Ferrari: Vermelhos de paixão

Por a 18 Fevereiro 2023 13:00

Franco Cortese escrevia em 1947 o primeiro parágrafo de um extensa enciclopédia de êxitos – a primeira vitória de um Ferrari numa corrida – o GP de Roma desse ano

O

nome Ferrari diz tudo. Além de fabulosas peças da engenharia

automóvel, os famosos carros saídos de Maranello são herdeiros de

um incomparável passado de glórias, arrojo tecnológico e paixão.

Essa mesma paixão que hoje faz da marca italiana um autêntico

fenómeno de devoção, arrastando milhões de adeptos. Que outra

marca automóvel poderia ser tema para um mega-parque temático nas

improváveis paisagens de Abu Dhabi? Seja nas pistas, através da

Scuderia Ferrari, seja nas estradas, com modelos que redefinem

padrões de performance como o último e ultra-exclusivo Enzo, a

Ferrari é um singular objeto de culto no mosaico da indústria

automóvel mundial.

Esta

epopeia iniciou-se no dia 25 de Maio de 1947, quando Franco Cortese

venceu ao volante de um Ferrari 125 o GP de Roma, disputado no

Circuito delle Terme di Caracalla. Foi há 73 anos, e a Ferrari trata

esta efeméride com honras de evento maior na sua história.

A

Ferrari foi um dos primeiros construtores a aceitar a aventura da

Fórmula 1, em 1950. Seria a arqui-rival Alfa Romeo a dominar as duas

primeiras épocas, antes de Alberto Ascari dar os primeiros títulos

à Scuderia, em 1952 e 1953. Curiosamente, a relação de Ascari com

a Ferrari não terminaria bem – Enzo escreveria sobre o piloto

italiano quando este saiu para a Lancia: «Invejoso e arrogante: eis

um piloto que simboliza a maior parte dos italianos que preferem

ganhar para si, sem pensar na marca». Para Enzo, os valores Ferrari

estavam acima de tudo. Teve nas suas fileiras alguns dos melhores

pilotos de sempre – Ascari, Fangio, Surtees, Lauda, Gilles

Villeneuve – mas a relação com a maior parte deles foi fria. A

excepção talvez tenha sido Villeneuve, o homem com quem contava

para recuperar o título mundial em 1982, e que classificou como um

“ferrarista típico”.

Depois da morte de Enzo, a Scuderia teve de esperar até 1993 para encontrar um homem capaz de organizar os seus imensos recursos materiais e humanos. O francês Jean Todt tinha feito maravilhas na Peugeot, onde sob o seu comando foi construído um dos melhores Grupos B de sempre no Mundial de Ralis, o 205 Turbo 16, tendo depois guiado o construtor francês até à vitória em Le Mans.

Este era o homem a contratar. Depois de alguns anos a perceber como funcionava a Scuderia, Todt começou em 1996 as mudanças decisivas no passado recente da Ferrari na Fórmula 1. Contratando Michael schumacher, Ross Brawn e Rory Byrne, Todt dotou a equipa de alguns dos melhores elementos da Fórmula 1, ao mesmo tempo que acabava de vez com as lutas políticas que durante anos minaram os corredores de Maranello. O resultado foi um dos períodos mais dominantes de uma equipa no Mundial de F1, culminado em seis títulos consecutivos nos construtores e na definição de Michael Schumacher como o mais bem sucedido piloto de todos os tempos.

Hoje em dia, as coisas são bem diferentes, mas a Ferrari continua a ser um dos expoentes máximos da categoria, e como sempre ‘O’ expoente máximo da Fórmula 1.

Enzo, o criador

Enzo Ferrari é o homem por detrás da lenda. Nascido a 18 de Fevereiro de 1898, perto de Modena, viu o pai e o irmão (Dino) morrerem na Primeira Guerra Mundial, o que o forçou a abandonar a escola para tomar conta da empresa de fundição propriedade da família. O negócio ruiu e Enzo foi ele próprio recrutado para o exército italiano, de onde seria dispensado depois de adoecer gravemente.

Bastante

mais interessado nas corridas do que em voltar à escola, o jovem

Enzo muda-se para Milão e consegue um emprego na CMN (Costruzioni

Maccaniche Nazionali) como piloto. A sua primeira corrida seria em

1919, ano em que também disputa a famosa Targa Florio.

A

Itália industrial despertava então para o sector automóvel, facto

a que não era alheia a paixão de Mussolini pelos veículos da Alfa

Romeo. A década de 1920 viu nascer dezenas de pequenas marcas,

criadas por jovens industriais, que dariam um enorme impulso ao

sector competitivo.

Enzo Ferrari não foi excepção. Funda a Scuderia Ferrari em 1929, sob alçada da Alfa Romeo, o construtor que o contrataria em 1938 para liderar o seu departamento de competição. Dois anos depois, apercebendo-se da intenção da Alfa em controlar a Ferrari, Enzo abandona a casa-mãe e, por imposições contratuais, fica afastado das corridas durante vários anos. Durante um breve período, a Scuderia dá lugar à Auto Avio Costruzioni Ferrari, de onde saem peças para a aviação italiana, em preparação para a Segunda Guerra Mundial.

Em1943,

o já “commendatore” Enzo muda a fábrica da Ferrari para

Maranello, onde no ano seguinte um bombardeamento destrói as

instalações. A reconstrução do espaço, em 1946, prevê a

produção de carros de estrada que Enzo vende relutantemente para

financiar a sua Scuderia.

Durante as décadas de 1950 e 1960, a Ferrari conquista vários títulos em pista, mas dispersa-se por dezenas de categorias diferentes, trazendo exigências financeiras incomportáveis. Valeu a Enzo outro decano da indústria automóvel – Gianni Agnelli, patrão da Fiat – que garantiu um patrocínio aos Ferrari de competição, ficando com toda a vertente produtiva da marca de Maranello.

Mas foi a competição que sempre dominou o espírito do “commendatore”. Quando faleceu, em 1988, a Ferrari tinha ganho mais de cinco mil corridas em todo o mundo, e um total de 25 títulos em palcos tão ilustres como a Fórmula 1, as 24 Horas de Le Mans, a Mille Miglia ou a Targa Florio.

O lendário “cavallino rampante”

Quase indissociável da Ferrari é o logótipo do “cavallino rampante” adoptado por Enzo Ferrari em honra do conde Francesco Baracca, famoso piloto de caça da Força Aérea italiana durante a Primeira Guerra Mundial. Baracca foi abatido em 1918 depois de 34 duelos vitoriosos, que o elevaram a herói nacional. Nos seus aviões, o jovem conde usava o símbolo do cavalo empinado. Reza a lenda que em Junho de 1923 Enzo Ferrari ganhou uma corrida na pista de Savio, em Ravenna, onde conheceu a condessa Paolina, mãe de Baracca. Esta sugeriu ao piloto que usasse o símbolo do filho nos seus carros, ao que Ferrari acedeu, acrescentando à imagem um fundo amarelo, a cor da terra-natal Modena.

Mas a imposição da Alfa Romeo só permitiu que Ferrari usasse o símbolo vários anos mais tarde, nas 24 Horas de Spa de 1932. Menos conhecido foi o uso do famoso cavalo empinado por outro ícone italiano: a Ducati. Fabio Taglioni tinha o logótipo nas suas motos em honra do pai, curiosamente um antigo companheiro do conde Baracca na Força Aérea italiana. A fama da Ferrari foi crescendo e a Ducati abandonou o símbolo, sendo possível que tenha havido um acordo secreto entre as duas marcas.

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