Eduardo Freitas: “Em Portugal trabalha-se bem, temos gente muito apaixonada”

Por a 28 Dezembro 2018 15:38

Eduardo Freitas é mais um dos nomes portugueses de grande relevo no desporto motorizado mundial. Esta conversa que tivemos com ele, já foi há alguns meses, mas os temas são sempre atuais.

Decorria o ano de 1977 quando um amigo de Eduardo Freitas lhe pediu para reparar um motor de um kart. Naquela altura Freitas divertia-se fazendo arranjos em motores de dois tempos e surgiu então o pedido para fazer o mesmo num kart. Isso levou-o a assistir ao campeonato do mundo de Karting, nas bancadas do Estoril, em 1979. Foi então que percebeu que a mecânica não lhe dava o mesmo gozo e que queria viver as emoções das corridas do outro lado da pista.

A 24 de setembro de 1979 começou como aprendiz, desmontando a pista de karting do Estoril. A sua carreira no automobilismo foi sendo feita passo a passo, tendo sido comissário de pista, chefe de posto, chefe de zona, além de ter estado também envolvido nas verificações técnicas.

Foi adquirindo as valências necessárias para ser tornar diretor de prova no karting, oportunidade que não deixou escapar. Foi então em 2002, quando era chefe do Colégio de Comissários que surgiu a oportunidade de ir para o FIA GT. Mais uma vez Freitas não recusou o desafio e foi para o FIA GT e para o ETCC. Seguiuse a conversão do ETCC em WTCC e foram cinco anos e 112 corridas. Um trabalho que foi valorizado pela FIA e em 2010 foi nomeado para dirigir o campeonato do Mundo de GT1 e GT3. Dois anos depois surgiu o WEC e o ELMS, onde é agora o Maestro das provas de endurance.

Com um CV deste calibre, Eduardo Freitas já trabalhou com as mais diversas realidades, em pistas de todo o mundo, mas enaltece o trabalho e a qualidade em solo nacional: “Já trabalhei em circuitos onde é simples de trabalhar e os comissários fazem um trabalho excelente. No sábado só fazem asneira, no domingo corre tudo às mil maravilhas. O que provoca isso não sei, mas se soubesse já o tinha resolvido. Em Portugal trabalha-se bem. Felizmente temos gente muito apaixonada, seja em ralis, seja em circuitos ou rampas. São muito apaixonados e muito dedicados, de certa maneira a envelhecer pois tem sido

difícil trazer gente nova para isto, mas a qualidade do trabalho feito em Portugal está acima de qualquer dúvida e não teria a mínima dificuldade em escolher um grupo de pessoas e levá-los a qualquer circuito do mundo.”

O trabalho dos comissários é de uma importância enorme mas muitos esquecem-se que se tratam apenas de homens e mulheres que dão muito do seu tempo às corridas de forma voluntária. A junção desta realidade com o ultra-profissionalismo das equipas de competição é um exercício nem sempre fácil de fazer: “O amadorismo é transversal e existe a nível mundial. A própria comissão que foi criada pela entidade federativa máxima é uma comissão de oficiais e voluntários, porque sabemos que grande parte desta massa humana trabalha em forma de voluntariado puro e duro. E temos de pensar que quando vamos fazer um GP de F1 estamos a misturar no mesmo ambiente, profissionais de topo, pagos a peso de ouro, com gente que vai por puro espírito de carolice e por paixão. Estes dois mundos, completamente diferentes, têm de trabalhar em conjunto para conseguirmos ter no final uma prova sem problemas.

Fazer a ligação entre estas duas realidades é algo complexo. Muito desafiante mas muito complexo. Há equipas que investem numa época várias centenas de milhões de euros, o que exige um nível de resposta de quem está na pista idêntico ao que se exige a um engenheiro que trabalha para a marca, que ganha num mês muito mais do que um comissário de pista.

Esta ligação é interessante mas muito difícil, pois são realidades díspares. Fará por certo confusão às grandes equipas ver um nível de profissionalismo extremo de um lado e do outro termos amadores que dispensam o seu tempo em prol da sua paixão. É assim que o sistema funciona, é um dos charmes deste desporto e deste sistema.”

Profissionalizar os comissários de pista seria uma tarefa de extrema dificuldade para a grande maioria das pistas do mundo mas é esta junção de duas formas de estar completamente diferentes que desafiam e dão gozo a Eduardo Freitas: “Há circuitos que têm comissários profissionais, mas não há nenhum circuito que tenha todos os comissários profissionalizados. Há circuitos que enveredaram por essa via pois recebem testes praticamente todos os dias e de uma forma ou de outra os comissários tiveram de ser profissionalizados, mas nenhum circuito se pode dar ao luxo de ter todos os comissários profissionais.

Em Le Mans estamos a falar de 1400 comissários. Para manter um número tão grande de pessoas seria muito complicado. Mas estas duas realidades existem e eu estou exatamente no meio das duas. Ambas têm uma forma muito própria de serem tratadas e nem sempre juntá-las resulta bem, porque como são realidades diferentes pode haver dificuldade de entendimentos de parte a parte. É muito giro trabalhar com isto, cada prova que se faz é sempre um desafio interessante e felizmente que temos estas pessoas apaixonadas e interessadas que dão o seu grande contributo ao desporto motorizado pois sem eles não há corridas.”

