grand Prix acabou. O que começou como um sonho em 1997 acabou por se tornar um pesadelo para Alain Prost, quatro vezes campeão mundial. O que resta é uma história de sonhos, chauvinismo e falta de dinheiro.

Já lá vão 20 anos. Recordamos o que se escreveu na altura, em cima do acontecimento…

A Prost Grand Prix fechou as portas na passada segunda-feira, quando o Tribunal de Comércio de Versailles julgou não existirem garantias suficientes, por parte dos potenciais interessados na sua compra, que protegessem os credores e os empregados de uma futura falência. “Uma declaração de falhanço” foi como Alain Prost assumiu este desfecho, antes de se dirigir a Guyancourt para comunicar aos seus funcionários que a empresa fechava as portas ao final do dia. As dívidas de 30,5 milhões de euros estiveram, também, na base desta decisão. Agora, os credores receberão apenas uma parte do que lhes é devido e que será o resultado da hasta pública a que os bens da equipa vão ser sujeitos, brevemente.

Como já tínhamos antecipado na edição da semana passada, as perspectivas não eram das mais risonhas para a equipa francesa e foi essa mesma constatação que o administrador judicial, Franck Michel, passou ao juiz do Tribunal Comercial de Versailles, antes deste decretar a falência da equipa.

Uma medida esperada, mas que significou a primeira paragem de uma escuderia de Fórmula 1 nos últimos cinco anos e a única registada desde que o acesso ao Mundial ficou limitado a 12 equipas.

Daí a sua importância, a que acresce o facto de se tratar de uma escuderia com 26 anos de participação no Mundial de Fórmula 1, que era a quarta mais antiga do plantel e, durante muitos anos, a única representante francesa nos Grande Prémios.

Resta, agora, esperar para ver o que acontece aos bens que vão ser vendidos em hasta pública nas próximas semanas e que fim vai ter o “franchising” de acesso ao Mundial de Fórmula 1, talvez o bem imaterial mais valioso da Prost. O que é certo é que Alain Prost falhou neste seu projecto, terminando, em apenas cinco anos, uma aventura em que apostou muito do seu prestígio com os resultados que estão à vista de todos.

De “a culpa é minha” a de todos menos minha…

Quando Ken Tyrrell vendeu a sua equipa à British American Tobacco, no início de 1998, teve esta confissão surpreendente: “Em última análise a culpa de ter de fechar as portas é minha. Não tive a capacidade para atrair grandes construtores, grandes patrocinadores ou parceiros para a Tyrrell Racing Organisation. Por isso, se agora sou obrigado a vender a equipa para garantir a sua sobrevivência, só posso culpar-me a mim próprio.”

Uma declaração plena de dignidade, proferida por quem, em 30 anos, tinha ganho Campeonatos do Mundo de Pilotos e de Construtores, fora o ponta de lança da Ford durante alguns anos e tivera contratos com a Renault e a Yamaha, sem nunca repetir os sucessos anteriores. Ao não conseguir acompanhar a evolução da Fórmula 1, Tyrrell viu a sua equipa regredir de forma constante, para chegar a uma situação onde a venda à BAT por 20 milhões de dólares foi inevitável.

Uma declaração que Alain Prost não fez, nem nunca fará, pois, para ele, os culpados foram todos os outros, nunca ele. A França, as empresas francesas, os construtores franceses e, era inevitável, os jornalistas, são os responsáveis apontados pelo antigo piloto para o seu falhanço, pois nunca o apoiaram nem lhe deram os meios necessários para fazer evoluir a equipa de Guyancourt.

Seguir esta linha de raciocínio é esquecer que quando Alain Prost comprou a Ligier a Flavio Briatore, fê-lo com um contrato de cinco anos com a Peugeot no bolso, patrocínios garantidos da Seita (Gauloises), Total, Alcatel, Bic e Canal Plus. Como portfolio de patrocinadores franceses era difícil encontrar melhor. Cinco anos depois, nem uma destas empresas quis continuar ligada a Alain Prost, que se teve de se conformar, em 2001, a contratar Gaston Mazzacane para garantir 20 milhões de dólares da PSN (12 em dinheiro e oito em espaço para publicidade) e a alinhar os seus carros sem patrocinadores de monta, ao ponto dos flancos terem passado as 17 corridas de 2001 completamente virgens de publicidade.

