Entrevista a Diogo Ferrão (Race Ready): “Já estamos mais preparados para os desafios presentes e futuros”

Por a 1 Junho 2020 14:28

A Race Ready, de Diogo Ferrão, está a ser, como todos os restantes promotores, afetada pela pandemia, ainda que tendo em conta que a sua atividade se centra normalmente mais na segunda metade da temporada, as coisas não são tão dramáticas quanto noutras latitudes.

Agora, a preocupação volta-se mais para o futuro e para a forma como as pessoas vão encarar eventos com muita gente nos próximos tempos. Contudo, tal como se esperava, os ‘clientes’ habituais da Race Ready, têm, em boa parte, melhores condições para suportar os efeitos da pandemia e isso também se irá refletir, naturalmente, na assiduidade às provas. De resto, Diogo Ferrão falou-nos das novidades das suas competições para este ano e também do que antevê para o futuro.

De que forma esta pandemia afetou as vossas atividades. Que eventos foram cancelados e o que têm previsto para a segunda metade do ano?

Ninguém estava à espera desta pandemia e fomos completamente apanhados desprevenidos. No entanto, o nosso calendário até se costuma focar mais na segunda parte do ano, portanto, no azar até tivemos alguma sorte. De qualquer forma, o evento Jarama Classic, um dos nossos eventos que reúne mais público e patrocinadores e que já tínhamos trabalhado arduamente para que fosse o maior de sempre, teve de ser cancelado. Também as 3 Horas de SPA, onde recebemos mais de 80 equipas de 10 países diferentes tiveram de ser canceladas para 2020, sem contar com o igualmente glamoroso Grand Prix Historique de Pau que, infelizmente, também teve igualmente de ser cancelado e vamos ver se alguma vez regressará.

Por outro lado, vamos adicionar o Iberian Historic Endurance ao evento de julho no Algarve. Face à Pandemia, perguntámos primeiro aos pilotos se estavam interessados e já temos 19 equipas que nos deram o OK. Sem dúvida que com o passar dos dias e o alívio das regras de confinamento teremos mais confirmações.

Quais são as implicações presentes e futuras do Covid-19 nos eventos da Race Ready?

As implicações imediatas são os eventos cancelados e algumas equipas mais afetadas pela pandemia que mostram mais dificuldades em regressar à competição. As implicações futuras serão maiores. Nos últimos anos, a nossa organização tem-se transformado da “simples” organização de corridas de automóveis, para organizar eventos completos, o que significa uma maior organização de paddock , maior atenção ao Público, por exemplo explicando o que estão a ver, com a APP Race Ready, catálogos para o publico que está presente entender melhor o espetáculo, etc.

No passado, existia uma tendência para as pessoas saírem cada vez mais de casa e participarem em eventos de todo o tipo, pelo que estávamos a acompanhar essa onda. No futuro de médio prazo, está para ser confirmado se as pessoas vão passar mais tempo em casa ou se a tendência regressa e as pessoas vão dar ainda mais importância em passar tempo fora de casa.

O mesmo se verificará com as equipas internacionais. Se voltarão em maior número no futuro ou se vão preferir ficar mais por eventos locais. Isso são questões que ainda estão para ser respondidas.

Apesar da situação que se vive agora, que perspetivas tens para o futuro?

O futuro será bastante incerto e temos de ter uma “open mind”. Como trabalhamos, sobretudo para os pilotos. Temos que nos adaptar ao que os pilotos desejem no futuro em função de diversas variáveis, das quais algumas falamos à pouco.

O vosso ‘mercado’ de competições é variado. Provavelmente tens vários níveis de impacto entre os pilotos que compõem o leque das vossas competições. Qual é a tua perceção em termos de Historic Endurance, Carrera Los 80’s, Group 1, Troféu Mini e de GT4 South European Series?

Com algumas exceções de negócios muito afetados pela pandemia, como por exemplo restaurantes ou Hotéis, a grande maioria dos nossos pilotos está numa posição confortável para regressar à competição . Afinal, o investimento nos carros e o risco de algo acontecer é muito superior ao valor que se gasta em cada prova. As inscrições dependem mais da motivação de cada piloto do que a disponibilidade financeira imediata. Acabamos por competir mais com os gastos em outros hobbies do que simplesmente o piloto estar demasiado ocupado com o trabalho para se divertir. Assim, com praticamente metade da temporada cancelada e algum tempo para refletir sobre a vida, temos visto uma motivação adicional para os pilotos quererem participar nas provas que faltam. A nossa grande sorte é que competir num carro extraordinário, em boa companhia, é mesmo para a maioria dos nossos pilotos um dos maiores prazeres da vida.

Que planos tens para a tua empresa? Começou há uns anos com bem menos do que existe agora. Onde queres chegar? Em Portugal ou no estrangeiro?

