Entrevista a Johnny Herbert: “Ganhar Le Mans foi muito importante para mim”

Por a 9 Junho 2023 17:10

Antigo piloto de F1 na Lotus, Benetton, Stewart e Jaguar, Johnny Herbert tem como corolário na sua carreira a vitória nas 24 Horas de Le Mans de 1991 ao volante de um Mazda. 32 anos depois da sua vitória, recordamos o momento através das suas palavras…

Na altura eras piloto da Lotus na F1, portanto como surgiu a oportunidade de correr em Le Mans pela Mazda?

Por acaso, tive sorte porque a oportunidade até surgiu em 1990. Fiz a corrida em 1990 com o Volker Weidler e o Bertrand Gachot. O carro avariou por volta da meia-noite com problemas elétricos e o motor parou. Portanto, foi um acordo contínuo que eu tinha com a Mazda para continuar a correr em 1991. O que eu gostei foi que é que sabíamos que tínhamos um carro fiável. Sabíamos que não conseguíamos andar ao ritmo do Mercedes, mas que íamos andar ao mesmo nível do Jaguar. Poderíamos ir mais rápidos, mas também decidimos que íamos andar a fundo durante as 24 Horas, porque éramos pilotos de F1. Era a única hipótese que tínhamos. O maior desafio era o combustível, porque tínhamos uma limitação. O Takayoshi Ohashi teve a sorte de conseguir um deferimento para termos uma maior compensação de combustível, antes da corrida, e isso deu-nos o extra que precisávamos para andar mais nos limites durante a corrida. E assim ficámos na posição mais tarde, por volta entre 16ª e a 20ª hora, para continuarmos a acelerar sem necessitar de levantar o pé, porque sabíamos que a Mercedes ia ter que reduzir o andamento só um pouco. E era nessa altura que iam surgir problemas. A parte interessante da corrida é que começámos a andar num ritmo específico, e por volta da 16ª ou 17ª hora, estávamos abaixo do consumo esperado de combustível, mas nessa altura estávamos dois segundos mais rápidos que à partida. E ainda estávamos a acelerar, até que o Mercedes teve o problema. Passámos para o comando e continuámos a andar no máximo. Não levantámos o pé nem poupámos nada, continuamos a andar a 100% para nos mantermos concentrados. Foi uma vitória especial, mesmo quando olho para trás hoje, porque continua a ser a única vitória de um construtor japonês. Era um Mazda pequeno, com motor rotativo, que nunca mais vamos ver em Le Mans. Faz da vitória uma muito especial. Mas também foi muito importante para a minha carreira, porque, como a minha campanha para os Dunlop Great Fightbacks, esta foi uma batalha de recuperação para mim, por causa das minhas lesões, e conseguir meter-me no Mazda 787B e ganhar foi muito importante para mim, mentalmente, para poder provar a outra pessoas que os meus pés estavam em boas condições e que eu conseguia durar uma corrida de 24 horas.

Fisicamente, era mais ou menos difícil guiar um Grupo C do que um Fórmula 1?

Mais fácil. Fisicamente, o carro de Fórmula 1 é muito duro porque as forças G eram muito fortes, em 90 e 91. Eram muito pesadas na direção, e nós não tínhamos direção assistida, tornava muito duro fazer as curvas durante a hora e meia que durava um Grande Prémio. O lado físico de guiar um carro de sport era muito diferente, mais leve, porque não tínhamos a mesma carga aerodinâmica. Também não tínhamos direção assistida, nem a mesma aderência que tínhamos na F1. O principal problema era o calor, porque os carros tinham cockpit fechado e tínhamos uma abertura muito pequena para o ar e fazia muito calor dentro do carro. Já estava quente do lado de fora, 30 ou 35 graus, então dentro do carro estão mais de 40. Agora é obrigatório ter um máximo de 32 dentro do carro, mas geralmente é um pouco mais fácil, mas esse era o difícil. Era esgotante por causa do calor, e também porque fazias a corrida toda a andar o mais depressa possível, pelo que ficavas feito num oito. Mas também era mais divertido, porque podias andar mais depressa durante mais tempo. O calor é o que mais me lembro, porque fiz os dois últimos turnos de seguida, e não tinha líquidos para beber, porque fiquei no carro durante muito tempo, tanto que até desmaiei quando saí do carro e não pude ir ao pódio. Mas foi importante para mostrar aos outros que estavam bem mentalmente, porque eu estava melhor do que alguns críticos pensavam.

Na altura ainda apareciam pilotos de F1 a correr nas provas de resistência, mas já não era muito comum. Pensa que os pilotos de F1 deviam ter a liberdade de poder correr em Le Mans?