Alain Prost teve o apoio das maiores empresas francesas, mas perdeu-as uma a uma. Não foi capaz de manter os apoios que teve, não foi capaz de encontrar alternativas, não cedeu nunca parte do controlo efectivo da equipa a Pedro Diniz, quando este comprou quase 40 por cento da equipa e, no final, não aceitou nenhuma das ofertas de compra que lhe foram feitas. Pedro Diniz e o Principe Al Waheed tinham, os dois, meios mais do que suficientes para fazer correr a equipa este ano, se a Prost Grand Prix lhes tem sido vendida. Mas Alain Prost preferiu a fuga para a frente, forçando uma falência desnecessária, por não ter tido a coragem de admitir que, sozinho, não tinha meios para garantir o futuro da equipa.

Poder sobre os jornalistas

Mas o que Prost veio, agora dizer, ao Le Figaro na edição de quinta-feira é particularmente grave: “Não tinha cem milhões de francos como orçamento de publicidade para a imprensa e, por isso, não tinha nenhum poder sobre os jornalistas. Foi por isso que sempre me criticaram, me crucificaram permanentemente e só descansaram quando a equipa fechou!” Dizer coisas deste género é querer tapar o sol com uma peneira, não ter um mínimo de dignidade e tomar os outros como gente capaz de se vender.

Uma postura que diz muito da forma de ser e de estar do antigo piloto.

A clarividência que Ken Tyrrell teve, já com 72 anos, faltou ao tetracampeão do Mundo e o resultado final foi bem mais catastrófico. É certo que a segurança social francesa se ocupará lindamente dos muitos desempregados que esta situação criou, mas todos os credores ficam altamente lesados e muitas empresas que forneciam material e serviços à Prost também perdem um cliente importante. Com esta declaração de falência perde toda a gente, menos quem acabar por comprar o que resta da Prost GP na hasta pública, pois vai adquirir ao desbarato uma equipa que, em condições normais, nunca lhe custaria menos de 40 milhões de dólares. Mas disso falamos noutra peça destas páginas.

O que vai acontecer, agora, à Prost Grand Prix, às suas instalações, ao seu pessoal e ao seu direito de participar no Campeonato do Mundo de Fórmula 1? Nada é claro, mas existem alguns indícios do que poderá ser o futuro para o que resta da equipa francesa. Parte do pessoal está a caminho da Citroen Sport, que vai necessitar de reforçar o seu departamento de produção para participar em todas as provas do Mundial de Ralis do próximo ano. Outros vão seguir John Walton, o Director Desportivo, que já está na Minardi, mas a maior parte está no desemprego, bem apoiados pela segurança social francesa.

Mas tudo depende, na verdade, de quem garantir, da parte de Bernie Ecclestone, o direito de participar no Campeonato do Mundo de Fórmula 1. Segundo algumas fontes, o escolhido seria Flavio Briatore, mas porque o italiano está ligado à Renault, o seu nome não aparecerá nesta operação, com Craig Pollock e Joan Villadelprat a darem a cara por este projecto.

Existe quem pense que Briatore já teria o acordo de Ecclestone (direito de participação no Mundial), Todt (motores) e de outros fornecedores importantes da equipa para fazer alinhar a equipa com os chassis do ano passado, mas utilizando motores e caixas de velocidades dos Ferrari que ajudaram Schumacher a vencer o Mundial de 2001. Segundo estas fontes, Craig Pollock apareceria como líder da equipa e Joan Villadelprat como o responsável no terreno. Dentro desta linha de ideias inserem-se declarações recentes do escocês, que declarou, depois de ter sido afastado da BAR que “estarei de volta à Fórmula 1 dentro de muito pouco tempo e não apenas como manager do Jacques.”