Foi um sucesso alucinante nos primeiros três anos de atividade da empresa e até 2019 crescemos entre 50% a 100%. O projeto estava bem definido em criar uma organização grande, capaz de fazer fins-de-semanas completos como a Peter Auto ou HSCC. O problema é que queria fazer em menos de 10 anos, o que outros demoraram 20 ou 30 anos a fazer. Em 2019, percebi que seria impossível continuar com este ritmo de crescimento. As “dores de crescimento” de passar de uma organização de duas pessoas muito focada para uma organização maior, estavam a fazer com que perdêssemos foco no detalhe. Corrigimos a mão em 2020, consignando a Fórmula Ford à Motorsponsor por quatro anos e libertando o Algarve Classic Festival, que estava a dar muitos problemas internos.

Assim, em 2020, já estamos mais preparados para os desafios presentes e futuros.

Que novidades há das tuas diversas competições? Para 2020 e se calhar já também 2021…

No Historic Endurance, após 7 anos de sucesso, em 2020 alterámos pela primeira vez o regulamento técnico, concretamente penalizando tecnicamente os Porsches 3.0 RS e Escorts RS1600 que estavam a ser demasiado populares e rápidos para uma competição que tem por base a variedade de carros e só possivel quando os motivos são sobretudo participar e menos em ganhar. Vamos continuar a fazer ajustamentos nos carros até 1976 até que os carros de 1965 como Jaguar E, Lotus Elan e outros, estejam em posição de ser igualmente competitivos.

Estas alterações não mudam fundamentalmente os candidatos a ganhar que provavelmente acabaram por ser os mesmos, pois nestes carros antigos com pneus radiais, o piloto e a preparação do carro são mais importantes que o modelo escolhido. No entanto, para mim era fundamental ter um pelotão com andamentos mais uniformes e isso foi conseguido.

A Carrera Los 80’s é a novidade de 2020 e uma prova que já tinha testado com sucesso por duas vezes em Jarama. O imaginário dos espanhóis acaba por estar mais nos carros dos anos 80 do que no Historic Endurance. O Historic Endurance, acabava por ser para pilotos espanhóis com um conhecimento maior do que é o “Historic Racing” a nível internacional. Pensamos com a Carrera Los 80’s vamos satisfazer muitos Pilotos Espanhois que queriam participar e não podiam, assim entrar mais profundamente no mercado interno Espanhol ao mesmo tempo que aproveitamos a tendência de valorização e do interesse do público nestes carros mais recentes.

O Group 1 Portugal, quando pegamos na competição em 2016, dissemos que íamos passar a verificar regularmente os carros e apareceram-me 12 carros na primeira prova em Braga, alguns destes com pilotos que tornavam o ambiente muito complicado. Todos me diziam que o regulamento técnico estava bem feito e permitia corridas muito divertidas, com carros interessantes a preços controlados. Temi que a competição não aguentasse, mas após algumas medidas difíceis, mas corajosas, assim como o trabalho do Francisco Pinto Abreu (o nosso responsável pelo Group 1 Portugal), temos agora grelhas record, uma competição super divertida, competitiva e um espírito entre pilotos excelente, dentro e fora da pista. Não posso deixar de recordar que em Jarama em 2019 na última curva da última volta, os dois primeiros classificados (Fernando Gaspar e Ricardo Pereira) tocaram-se e quem “deu” o toque, teve a cabeça fria de esperar pelo seu adversário na reta para o deixar ganhar. Agora aqui sentado é fácil dizer, mas lá dentro a quente com o capacete eu sei que não é fácil e ter pilotos com este desportivismo e esta serenidade numa competição é um orgulho. Foi o momento mais bonito que já assisti numa corrida de automóveis.

O Troféu Mini… bem, parece que foi ontem mas já vamos para 4ª edição e temos neste momento 19 carros prontos a correr. Depois de um 2018 com corridas emocionantes e finais de foto finish, avancei com corridas próprias em muitas provas e foi dececionante ver o número de inscritos reduzir. Este ano, na pré-época, demos mais atenção ao troféu e apesar de o voltarmos a integrar nas corridas do Group 1, terão partidas próprias e ao dia de hoje já temos 9 carros confirmados para realizar a época inteira. Fiz este troféu porque quando comecei a correr tive de ir diretamente para um Mini Grupo 2 e foi o meu carro nos primeiros anos. Para quem não pretenda ser “campeão do mundo” este troféu é uma excelente maneira de um piloto começar, aprender ou competir taco a taco, pois é um carro muito giro e divertido de guiar.