Em Vila Real, Eduardo Freitas tem de dirigir uma prova muito diferente das corridas de longa duração dos campeonatos de resistência. Qual das realidades lhe dá mais gozo? As duas, embora os desafios do traçado citadino sejam um pouco mais estimulantes: “Um traçado citadino dá mais gozo, pois no circuito tradicional o carro sai da pista e vai para a escapatória, neutraliza-se aquele bocado e tudo se passa já fora de pista. Num traçado urbano passa-se tudo dentro de pista, com a agravante de que lido com provas de longa duração no WEC e aqui em Vila Real são provas de 25 minutos. É tudo no fio da navalha. O maestro disto tem de ter uma sensibilidade muito diferente, tem de conhecer muito bem o terreno, conhecer as aberturas dos rails, saber avaliar pelas câmaras a situação e o local, pois se nas imagens parecem ser apenas 10 metros de distância na realidade podem ser 150.

O circuito urbano é um desafio diferente. São duas realidades muito boas, extremamente desafiantes e desgastantes, mas na grande maioria das vezes chega-se à segunda-feira com uma sensação de satisfação por tudo ter corrido bem.” Infelizmente as corridas são recheadas de perigos e o desfecho final por vezes não é o que se pretende. Aí o diretor da corrida é também uma das pessoas que mais sofre: “Às vezes as coisas não correm tão bem quanto gostaríamos. Infelizmente é triste para nós chegarmos ao fim da prova e nem toda a gente ir para casa.

Isso sim dói muito e já tive duas situações dessas na minha carreira. É difícil e demora tempo a recuperar. Na última vez estive em vias de abandonar pois não é para isto que cá ando. É sempre muito desagradável quando saímos e sabemos que alguém não vai para casa, ou porque está no hospital ou por outros motivos. Isso deixa um grande amargo na boca, por muito bem que a prova tenha corrido e por muito boas ideias e soluções que se possam ter tido, isso estraga sempre tudo.

Fico sempre a pensar – o que poderia ter feito na sexta para evitar isto no domingo – o que não foi visto, o que ficou por fazer, como poderia ter feito as coisas de maneira diferente?” Tom Coronel teve um encontro de primeiro grau com uma ambulância sem consequências de maior, felizmente. Mas, para Freitas, que busca constantemente a perfeição e vive com grande responsabilidade o cargo que ocupa, foi um acontecimento que não o agradou minimamente: “Sou conhecido por ser um tipo chato, vou descobrir parafusos onde ninguém os vê. Não ter visto a falta de dois blocos de algumas toneladas é algo que ainda me está atravessado. Foi algo que me incomodou muito durante muito tempo. As condições que levaram aquilo a acontecer estão justificadas perante as entidades oficiais e já estão tomadas medidas para que tal não aconteça mais. Mas o facto é que isso aconteceu e não consigo voltar atrás. Ali houve uma falha de segurança e isso é imperdoável, seja qual for o motivo que está por trás do sucedido. O que me leva a superar estas situações é o desafio, o gozo que dá orquestrar estas provas. É difícil explicar o que me motiva mas dá-me grande prazer, seja ela uma prova de karts para VIPs, sejam as 24h de Le Mans.

Cada prova é uma prova e todas elas têm de ser vistas com muita responsabilidade pois o risco está sempre presente. Seja quem for que esteja em pista, temos de nos assegurar que quem está na pista tem a segurança necessária para depois sair dela sem problemas. Enquanto me der gozo fazer isto continuarei, no dia em que deixar de me dar gozo opto pelo Golf ou pelo Windsurf ou outra coisa que me estimule.

O desporto motorizado está numa fase de mudança em que os elétricos começam a ganhar cada vez mais relevância, o que trará outros desafios para os responsáveis pelo decorrer das provas. Os elétricos trazem outro tipo de problemas. Hoje lidamos com carros turbinados e quando um carro destes bate o fator fogo está sempre presente pois os carros dependem do movimento para arrefecerem e se param de repente o calor tem de sair por algum lado e nem sempre é da melhor maneira. Os elétricos têm outro problema que é a questão dos choques elétricos. A mudança para os elétricos está também a mudar a forma de atuação em pista. Se isto é realmente o futuro ou se trata apenas de uma fase de transição não faço a mínima ideia. Acredito que a motricidade será elétrica, agora a forma como a eletricidade irá lá parar é que não lhe sei dizer.

E quanto à pergunta da moda: motores de combustão vs motores elétricos? Venho de uma época que íamos ver os ralis e só de ouvir as reduções do motor sabíamos em que parte do troço o carro estava. Nos elétricos isso não existe. É preciso aprender a gostar dos elétricos e desta nova forma de ver o desporto

motorizado. Claro que para os mais conservadores se vai perder alguma da alma das corridas, como aconteceu quando a F1 deixou de fazer tanto barulho. Agora se forem ver as velocidades dos carros, não tem nada a ver. Os carros atuais são muito mais rápidos. No fundo teremos de nos adaptar às coisas mas isso faz parte da vida. É uma questão de como absorvemos os hábitos e como sou optimista por natureza acredito que se faça pelo bem. Se não acontecer há de haver alguém que o diga e aí voltamos atrás.”

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