De qualquer maneira, dentro de menos de duas semanas será feita a hasta pública de todos os bens da Prost Grand Prix, pelo que se verá quem compra tudo o que resta para tentar prosseguir com esta aventura de base francesa, que Guy Ligier iniciou em 1976 e se arrisca seriamente a desaparecer nos próximos dias.

Foram nove os pilotos que, durante os cinco anos da gerência de Alain Prost, passaram pela equipa de Guyancourt: Olivier Panis, Shinji Nakano, Jarno Trulli, Jean Alesi, Nick Heidfeld, Gaston Mazzacane, Luciano Burti, Heinz-Harald Frentzen e Tomas Enge. Nem todos se mostraram disponíveis para falar da sua antiga equipa, mas entre aqueles que se dispuseram a dizer de sua justiça nenhum iliba Alain Prost de responsabilidades neste desfecho. Sem surpresa, Alesi é dos mais contundentes, enquanto Olivier Panis é o único que evita, a custo, crucificar o seu antigo patrão.

ALESI: “ASSUMA TODAS AS CULPAS”

Para Jean Alesi as coisas são muito simples: “O Alain só pode culpar-se a si próprio. Ele teve o apoio de grandes empresas – Peugeot, Total, Alcatel, Seita, etc. – mas perdeu a confiança de todas elas num espaço de tempo muito curto. Teve excelentes pilotos, mas perdeu-os a todos. Teve sempre excelentes engenheiros, responsáveis desportivos e mecânicos, mas nunca lhes deu os meios para trabalharem como podiam e sabiam fazer. O único factor que bloqueou o progresso da equipa foi o Alain, com a sua forma de estar, controlar, politizar e desestabilizar. Um patrão de equipa tem de ser um elemento de estabilidade, mas ele foi sempre o contrário disso mesmo. Agora vai apontar a culpa a toda a gente, mas a verdade é que a culpa é apenas dele.”

PANIS: “PERGUNTEM AO ALAIN…”

Bem mais comedido, como é seu costume, Olivier Panis só falou a muito custo, sendo bem evidente a sua preocupação em evitar conflitos: “Olha, a única coisa que eu gostava de dizer é que tenho muita pena que aquela equipa feche as portas, pois tinha excelentes elementos, gente muito capaz de fazer um bom trabalho.” Quanto aos anos que passou na Ligier/Prost, Panis foi sucinto: “Passei por momentos bons e por momentos menos bons, mas foi a equipa que me permitiu chegar à Fórmula 1 e isso nunca poderei esquecer.” Por fim, quando lhe perguntámos quais as razões, para ele, deste falhanço, o francês não quis dizer mais do que isto: “Ah, quanto às causas, isso é uma pergunta a que só o Alain poderá responder…” E mais não disse.

TRULLI: “TENHO PENA DOS EMPREGADOS”

Tendo passado dois anos e meio na Prost, Jarno Trulli mantém muitas amizades na equipa francesa e, por isso, lamenta a perda de tantos empregos: “Os mecânicos e engenheiros foram sempre muito meus amigos e, por isso, tenho pena deles ficarem sem emprego, por agora. Este é um mercado complicado, pois não existem vagas noutras equipas e se ninguém comprar o que resta da Prost, mais de 200 pessoas ficam sem emprego, o que é dramático.”

Dos tempos vividos em Guyancourt ficaram-lhe as amizades, mas também muitas frustrações: “Deram-me uma oportunidade e sempre que tive um carro bom andei entre os primeiros. Mas isso raramente aconteceu e, no final, tive de sair da Prost para progredir na minha carreira.”

Quanto a culpas, o italiano não pretende ser polémico mas lembra que “ao fim e ao cabo, quem dirige é que é responsável. Se quando as coisas correm bem os chefes são geniais, quando correm mal a culpas não podem ser só dos outros. O Alain saberá melhor do que ninguém o que aconteceu, mas confesso que nunca esperei ver a equipa desaparecer assim, tão depressa, pois há apenas dois anos e meio eu ainda lá estava e havia potencial para progredir bastante.”

