A saga de Pedro Chaves na F1 em 1991: Do céu ao inferno

Por a 10 Abril 2024 12:10

Pedro António Matos Chaves, ‘PéTó’ para os (muitos) amigos, a cidade onde nasceu em 27 de Fevereiro de 1965. E onde começou a paixão pelas corridas de automóveis: foi Campeão Nacional de Fórmula Ford em 1986 e, depois de uma carreira na Fórmula Ford em Inglaterra (3º em 1988) e na F3000 internacional (1989, com a Cobra Motorsport), sagrou-se Campeão Britânico desta categoria em 1990, com a Madgwick, de Nigel Mansell, batendo Alain Menu e foi 4º a jornada de Brands Hatch da F3000 internacional. É agora coordenador desportivo do novo Clio Trophy, troféu da Renault para os Ralis.

Só na F1 não conquistou nenhum título. Pior: nunca venceu uma corrida. Pior ainda: nunca pontuou. Mais: nunca conseguiu alinhar sequer num GP. E tentou-o por 13 vezes – 13 GP em que Pedro Chaves passou as passas do Algarve. Mais que isso, passou aquilo que nunca pensou poder vir a passar. Ou de como os sonhos podem depressa tornarem-se um pesadelo: “Nunca, em nenhuma outra categoria onde corri, fui ultrapassado da forma que fui quando estive na F1!” Isso diz tudo.

Mas, para se ter uma ideia da debilidade e fraca qualidade da Coloni Racing, basta dizer que a equipa do italiano Enzo Coloni terminou esse ano de 1991 em 19º e último lugar, entre os Construtores – com 15 NPQ (não pré-qualificações). Depois de Pedro Chaves ter batido estrondosamente com a porta, no Estoril, a equipa esteve ausente na prova seguinte, o GP de Espanha, e terminou o ano com o japonês Naoki Hattori a fazer exatamente o mesmo que Chaves fez, no Japão e na Austrália.

Mais palavras para quê? Depois da F1, Pedro Chaves fez outra vez a F3000, sem resultados de relevo e então atravessou o Atlântico e foi para a Indy Lights, onde em três anos ganhou uma corrida, em 1995 (Vancouver). De regresso à Europa, foi vice-Campeão de Espanha de Turismo em 1996. Depois, passou para os ralis e sagrou-se campeão Nacional em 1999 e 2000. Em 2003, de volta as GT, venceu com Miguel Ramos o campeonato de Espanha com um Saleen. Postos estes resultados, era dele a culpa do insucesso na F1? Claro que não! Perceba, a seguir, tudo o que sucedeu então, à luz dos documentos da época.

Os 13 trabalhos de Pedro Matos Chaves

Pedro Chaves esteve presente em 13 GP de F1, entre o GP dos Estados Unidos, dia 10 de Março e o GP de Portugal, a 22 de Setembro de 1991. Nessa altura, chegaram a ser 38 os monolugares candidatos a um lugar nas grelhas de partida, então limitadas a 26 pilotos. O piloto português, que estava ao volante de um dos mais fracos do plantel, o Coloni C4/Ford DFR 3.5 V8, nunca conseguiu sequer acesso ao curto lote de três ou quatro pilotos que, depois, disputavam, nos treinos de qualificação de sábado, um lugar a grelha definitiva. Eis o que ele sofreu e viveu, GP a GP.

1º – GP Estados Unidos (10 de Março. Vencedor: Ayrton Senna, McLaren-Honda. NPQ: Andrea de Cesaris, Jordan-Ford, 1m30,937s; Pedro Chaves, Coloni-Ford, 1m31,113s; Olivier Grouillard, Fondmetal-Ford, 1m32,126s; Éric van de Poele, Lambo-Lamborghini, 1m37,046s)

O título: “O ‘primeiro’ dia”. Presume-se que do resto da vida de Pedro Chaves enquanto piloto de F1. A prosa, em resumo: “[Chaves] por momentos ocupou o terceiro lugar nas pré-qualificações e a seguir quarto [em oito pilotos, só passavam os quatro primeiros]”, com “o primeiro jogo de pneus de qualificação”, mas “depois, foi a saída de pista, mais que desculpável (…).” E o “primeiro dia” ficou-se por ali…

2º – GP Brasil (24 de Março. Vencedor: A. Senna. NPQ: Van de Poele, 1m21,819s; Nicola Larini, Lambo-Lamborghini, 1m22,944s; Chaves, 1m23,231s; Grouillard, 1m23,951s)

