Como a pandemia salvou o WTCR

Por a 10 Setembro 2020 12:14

A Taça do Mundo FIA de Carros de Turismo (WTCR) arranca este fim-de-semana com vinte carros inscritos a tempo inteiro para a temporada de 2020 e com uma saúde que não tinha há seis meses. A pandemia da COVID-19 fez estragos em quase todos os campeonatos, no entanto, a WTCR saiu com uma maior vitalidade após o confinamento.

Em Março, o cenário para a época que aí vinha era muito pouco animador, senão confrangedor. Dos vinte e seis carros de sete construtores diferentes que François Ribeiro e seus pares tinham conseguido reunir em 2019, contavam-se catorze concorrentes para uma temporada cujo calendário inicial incluía provas em três continentes: Ásia, África e Europa. Os sinais de crise adensaram-se ainda antes da crise sanitária quando o Reino de Marrocos, que albergava a prova de abertura de temporada, cortou os fundos do seu evento e despediu-se da WTCR, e o patrocinador do campeonato, a Oscaro, deixou de o ser.

No defeso, a Sébastien Loeb Racing retirou os seus quatro carros quando a Volkswagen Motorsport travou o lançamento do novo Golf TCR. A Audi, que há muito se queixava dos custos do campeonato, seguiu as pisadas da VW, retirando todo o apoio de fábrica à disciplina TCR, o que ditou a partida da WRT. O Team Mulsanne tinha os seus dois Alfa Romeo para venda e havia comprador para os mesmos. A KCMG disse igualmente “adeus e até à próxima” e rumou para um projecto europeu em parceria com a Porsche Motorsport Asia-Pacific, enquanto a Comtoyou devolvia os seus dois Cupra e a sueca PWR Racing resolvia concentrar as suas actividades em casa.

Em Março, antes da COVID-19 extravasaras fronteiras chinesas para atacar com força o resto do mundo, o funeral da WTCR estava praticamente agendado. Entre adiamentos e cancelamentos, muitas incertezas e ainda mais dúvidas, a Eurosport Events tomou várias decisões que acabariam por salvar a sua Taça do Mundo. A decisão precoce de cancelar as rondas asiáticas do campeonato terá sido mesmo a mais importante, até porque Japão, China e Coreia do Sul continuarão praticamente fechados a estrangeiros até ao final do ano, e o ex-território ultramarino português de Macau prepara-se para obrigar quarentenas de catorze dias a quem vier de fora para participar no Grande Prémio. Ao concentrar todas as suas provas no velho continente, a Eurosport Events terá perdido algumas das suas provas mais lucrativas, mas reduziu o custo elevadíssimo que estas representavam para as equipas.

Com vários incentivos para as equipas mais pequenas e para os “wildcards”, e o levantamento de algumas restrições que deixaram de fazer sentido na realidade actual, como a obrigação da inscrição de dois carros por equipa, permitiram engordar a grelha de partida da WTCR. “Tomámos decisões fortes numa fase muito inicial durante o confinamento para proteger a WTCR do impacto da COVID-19 e torná-lo mais acessível”, afirma François Ribeiro. “Trabalhando em conjunto com a FIA, implementámos várias medidas para cortar nos custos, incluindo um calendário só na Europa, limites no números de pessoal e de pneus novos, e ainda reduzimos o tempo de pista para uma só qualificação”.

“Temos que ser realistas com os nossos objectivos para este ano”, enfatiza Alan Gow, o presidente da Comissão de Turismos da FIA. “Tendo 95% do nosso paddock base na Europa e sem uma previsão de quando será possível viajar livremente fora da Europa, como tínhamos no passado, esta era a única solução para nós. Claro, que isto desceu imensamente os custos do campeonato.”

A triste realidade é que se a WTCR tivesse arrancado a tempo e horas, nem a Comtoyou Racing teria três Audi RS 3 LMS, nem iríamos ver qualquer Cupra nas grelhas de partida, pelo menos a tempo inteiro. Apesar da COVID-19 ter as “costas largas”, a estreia do novo carro da marca de Abrera só aconteceu há mês e meio. Os sucessivos atrasos permitiram que a marca espanhola tivesse tempo para ter sua máquina operacional e encontrasse um parceiro interessado em colocar em pista o seu novo CUPRA Leon Competición, neste caso a Zengo Motorsport, e logo com três unidades.

O Team Mulsanne não tinha também planos para competir na WTCR, pois a Romeos Ferrari tem os seus recursos concentrados na construção do Giulietta eléctrico para as competições da classe ETCR. Contudo, os planos da equipa de Opera alborcaram quando não conseguiu vender os seus dois Alfa Romeo Giulietta Veloce TCR. “Muitas coisas mudaram nos últimos meses”, explicou Michela Cerruti, a cara da Romeos Ferrari. “Contrariamente ao que estava planeado, os carros do ano passado ainda estão connosco e parece-nos natural continuar esta jornada fantástica. Decidimos apoiar os projectos do Team Mulsanne e os esforços da Eurosport Events na organização da WTCR em 2020, nestes tempos complexos e difíceis. Seis provas é um desafio excitante e que assumimos com prazer”. O carro da equipa transalpina será conduzido por Jean-Karl Vernay, o ex-piloto da Audi, que esteve por um fio de ficar um ano arredado das pistas.

Uma das estreias este ano no campeonato será o Renault Mégane RS Evo TCR, carro que já demonstrou um bom potencial, tanto nas TCR Europe Series, como no campeonato australiano. Para a Vuković Motorsport, a equipa e preparador autorizado do carro francês, a pandemia abriu-lhes a porta da WTCR para inscrever um carro este ano para o jovem Jack Young e ainda se dará ao luxo de inscrever um “wildcard” na prova deste fim-de-semana para o australiano Dylan O’Keffee. “Desde o princípio que o nosso projecto era competir um dia na WTCR. Por causa da pandemia e havendo menos fins-de-semana de corridas, e todos na Europa, faz sentido para nós correr este ano”, conta Milenko Vuković, o homem por trás da presença da Renault nas competições TCR.

Perante o desconhecido e a dificuldade, a WTCR reagiu bem e depressa à “nova realidade” e colocou-se no patamar onde deveria provavelmente estar desde a primeira hora. Por mais irónico que pareça, a verdade é que a COVID-19 deu uma segunda vida ao campeonato que arranca este fim-de-semana em Zolder.

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