Penso que é uma coisa que foi mudando com os anos. Às vezes a data tem estado livre, mas geralmente o GP do Canadá estava marcado para esse fim de semana. O que foi interessante no ano passado é que se dizia que Le Mans era perigoso para um piloto de F1 ou diziam só que não queriam fazer. Mas quando o Nico Hülkenberg decidiu fazer a corrida com a Porsche e ganhou a corrida, gerou algum interesse nos pilotos de F1, que agora começaram em pensar em correr em Le Mans, se não durante a carreira deles na F1, pelo menos depois desta acabar. E isso é fantástico, porque há pilotos de topo, como o Fernando Alonso, a dizer que querem fazer Le Mans. Isso é muito especial, porque no passado houve muitos grandes campeões de F1 que também ganharam as 24 Horas, penso que alguém como o Graham Hill, que foi campeão da F1 e ganhou Le Mans e a Indy 500 é um monstro raro, que conseguiu fazer isso. É fantástico ver pilotos a pensar nisso, até porque acho que eles iam divertir-se, a atmosfera é muito diferente e a pressão não é tão grande como no paddock do F1. Mas também há alguma pressão, porque espera-se que faças um bom trabalho num Audi, Porsche ou Toyota. Mas mesmo se correres de GT, estás na mesma posição, deves poder fazer um bom trabalho com a pressão que a equipa te dá. É parecido mas é uma forma diferente de participar em corridas, não é tão intenso como correr na F1, mas é sempre um grande desafio.

Quando voltou alguns anos depois com a Audi, era diferente de quando foi piloto da Mazda? Mesmo nessa época já era uma época profissional.

O lado profissional já era forte nos anos 90 com a Mercedes e a Jaguar, e a Peugeot a entrar também. A Toyota e a Nissan também tinham equipas. Da perspetiva dos construtores, sempre foi importante, mesmo com os Ford GT40 nos anos 60. Nos bons velhos tempos já havia isto, pilotos de F1 como o Mario Andretti ou o Derek Bell faziam Le Mans com sucesso. Acho que estamos numa boa situação, o ACO fez um bom trabalho para manter o prestígio de Le Mans por tanto tempo. Não é Fórmula 1, não é suposto ser Fórmula 1 e não devia ser considerado uma ameaça à Fórmula 1. O tipo de competição é muito diferente. Os fãs gostam de ver os sport-protótipos da Porsche a ultrapassar os Porsche de GT. Os carros rápidos têm que ultrapassar os mais lentos, estes têm que garantir que não se metem no caminho e todos procuram não ficar com os carros danificados, porque paga-se sempre em tempo perdido. São desafios muito diferentes. No fim do dia, continua a existir o prestígio e os pilotos e marcas continuam a querer ir lá. O profissionalismo é elevado, se calhar até mais do que quando eu era piloto. A grande diferença para mim, entre a época em que guiei o Mazda e quando guiei o Audi e o Bentley, foi a aerodinâmica, que se alterou dramaticamente. A velocidade em reta era menor, de 323 km/h no Audi contra 345 no Mazda. Mas das curvas Porsche até à reta da meta, quando a aerodinâmica fazia mais efeito, era uma diferença gigante, de seis ou sete segundos. E a aderência também era diferente. Era mais duro no corpo também. Mas o equilíbrio do carro era semelhante, porque tínhamos a segurança da aerodinâmica. De resto, tínhamos o mesmo esgotamento mental.

O tráfego com GT era mais difícil que com os protótipos mais pequenos?

Era uma coisa que mudava muito, porque passavam a vida a aumentar as restrições no Audi para não sermos muito mais rápidos que os GT, mas nós estávamos dispostos a correr riscos para ultrapassar os GT. Não sei se é mais perigoso agora, a hipótese de risco é maior, porque há mais acidentes. As estratégias mudaram, não se pode perder tempo nenhum, então a pressão é maior do que em 1991. Nessa altura tínhamos mais velocidade de ponta podíamos ultrapassar um GT a meio da Mulsanne. Agora, temos que disputar a travagem com eles para os ultrapassar e é aqui que aparecem mais incidentes. A outra diferença é que agora há mais gentlemen drivers e pilotos pagantes que antigamente, que vêm correr e não têm a mesma experiência que os pilotos de topo e às vezes colocam-se em situações difíceis. Lembro-me da colisão do Ferrari com o Toyota do meu colega comentador Anthony Davidson, quando ele capotou. O piloto do Ferrari não o viu e bloqueou-o, o que ele não devia ter feito. Ele devia ter olhado para os espelhos, mas estava preocupado com o que estava à frente dele. Sei que há uma regra que diz que os carros rápidos é que têm que o ultrapassar os mais lentos, mas é preciso ter um pouco mais de bom senso. De resto, ainda gosto de ver a corrida, tivemos uma grande batalha o ano passado.

Vocês, pilotos, sentem que têm mais contacto com o público em Le Mans do que na Fórmula 1?