O título: “Faltou a ‘mãozinha’ divina”. A prosa, em resumo: “Que seria difícil, ninguém tinha dúvidas. Faltava (…) um pouco mais de motor para competir com os seus adversários.(…) A chuva (que caiu intensamente nos dias anteriores à prova) poderia ser a grande salvação” mas “infelizmente Deus, que dizem ser brasileiro, não quis dar uma ajuda completa (…)” Isto é, não choveu, Chaves deu apenas 16 voltas e, no final, se queixou do “comportamento menos correto de Éric van de Poele e de ter “pouco tempo para afinar o carro.”

3º – GP San Marino (28 de Abril. Vencedor: A Senna. NPQ: Emanuele Pirro, Dallara-Judd, 1m26,305s; Grouillard, 1m26,789s; Larini, 1m26,886s; Chaves, 1m31,239s)

O título: “Pescadinha de rabo na boca”. A prosa, sucinta e crua: Chaves não foi “além do oitavo e último tempo [da sessão]. Os problemas começaram logo na primeira volta, quando se descobriu que a eletrónica não colaborava para, a meio dos sessenta minutos disponíveis, o Coloni se quedar na pista, com a caixa de velocidades partida.” E a conclusão, em ante-título: “Chaves precisa de 300 milhões” [de contos, ainda…)

4º – GP Mónaco (12 de Maio. Vencedor: A. Senna. NPQ: Larini, 1m25,893s; Van de Poele, 1m26,282s; Chaves, 1m27,389s; Grouillard, 1m27,759s)

“A saga continua: Chaves não ascende à ‘Realeza’” Pois: “Ainda não foi desta que o piloto do Porto conseguiu acompanhar Mário Araújo Cabral na galeria dos pilotos portugueses que, pelo menos uma vez na vida, disputaram um GP de F1.” E o circuito de Monte Carlo até parecia ser “o palco preferencial” para isso, pois é “sinuoso, capaz de fazer valer as capacidades de pilotagem.” Mas nem isso: ainda sem o motor prometido, mais competitivo (chegou ao Mónaco no dia seguinte às pré-qualificações…), Chaves, sem problemas mecânicos, “efetuou uma vintena de voltas no total”, fugindo ao último lugar dos treinos “com o tempo obtido na última passagem, com o segundo jogo de pneus de qualificação.” O piloto falou assim, depois dos treinos: “Lutar com equipas que depois se classificam para as cinco primeiras linhas é demasiado injusto.”

Nessa altura, começou a falar-se do futuro de Chaves na F1 e uma das “soluções” encontrada era ser “piloto de testes” da Lotus “nas últimas seis corridas”.

5º – GP Canadá (2 de Junho. Vencedor: Nelson Piquet, Benetton-Ford. NPQ: Grouillard, 1m24,795s; Larini, 1m25,736s; Van de Poele, 1m26,900s; Chaves, 1m34,475s)

“Nem Hart salva Chaves” – dizia o título. E logo a seguir a interrogação: “Serão as últimas duas provas no continente americano o marco terminal a carreira da Coloni na F1?” E tudo porque, segundo Enzo Coloni, “sem a ajuda de patrocinadores portugueses tudo pode terminar depois do México.” E Chaves, com a certeza de não conseguir angariar mais apoios em Portugal, para lá dos que já tinha [a GALP e a Mateus Rosé], começou a pensar em fazer um “período intermédio”, antes de regressar à F1, “talvez por altura do GP de Portugal.” Em Montreal, novo falhanço, apesar de um motor novo, preparado pela Hart [o outro era “feito” pela Langford & Peck] e com mais uma centena de cavalos: “Finalmente acabei por não sentir (…) a diferença do motor.” Só que tudo durou oito voltas, pois a caixa de velocidades cedeu uma vez mais.

6º – GP México (16 de Junho. Vencedor: Riccardo Patrese, Williams-Renault. NPQ: Van de Poele, 1m30,655s; Chaves, 1m37,144s; Pirro, 1m40,164s; Larini, s./t.

O GP do México foi uma das suas melhores exibições. Choveu e, aproveitando isso, Chaves chegou a estar na frente de Lehto e de Pirro, que habitualmente eram mais rápidos e passavam sempre para as qualificações. Porém, com a pista a secar, a realidade veio ao de cima e o português voltou a ficar de fora, apesar de ter sido o segundo melhor entre os “sacrificados”.

