Histeria com a segurança faz bem ao automobilismo?

Por a 28 Junho 2018 08:47

“Motorsport is dangerous”. Quais de vocês, caros leitores do AutoSport já não leram esta pequena frase nos bilhetes, convites ou credenciais para qualquer evento sancionado pela Federação Internacional do Automóvel (FIA)? Quem ama o desporto automóvel e o pratica tem a perfeita noção que tentar ser o mais rápido possível ao volante de um monstro de metal e material compósito com duas ou quatro rodas capaz de gerar adrenalina em doses diluvianas, é perigoso.

Todos sabemos que deixar à solta mais de 300 CV enjaulados dentro de um pequeno utilitário em estradas pensadas, a maioria delas, para carroças e juntas de bois é, naturalmente, perigoso. Colocar obras de engenharia com mais de 1000 CV junto com automóveis dezenas de quilómetros por hora mais lentos, é perigoso. Enfim, criar verdadeiras esculturas aerodinâmicas com capacidade de curvar alucinantemente depressa… é perigoso!

E tendo a consciência que sendo, ainda, o fator humano primordial para decidir quem é o vencedor de uma corrida de automóveis ou motos, abre-se uma enorme janela de oportunidade para surgirem erros. Afinal, “errare humanum est”…

Mas… não é isso que torna o desporto automóvel tão apaixonante?! Não é o viajar no fio da navalha, desafiar as nossas qualidades de equilibristas e de forma constante desafiar a física, que nos faz amar este desporto?!

Por outro lado, corridas de automóveis ou de motos sem acidentes parecem, para muitos, aquelas sardinhas que não sabem a nada porque foram grelhadas com pouco sal. Quantos de vós já não disseram “eh pá! foi uma corrida chata porque ninguém bateu” ou ainda “os circuitos citadinos são giros porque nunca se sabe quando é que acertam no muro.” Muitos outros, conhecedores do meu papel como comentador da Nascar na Sport TV, me interpelam e disparam “olhe, gosto muitas das corridas americanas, especialmente quando eles se espetam à grande!”

Claro que ninguém deseja que alguém se magoe e muitos de vós que se estão a rever nas expressões acima, foram os primeiros a lamentar as mortes de Ayrton Senna, Roland Ratzenberger e Jules Bianchi, o estado em que ficaram as pernas de Billy Monger ou como o campeão nacional de ralis, Carlos Vieira acabou agarrado a uma cama de hospital. É assim o ser humano!

Serve tudo isto para dizer que se está a instalar um histerismo no desporto automóvel sobre a segurança e este tema dos acidentes. Há uma mão cheia de dias escrevi aqui, no AutoSport que culpamos os carros, os pneus e até a deusa da sorte – além do fator humano, claro! – por tudo o que tem estado a acontecer. Lembrei que, especialmente, nos ralis, temos de olhar para outro lado para encontrar causas para tantos acidentes, particularmente com os novos R5. Carlos Vieira foi apenas um dos muitos pilotos que tiveram a infelicidade de destruir um R5 e ainda há uns dias um piloto italiano foi atirado para uma cama de hospital por causa de uma pancada violenta.

Escrevi na altura que temos de meditar nas estradas usadas pelas organizações no desenho dos seus ralis, pois os carros evoluíram tremendamente – chassis, suspensões, motores, pneus, tudo está esmagadoramente melhor – mas as estradas continuam as mesmas. Fazer o troço da Lagoa Azul com um Ford Escort RS 1600 de 1980 ou com um Skoda Fabia R5 de 2018 é a mesma coisa que comparar a estrada da beira com a beira da estrada. Porém, as estradas continuam… iguais!

Como dizia, alguns estão a ficar histéricos e depois da morte de Jules Bianchi, a paranoia instalou-se de tal forma que os colégios de comissários desportivos viram o seu quórum aumentar e passar a integrar um ex-piloto. Questão de trazer experiência e conhecimento para dentro do colégio. Como se só os pilotos conhecessem a competição…

No passado fim de semana, o Campeonato Europeu de Fórmula 3 esteve a acompanhar o DTM no circuito de Norisring, um traçado sui generis onde já aconteceu de tudo um pouco. Desta feita voltamos a ter um acidente que fez-me arrepiar porque a minha memória abriu, imediatamente, a gaveta onde está o acidente do jovem Billy Monger, na Fórmula 4 britânica, que se saldou pela perda das pernas do jovem piloto inglês.

Dan Ticktum, piloto que está a lutar pelo título, deixou o carro ir abaixo e ficou parado na grelha de partida. Vindo lá de trás, o indiano Ameya Vaidianathan, distraiu-se a olhar para um carro que o tentava ultrapassar e… “bummmmm” acertou em cheio no carro de Ticktum! Carros destruídos, peças a voarem em todas as direções e um nó na garganta que não deixava sair mais nada que sons guturais de preocupação e incredulidade. Ambos os pilotos foram hospitalizados e felizmente que tudo ficou por umas nódoas negras e uma dor de cabeça.

O piloto indiano cometeu um erro clamoroso – la está o fator humano em destaque – pois tinha pista livre à sua frente e visão desimpedida para evitar a colisão. Mas a fração de segundo que Vaidyanathan desviou os olhos para não perder a posição para Ben Hingeley, foi fatal para que tudo terminasse num embate violento.

Foi exatamente isto que o indiano explicou ao colégio de comissários e esperava-se que uma reprimenda, uma palmada nas mãos, resolvesse o problema. Só que não, pois os comissários, histéricos, talvez toldados, sei lá, pela memória do acidente de Billy Monger, decidiram desqualificar o indiano da corrida, proibiram-no de competir no resto do fim de semana e, num comunicado tornado público que veio humilhar e amarrotar a dignidade do piloto indiano, pediram à “FIA que considere avaliar se o piloto indiano cumpre os requisitos mínimos para competir nesta disciplina.”

O piloto indiano cometeu um erro grave que poderia ter tido consequências muito complicadas. Isso é aceite e até Vaidyanathan concordou com isso. Mas, foi o primeiro? Pedro Lamy na grelha de partida para o fatídico GP de Itália de 1994, que matou Senna e Ratzenberger, largou de vigésimo segundo e acertou em cheio com o seu Lotus na traseira do Benetton de JJ Letho, imobilizado na quinta posição da grelha. Lance Stroll, no ano de estreia na F3, não andou a distribuir pancada por todo lado até ter dois gravíssimos acidentes em Monza e Spa, causados pela sua condução demasiado agressiva? O que Stroll fez na altura, comparado com o indiano, é bem mais grave porque foi uma decisão pessoal de ser agressivo. E milhares de outros exemplos teria para ilustrar.

Curiosamente, depois da corrida recomeçar, Robert Shwartzman foi empurrado para o muro por Enaam Ahmed, num incidente que terminou com uma penalização para o segundo e que lhe custou o segundo lugar final.

Enfim, esta sensibilidade histérica está a toldar os raciocínios e já serve, até, para apoucar, amesquinhar e humilhar um piloto que cometeu um erro que até o seu oponente já esqueceu e perdoou. Louva-se a atitude de melhorar a competição, mas todos temos de aceitar que o desporto automóvel é perigoso. Mas a continuar este histerismo vão ser todos culpados de matar as corridas de automóveis…

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