Sim, isso sempre foi a coisa boa de Le Mans. Eles fazem as verificicações técnicas na praça principal, e depois fazem a parada com todos os pilotos, desde os LMP aos GT, sentados em carros clássicos a passar pelas ruas. Assim, os fãs podem estar mais próximos da ação. É uma coisa boa. O que a Fórmula 1 tem feito mais é a sessão de autógrafos em todas as corridas. Há elementos das duas organizações a tentar fazer a mesma coisa. A diferença é que a F1 é o topo do desporto automóvel e os pilotos têm mais pressão, então têm que ficar mais concentrados antes da corrida, e o tempo livre é mais restrito. Não quer dizer que não possam fazer mais, eu acho que podem, e fala-se muito nisso, mas em Le Mans podemos montar um bom espetáculo. O prestígio é muito bom para atrair fãs. Havia muitos dinamarqueses a irem lá quando o Tom Kristensen corria, muitos britânicos a voltar todos os anos, para verem a corrida que montavam nas ruas de Le Mans. É algo único, muito especial, que faz os fãs viajarem para verem e acamparem. E é uma parte importante do que Le Mans significa, faz as pessoas irem a uma parte pequena de França para estarem com os amigos a ver um espetáculo.

Mesmo com a vitória em Le Mans, ainda demoraram alguns anos até conseguir um lugar competitivo na Fórmula 1. Como foram as épocas seguintes com a Lotus e com a Benetton? Achou que estava numa boa posição ganhar corridas com essa mudança?

Sim, o que era preciso era acreditar. Foi tudo diferente depois do meu acidente, mas sempre tive este desejo de fazer algo que queria fazer desde os oito anos. Estar neste ambiente, no cockpit de um monolugar, sempre me levou a tentar fazer o melhor possível. Gostei do tempo em que estive na Lotus, quando fiz equipa com o Mika Hakkinen, o Alex Zanardi, e claro, o Pedro Lamy. Lembro-me quando ele teve o acidente dele em Silverstone em 1994. Deu para ver como este é um desporto perigoso, mas estamos dispostos a correr esse risco. Eu tive o meu acidente em 1988 e ele em 1994, mas ambos tivemos boas carreiras. Ele tem feito uma boa carreira em GT, vencendo as 24 Horas de Nürburgring. O importante é continuar a trabalhar, tentar passar para um carro melhor. Tive sorte de ver isso acontecer em 1995, ainda que não tenha sido uma situação perfeita, com o Michael Schumacher e o Flavio Briatore. Mas ainda consegui ganhar duas corridas e fui quarto no campeonato. Não foi o que eu queria nem bem o que eu esperava, mas ainda tive a sorte de ganhar mais uma vez com a Stewart no Nürburgring. Sempre tive a paixão de querer correr e tentei sempre melhorar e chegar um pouco mais longe, conseguir um melhor resultado.

Foram muitas as dificuldades para conseguir alguma coisa da equipa com o Michael Schumacher lá?

O Michael era egoísta e era difícil tirar qualquer informação dele, mas ele não era o problema. O meu principal obstáculo era o Flavio Briattore. Não ajudava muito, foi ele que negociou o contrato, tinha dito que queria que trabalhássemos juntos, que era importante para a Benetton ganhar o campeonato de Construtores, mas depois, quando a época começou, já não se passou assim. O apoio que esperava da equipa desapareceu ao fim de duas corridas. O Michael dominava muito, e eu compreendia, mas isso não me ajudou nada. Não fui o único caso, o Jenson Button, o Jarno Trulli e o Giancarlo Fisichella também tiveram dificuldades com o Flavio quando passaram por lá.

Quando passou para a Stewart, o ambiente passou a ser mais amigável ou familiar, com uma equipa britânica?

Sim, tinha momentos. O Jackie Stewart é uma pessoa difícil para trabalharmos com ele. Mas era um homem de sucesso dentro e fora do carro. Eu gostei da temporada, de fazer equipa com o Rubens Barrichello. Foi uma boa jornada para mim. É o que quero mostrar com os Dunlop Great Fightbacks, o mesmo espírito que me levou a ganhar Le Mans e a vencer três Grandes Prémios.

Antes de pararmos, queria só tocar no acidente na F3000. Como ficou a sua relação com o Gregor Foitek depois do acidente?

Relação? Não tínhamos nenhuma (risos). Ele já tinha uma má reputação ainda antes de eu ir para a Fórmula 3000. Parecia estar sempre a envolver-se com acidentes, com o Roberto Moreno e depois comigo, em Vallelunga, que me mandou para o hospital e me fez falhar o GP de Pau. Ele parecia estar sempre no meio, no sítio errado na hora errada. Eu tive azar com o acidente, mas também tive sorte, porque consegui ter uma carreira. Quando saí de Brands Hatch na ambulância, podia nunca ter voltado. Simplesmente, desejava que o Gregor não estivesse lá. O Jean Alesi lembra-me sempre que ele agradece ao Gregor por estar lá porque permitiu-lhe ganhar o campeonato no ano seguinte.

Paulo Manuel Costa (entrevista feita em 2016, aquando dos 25 anos da vitória de Le Mans 1991)

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