Quanto ao GT4 South European Series, insanidade é continuar a fazer o mesmo erro e esperar resultados diferentes. Assim, mudamos quase tudo para 2020. Só ficou o nome, os carros em competição e o BOP da SRO. O calendário passou a ter apenas 4 provas, sempre em conjunto com outros campeonatos de forma a garantir grelhas de partida compostas. Deixámos de ir a França baseando todas as corridas em Espanha e em Portugal. A inscrição é agora 1/3 do ano passado e os Pneus são uns mais económicos (Hankook). Em toda a Europa, será o campeonato GT4 que poderá ser feito com um menor budget, sendo possível competir numa competição internacional com carros de sonho com budget de “arrive & drive” de 40.000€ anual. Como aconteceu com o Group 1, acreditamos no potencial do campeonato e vamos ver se esta crise não será benéfica para nós de forma a captar mais equipas da Europa. De uma coisa estou certo: o futuro do Desporto Automóvel profissional da Península Ibérica irá passar por aqui.

Por falar em GT4 South European Series. Foi o que esperavas o ano passado? O que esperas para este ano e para o futuro?

O GT4 South European Series em 2019 foi uma grande desilusão. Simplesmente não tivemos equipas suficientes, quer do lado Ibérico, quer do lado Internacional. Nunca é apenas um erro, mas foram muitos erros juntos e também uma série de azares. Inúmeros pilotos e equipas nunca me perguntavam quanto custava, mas sim: quantas equipas são? Infelizmente nunca foram os suficientes, com sete carros em Barcelona, oito no Estoril e em Nogaro e dez carros em Jarama e no Algarve. Esse problema está resolvido à partida em 2020 pois estão garantidas grelhas cheias, uma vez que as provas serão em conjunto com outros campeonatos, com Open de Velocidade em Portugal, e nas corridas em Espanha, com competições espanholas.

Para as equipas participantes em 2019 ficou uma temporada com carros de sonho e a certeza de que na nossa organização, mesmo perdendo dinheiro, os nossos compromissos com os pilotos e equipas estão em primeiro lugar. Prometemos cinco provas com transmissões em direto na TV e foi isso que aconteceu.

Ponderas alargar o teu portfólio de competições?

O alargamento tem acontecido de forma natural quando vejo oportunidades e necessidades dos pilotos e equipas. Neste momento estamos a focar-nos em melhorar as competições de 2020 antes de ir para outras paragens.

A Velocidade em Portugal está mais fraca que noutros tempos, mas as tuas competições, regras geral, mostram alguma pujança qual é o segredo?

Permite-me discordar. Diria que desde 2007 que a Velocidade não estava tão forte em Portugal, olhando para o número de equipas e pilotos a participar e mesmo vendo os grandes eventos com muito público, como em Vila Real e no Estoril Classics. Digo isto, mas percebo a pergunta do ponto de vista de existir um campeonato forte que fosse o aglutinador dos melhores pilotos e equipas, onde existisse aquela tensão de ver quem é o melhor do país.

A minha opinião é complexa, mas vou tentar simplificar porque não temos a tarde toda. A minha ideia é que o valor de um campeonato e um campeão depende qualidade dos participantes (pilotos e equipas), também da utilização de carros onde a qualidade de condução faça a diferença e a divulgação do mesmo. Para dar um exemplo interno, de forma a que ninguém fique sentido, eu e o meu pai, se calhar no mesmo Mini fazemos 1 segundo de diferença por volta, mas noutro carro, com tração traseira e 400 cv, essa diferença passa a ser de quatro segundos. Por outro lado, seja em que troféu for, quando mais se gastar no carro mais depressa o mesmo vai andar. Lembra-se dos Fiat Uno de 20.000€? Quanto menos cavalos tiver um carro, menos o piloto vai fazer a diferença e mais a preparação vai fazer a diferença. No final, para um grande campeonato, penso que os adeptos e pilotos querem ver corridas interessantes onde os pilotos fazem a diferença e não a preparação do carro.

Com o final dos GT’s em 2013, que coincidiu com o fim do Circuito da Boavista, muitos reputados pilotos e equipas saíram para outros campeonatos e ainda não se encontrou a fórmula para eles voltarem e termos um grande campeonato que interesse ao publico, pilotos e patrocinadores.

Havia grandes planos para o Estoril Classics deste ano, como estão as coisas?

Todos os intervenientes têm vontade de continuar com o evento, até porque com a limitação de eventos e corridas todos querem que o evento aconteça. Os pilotos, sobretudo, têm mostrado muito interesse na prova e nos Fórmula 1, corrida que organizo diretamente. Temos já vários inscritos com alguns F1 que se irão estrear no Estoril. O grande ponto de interrogação será como iremos lidar com o público. Neste momento, decidimos não ter bilhetes à venda, apesar do governo só ter limitado os festivais até ao final de Setembro e vamos esperar novas notícias e perceber como evolui a pandemia, mas também os medos das pessoas, para saber como vamos abordar a questão do público.

Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
últimas Autosport Exclusivo
últimas Autosport
autosport-exclusivo
últimas Automais
autosport-exclusivo
Ativar notificações? Sim Não, obrigado