Entrevista a Filipe Albuquerque: “Com o Cadillac senti logo que havia muito trabalho para fazer”
Depois de um ano marcado pelo regresso a dois programas em simultâneo — IMSA e ELMS — Filipe Albuquerque enfrentou um dos desafios exigentes, mas ao qual já está habituado: adaptar-se a um carro totalmente novo, integrado num programa técnico diferente, complexo e altamente partilhado. Ao mesmo tempo, o português teve de lidar com um Cadillac novo e com exigências diferentes e mudanças profundas face ao Acura que ajudou a desenvolver de raiz e um nível de exigência interna constante.
Nesta segunda parte da conversa, Filipe revisita o início da época, explica com franqueza porque percebeu imediatamente que o Cadillac iria exigir muito mais trabalho do que o previsto, como funcionam os bastidores da partilha de decisões entre três equipas diferentes, que problemas técnicos os afetaram e como foi conquistar, aos poucos, o respeito e a confiança dentro do programa oficial.
AutoSport — Voltando ao início: começaste o ano com um carro totalmente novo. Quando experimentaste o Cadillac pela primeira vez, sentiste logo que era o carro certo ou percebeste imediatamente que vinha aí muito trabalho?
Filipe Albuquerque — “Senti logo que havia trabalho. Até porque, na Acura, tínhamos um carro feito à nossa medida: fui eu e o Ricky que, praticamente desde o zero, desenvolvemos o carro como queríamos, discutindo cada detalhe, percebendo cada comportamento. Era um carro que fazia sentido para nós. Quando entrei no Cadillac percebi: ‘Isto vai dar trabalho.’”
“E depois houve outra coisa para a qual eu não estava preparado. Na Acura, como éramos os únicos, mudávamos o que queríamos sem pedir opinião a ninguém. Aqui na Cadillac é totalmente diferente: somos 12 a 16 pilotos. Portanto, quando eu ou o Ricky queremos mudar algo no carro, temos de ter consenso com as outras duas equipas — a JOTA e a Action Express. E nem sempre há consenso. Eles conhecem o carro há mais tempo, têm outra visão, e é compreensível. Tivemos de ser nós a adaptar-nos muito mais do que estávamos habituados. Essa foi uma das partes mais difíceis.”

AutoSport — Isso torna injusto o processo para a Wayne Taylor Racing, já que a JOTA corre no WEC e vocês correm no IMSA, com exigências diferentes? A Cadillac dá-vos alguma flexibilidade?
Filipe Albuquerque — “Sim, alguma flexibilidade existe. A Cadillac adapta-se um bocado aos dois programas. Até porque nós no IMSA temos pistas muito mais irregulares, com muitos ressaltos e isso mexe muito com o comportamento do carro. E até as regras têm pequenas diferenças. A Cadillac aceita ligeiras adaptações. E há uma parte muito positiva: aprendemos uns com os outros. O que eles fazem pode ajudar-nos e vice-versa.”
AutoSport — Que tipo de problemas vos afetaram mais no início? Estávamos a falar de “feeling”? De aerodinâmica? Onde é que o carro vos apanhou desprevenidos?
Filipe Albuquerque — “Foi uma conjugação de tudo isso. A maneira como cada carro reage às afinações é totalmente diferente. Um exemplo simples: subir a traseira, tira downforce e torna a frente mais agressiva. Mas isso só funciona se a aerodinâmica do carro estiver desenhada para isso. Na Acura funcionava perfeitamente. Na Cadillac… não. Logo na primeira corrida fizemos esse erro, porque tentámos aplicar lógica Acura a um carro que não reage como o Acura. Na Cadillac, quanto menos rake, melhor. É o oposto. Tivemos de aprender isso à força.”
“Havia outras pequenas afinações que simplesmente não funcionavam — e eram exatamente o contrário do que funcionava no Acura. Foi estranho perceber que aquilo que era lei para um carro era proibido no outro. Demorámos a aceitar isso. Mas no fim o que interessa é o que faz o carro andar, não o que os números dizem.”

AutoSport — Pelo que dizes, parece que tu és o piloto que lida melhor com carros mais difíceis, especialmente quando a traseira está mais solta.
Filipe Albuquerque — “Sim, sou mais eu. Quando o carro tem a traseira mais instável, sou eu que vou para dentro. Em Daytona, foi exatamente isso: eu fiz oito horas e meia de condução e o Ricky fez três horas e meia. Porque o carro não estava confortável para ele e está tudo bem. Para mim estava… mais do meu agrado. Não era rápido, mas dava para gerir. E às vezes é isso: quando começas a corrida com um carro mau, vais acabar a corrida com um carro mau. A questão é sobreviver.”
AutoSport — A Action Express acabou a época mais forte. A partilha de informação não vos ajuda a dar esse salto? Ou é algo que cabe à Wayne Taylor descobrir por si?
Filipe Albuquerque — “É um bocadinho dos dois. Partilhamos telemetria, sim, mas há muitas variáveis que dependem só da equipa: medições, alturas, molas… Estamos a falar de diferenças de 1 a 2 milímetros, mas esses milímetros, quando se compensam noutras afinações, tornam-se três décimos. E três décimos são uma eternidade neste nível. E depois há outra realidade: nós começámos a acreditar que a Action Express encontrou mesmo alguma coisa no carro. E guardou-a. Em Le Mans, por exemplo, a JOTA fez a pole, mas não tinha ritmo de corrida para acompanhar a Action Express.”
AutoSport — Já existe uma atualização do carro. O que é que podes dizer sobre ela? Vai trazer ganhos reais?
Filipe Albuquerque — “Acho que sim. Temos ideias claras do que queremos melhorar. As equipas e as marcas trabalham sobretudo para Le Mans — que é a corrida que queremos ganhar acima de qualquer outra. Este ano tivemos dificuldades em corrida, não em velocidade pura. Fizemos modificações nesse sentido. Achamos que vai ser melhor. Mas os outros também desenvolveram. A primeira corrida de 2025 vai mostrar quem evoluiu mais.”

AutoSport — E sentes que essa atualização já reflete o vosso feedback, que a Cadillac passou a confiar mais no vosso contributo?
Filipe Albuquerque — “Sim, claramente. Houve várias situações em que dissemos: ‘Nós queremos isto.’ E eles disseram: ‘Isso não é possível.’ E nós: ‘É, é possível.’ Foram conversas interessantes porque, no início, havia aquela coisa: ‘Primeiro têm de andar tão depressa como os outros. Depois falamos.’ É normal. Não podes chegar ali e querer mudar tudo. Mas foi importante mostrar que não estávamos ali só para nos adaptarmos. Também trazíamos coisas boas. Foi um processo de ganhar confiança — devagar — até chegarmos a um ponto em que aquilo que pedíamos começou a ser valorizado e incluído na evolução do carro.”
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