7º – GP França (7 de Julho. Vencedor: Nigel Mansell, Williams-Renault. NPQ: Pirro, 1m20,539s; Larini, 1m20,628s; Van de Poele, 1m21,304s; Chaves, 1m22,229s)

“Um resultado por demais conhecido”: “Sétima tentativa, o mesmo resultado: Pedro Chaves voltou a ficar de fora dos treinos oficiais para um GP.” Em Magny-Cours, o piloto “explorou ao máximo as limitações do Coloni, não indo além do último lugar dos treinos, desta feita apenas a 2,5s do melhor tempo.” E uma vez mais a desilusão: a legenda de uma foto do piloto com a mulher, Helena, dizia tudo: “O GP de França poderá ter sido a última prova do piloto português ao volante do Coloni.” Não foi…

8º – GP Grã-Bretanha (14 de Julho. Vencedor: N. Mansell. NPQ: Grouillard, 1m26,299s; Larini, 1m28,042s; Van de Poele, 1m28,827s; Chaves, 1m29,735s)

“Uma presença com pouco sabor”, dizia o título. Para Silverstone, Chaves arranjou um novo patrocinador, a EDM (Empresa de Desenvolvimento Mineiro) e isso deu-lhe um novo, mas pequeno fôlego. Mas, numa pista que tinha sido renovada, nem o piloto “nem a equipa fazia ideia de como afinar o carro.” Por isso, o resultado foi novo oitavo lugar na sessão.

9º – GP Alemanha (28 de Julho. Vencedor: N. Mansell. NPQ: Grouillard, 1m44,645s; Alex Caffi, Footwork-Ford, 1m45,282s; Fabrizio Barbazza, AGS-Ford, 1m46,604s; Chaves, 1m47,546s)

“A mesma ‘peça’” – o articulista do AutoSport já começava a ter dificuldades em “renovar” os títulos. Em Hockenheim, que “não era o circuito ideal para tentar a primeira estreia no grupo maior”, Chaves “só deu sete voltas”, mas não escapou de novo ao último lugar, apesar de, segundo ele, o circuito se ter revelado “normal de aprender”. Na pista alemã, curiosamente, a Coloni, junto da Video Kraft, garantiu “a verba necessária à deslocação aos GP do Japão e da Austrália, as duas últimas provas da temporada: “200 mil dólares (30 mil contos)”.

10º – GP Hungria (11 de Agosto. Vencedor: A. Senna. NPQ: Gabriele Tarquini, AGS-Ford, 1m25,230s; Caffi, 1m26,637s; Barbazza, 1m26,740s; Chaves, 1m26,945s)

No Hungaroring, o circuito “onde, depois de Phoenix e do Mónaco, era onde tinha mais hipóteses de me qualificar”, “Chaves zanga-se com Coloni”, naquilo que o AutoSport referiu como “O grito do Ipiranga” diretor da equipa insistiu, contrariando as indicações do piloto, em “utilizar uma nova suspensão dianteira”, que a equipa não tinha testado. Resultado: “um carro que não conhecia, que não sei com responde às afinações”, duas saídas de pista e mais um oitavo lugar os treinos.

11º – GP Bélgica (25 de Agosto. Vencedor: A. Senna. NPQ: Michele Alboreto, Footwork-Ford, 1m59,910s; Tarquini, 1m59,972s; Chaves, 2m01,921s; Barbazza, 2m03,766s)

“Chaves ficou a seco” nas Ardenas, onde “a única ‘arma’ de Pedro Chaves, a chuva, não pode ser utilizada.” E, “num traçado onde a potência do motor e o comportamento do chassis fazem a diferença, o resultado (…) estava (quase) decidido mesmo antes do piloto ir para a pista.” E nem ter um carro “bem mais estável do que na Hungria” ajudou.

12º – GP Itália (8 de Setembro. Vencedor: N. Mansell. NPQ: Barbazza, 1m27,392s; Tarquini, 1m27,401s; Caffi, 1m27,608s; Chaves, s./t.

Em Monza, “Pedro nem no carro se sentou. Desta vez foi demais”. E foi! Segundo ele mesmo explicou, “o motor deveria ter sido revisto depois do GP da Hungria, pois ultrapassara a margem dos 600 km previstos no manual. Coloni quis arriscar disputar a Bélgica e a Itália (…) para depois mandar rever o V8 à Hart.” Resultado? “O piloto estava pronto, mas ainda sem capacete e os mecânicos tentavam aquecer o motor.” À primeira tentativa, “o motor não aguentou (…) e acabou por partir. Desiludido, “pela primeira vez decidiu abandonar o circuito logo no sábado, preferindo assistir à prova na televisão, em casa.”