BURTI: “SE O DINIZ TEM COMPRADO…”

Para Luciano Burti o que aconteceu na segunda-feira passada não foi surpresa nenhuma: “É claro que quando aceitei trocar a Jaguar pela Prost, por saber que em 2002 não tinha lugar na Jaguar, não fazia a mínima ideia da situação, porque, senão, tinha ficado onde estava até ao final do ano. Mudei-me para garantir o meu futuro mas, afinal, agora nem a Prost existe mais… Depois de duas ou três corridas apercebi-me que a equipa tinha dificuldades, pois não evoluía os carros mesmo quando sabíamos o que era preciso fazer. A situação foi piorando, deixámos de ter dinheiro para testar mas em nenhum momento o Alain me disse o que se passava. Agora teve de fechar as portas, o que é uma pena, pois tratava-se duma equipa com muitos elementos de valor, que agora ficam no desemprego.”

Quanto a atribuir culpas, o jovem brasileiro não tem dúvidas: “Olha, eu não quero dizer mal do Alain, mas ficou claro que ele não tinha qualquer possibilidade de encontrar o dinheiro necessário para garantir o futuro da equipa. Sempre acreditei que se o Pedro Diniz comprasse a equipa, como pensei que fosse acontecer, existiriam condições para sobreviver e evoluir. Mas o Alain não quis vender, por isso, o ónus da culpa tem de ficar com ele…”

HEIFDELD: “NUNCA PENSEI QUE ACABASSE!”

De todos os pilotos que se dispuseram a falar, Heidfeld foi o mais surpreendido pelo desfecho da semana passada: “Para dizer a verdade, mesmo sabendo que a situação era difícil, nunca acreditei que a equipa chegasse a este ponto. Sempre acreditei que, duma maneira ou doutra, se encontrasse uma solução e, por isso, fiquei surpreendido com o que aconteceu. Fiquei triste, porque não desejo mal a ninguém e acredito que não será fácil para algumas pessoas encontrarem lugar na Fórmula 1, agora.”

Tendo-se estreado nos Grande Prémios com a Prost, Heidfeld conheceu em 2000 uma temporada muito difícil, mas nem assim ficou com más recordações do tempo passado em Guyancourt: “É claro que gostaria de ter tido mais sucesso, mas aprendi muito no ano em que estive na Prost e, por isso, fui útil ter passado por aquela experiência.”

Mas quanto às causas prováveis dos problemas da equipa francesa, o alemão não quis mesmo envolver-se em qualquer tipo de polémicas: “Tenho as minhas ideias, mas esta não é a altura de as partilhar. Nem sei se alguma vez direi o que penso, mas só vou dizer isto: tenho ideias bem firmes acerca do que levou a este fim da equipa. Penso que é mais difícil fazer uma equipa de Fórmula 1 na Suiça do que em França e nós, na Sauber, estamos a dar-nos muito bem!” E sem o dizer, Heidfeld lá “disse” o que pensava.”

MAZZACANE: “FALTOU BOA GESTÃO”

Quem teve uma passagem meteórica pela Prost foi Gaston Mazzacane, que fez apenas as primeiras quatro corridas de 2001 com a equipa francesa: “Desde os testes do Estoril que o relacionamento se deteriorou rapidamente. Cuidaram só da parte comercial e descuraram a parte humana. As coisas foram piorando e depois do G. P. do Brasil a situação era já insustentável.”

Quanto aos problemas da equipa, o argentino não teve grandes dúvidas de como tudo iria acabar: “O que aconteceu agora não me surpreende, porque já em Fevereiro era evidente que faltava dinheiro. Não creio que seja complicado montar uma equipa em França nem mantê-la, porque a Ligier conseguiu-o durante muitos anos. Com boa gestão – nem era preciso ser muito boa – era possível fazer um bom trabalho. Isto é mau para a Fórmula 1 e péssimo para a imagem do Alain Prost, mas não há ninguém que ele possa culpar.”

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Lagaffe
Lagaffe
1 ano atrás

O prost nunca teve culpa de nada na vida e “nunca se arrependeu de qualquer decisão”.
É bom que as pessoas recordem este artigo e depois pensem bem se as suas tretas do passado são verdadeiras, particularmente quando fala de Senna.

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