13º – GP Portugal (22 de Setembro. Vencedor: R. Patrese. NPQ: Barbazza, 1m19,292s; Grouillard, 1m19,500s; Caffi, 1m19,521s; Chaves, 1m23,858s)

Foi o final: Chaves voltou a ser o último, voltou a zangar-se com Enzo Coloni e, sem esperança e profundamente magoado e desiludido, deixou oficialmente a Coloni no final de Setembro, logo a seguir ao GP de Portugal, após esta ter sido vendida a industrial de sapatos italiano Andrea Sassetti. Foi o final inglório de um sonho tornado, bem dessa, pesadelo.

Pedro Chaves da alegria à desilusão

Pedro Lamy e Matos Chaves, em 1991

Hoje com 55 anos e afastado do automobilismo enquanto piloto desde 2006, Pedro Chaves recorda ainda com muita comoção o período em que passou pela F1. Antes de mais, porque “entrar para a F1 foi a melhor coisa que aconteceu na minha carreira. Foi uma vida toda a sonhar com isso e, chegar lá, foi o concretizar de um sonho de miúdo. Muitas das corridas que fiz na minha vida foram feitas a pensar nisso.”

E continua, com entusiasmo: “Eu, um miúdo do Porto, que corria aos fins-de-semana com o Toyota Starlet da mãe, que não tinha ajudas, nem ‘manager’, numa altura em que não havia Internet, não havia nada, conseguir chegar lá, à F1, foi uma alegria enorme.”

E só isso: depois de lá estar… foi a enorme desilusão: “Quando lá cheguei, depois de fazer o teste no Estoril, até pensei que tinha desaprendido de guiar! E isso não podia ser! Não se desaprende assim e, além disso, estavam lá pilotos com quem eu corri antes e que até bati, como o [Mika] Hakkinen e o [Eric] Van de Poele. Não podia ser! Estar em Imola e, na reta, ver passar por mim o [Nélson] Piquet, no Benetton ou o [Ayrton] Senna, no McLaren, como se estivesse parado, nunca me tinha passado pela cabeça que fosse possível! Mas era! É como se estivesses a fazer a reta do Autódromo do Estoril a correr e a pé e eu passasse por ti de bicicleta! Chegando lá ao fundo, vias a que diferença estavas! Nunca, em nenhuma outra modalidade em que tinha corrido, tinha sido passado dessa forma!”

Então, Pedro Chaves entrou “na real”: “Percebi que a F1 era diferente de tudo o que tinha fito até aí! E do que eu sempre tinha imaginado. E foi uma desilusão! Eu, numa equipa como a Coloni, com um milhão de dólares de orçamento, a correr contra a McLaren, que tinha 44 milhões, não podia estar na mesma categoria! Dar 300 km/h numa reta em Imola, contra 324 do Senna, tinha que ser de outro mundo, não daquele! A F1, tal como outro desporto onde haja muito dinheiro envolvido, como hoje o futebol, tem muita política pelo meio. Não há verdade! E hoje ainda se vê.”

Mesmo assim, Pedro Chaves recorda algumas alegrias: “Além daquela que senti por lá ter chegado, que foi a maior de todas, lembro-me de alguns bons momentos. Nós, então, fazíamos os treinos logo às oito horas da manhã de sexta-feira. E, por exemplo, no Mónaco, com a pisa fria e suja, fiz um tempo que me dava o 22º lugar na grelha para a corrida. Ou, no México, em que ficámos nas boxes o tempo quase todo, porque estava a chover, quando saí para a pista, estava na frente do [Emanuele] Pirro e do [JJ] Lehto. E foram situações destas que me garantiram que eu sabia guiar tão bem como eles e que não tinha deixado de saber guiar!”

Por isso, Pedro Chaves não lamenta que a sua saga na F1 tivesse chegado ao fim com chegou: “Todo aquele mundo não era para mim. Não foi assim que idealizei a F1 e, quando lá cheguei, depressa a alegria de lá ter chegado se mudou em desilusão. Um Coloni e um McLaren não podiam nunca ser do mesmo campeonato!”

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