Frederico Viegas: Um furacão na Europa

Por a 8 Abril 2023 11:44

Frederico Viegas foi um dos vários ‘mosqueteiros’ que, na década de 90, já lá vão 30 anos, fizeram história nas pistas europeias. A sua carreira foi tão breve quanto rápida e, pelo meio, gravaram-se dois títulos de Campeão – um deles na Europa. Já não o vemos há algum tampo, mas há uns anos continuava ligado ao primeiro amor, o ‘karting’, tendo por patrão o seu mecânico quando venceu a categoria Primavera.

Frederico Viegas começou do Zero. Do grande Zero, literalmente: ninguém na sua família alguma vez esteve ligado aos automóveis. O seu pai trabalhou em França – o piloto nasceu mesmo na capital, Paris – e quando regressou a Portugal dedicou-se à indústria de produtos lácteos, fabricando alguns dos saborosos queijos na região saloia.

“O meu pai sempre teve uma grande paixão pelo desporto automóvel, mas nunca correu, por nunca ter disponibilidade financeira. Um dia. Íamos de carro e a passarmos frente a um ‘stand’ em Ponte de Rol, vimos um ‘kart’ que lá estava para venda. O meu pai bem hesitou: parou e comprou-o.”

Com um enorme sorriso, Viegas recordou que “era uma coisa assim para o artesanal. Penso até que foi o dono do ‘stand’ que o fez.” Mesmo assim, tanto bastou para que a sua odisseia de piloto começasse: “Comecei a andar na pista de Santa Cruz. Não se pode dizer que fosse uma verdadeira pista, um ‘100’ fazia lá 14 segundos. Mas era ao pé da nossa fábrica, que ficava na Silveira e foi ali que, desde os meus dez anos, comecei a passar as tardes, todos os dias. Sempre a rodar!

E, daí até ás primeiras corridas, foi um pequeno pulinho: “Aquilo já não me satisfazia e o que eu queria era correr. Começámos a ver onde existiam provas e percebemos que [onde existiam] era nas festas das aldeias. Eram provas piratas, em pistas feitas com fardos de palha, nas ruas das terrinhas. Durante uns dois anos, fiz corridas assim, um pouco por todo o lado: Ferrel, Achada, Vila Verde dos Francos, Vilar… Não havia limite de idade, corria toda a gente, desde novos a velhos. Eu, novo e leve como era, ganhava quase tudo mesmo com aquele ‘chaço’.”

Em 1988, mais um degrau, o final para o ‘profissionalismo’ – ou seja, longe das provas pirata e com pilotos ‘a sério’: “Um mecânico nas piratas, o Emíidio, que já tinha corrido no Nacional, viu-me e levou-me para o campeonato, na categoria Primavera. A primeira prova foi no Cabo do Mundo e ganhei logo aí!” Na verdade “como nessa altura as provas eram também muitas vezes feitas em pistas co fardos de palha e em ruas de cidades, senti-me logo à vontade. Lembro-me que o meu primeiro ‘kart’ de competição foi um chassis BM com um motor Ieme.”

Até 1991, Frederico Viegas correu no “Karting”, conquistando o título na categoria Inter A no último ano, tendo como principal adversário Charles Flores. Chegou então a hora de subir mais um degrau: a Fórmula Ford.

Chegar, ver e ganhar

Um dado curioso, na primeira pessoa: “A idade mínima para fazer Fórmula Ford era aos 16 anos. Mas, como o que queríamos era avançar o mais depressa que podíamos, o meu pai comprou o carro que tinha sido do [Pedro] Lamy, o mesmo com que ele tinha sido campeão. Então, o carro ficou parado um ano na fábrica, em cima de uns cavaletes. Eu sentava-me dentro do carro, punha-o a trabalhar e passava o tempo a meter mudanças.”

Era um Van Diemen RF87, “que estava todo afiado pelo [preparador Artur] Bastos.” Por isso, não espanta que, logo na estreia, ainda em 1991, Viegas tenha sido 4º classificado: “Fiz um brilharete à chuva!”

Então, em 1992, “comprámos um Swift SC92, o último carro da marca, para atacar o campeonato.” Uma tarefa em que acabou por ser bem sucedido, embora tivesse sido um percurso algo doloroso: “Foi o ‘Nacional’ de Fórmula Ford mais disputado de sempre! Cheguei à última prova, no Estoril em luta direta com o [Carlos] Azevedo e o [Rui] Águas. Qualquer de nós podia ser campeão.” Tudo porque, na prova anterior, em Jarama, “desisti com uma avaria bastante estranha – soltou-se um fio da bobine – quando estava a liderar.”

Depois, no Estoril, “as coisas começaram mal. Nos testes de sexta-feira, estava mais lento 1,5 segundo. O motor não ‘andava’! Então, o Mike Kerr [engenheiro da Swift que acompanhava o campeonato português] disse-me que tinha um motor suplente que me podia emprestar. O curioso é que esse motor era do Azevedo! Claro que [o Kerr] nunca me iria dar o melhor motor, mas a verdade é que fiz a ‘pole position’, a melhor volta e ganhei a corrida.”

Corrida em que “o Águas arrancou de último, por ter faltado ao ‘briefing’ e o Azevedo, a duas voltas do fim, quando estava a dobrar um [piloto] atrasado, fez pião e não conseguiu o 2º ou 3º lugar que lhe bastava para ser campeão.”

Conclusão: “No final, ficámos empatados com o mesmo número de pontos, mas o fator de desempate foi-me favorável.”

Depois disso, abriram-se as portas da Europa: “Em 1993, por intermédio do [Mike] Kerr, fui para Inglaterra.” Piloto oficial da Swift, Viegas lutou com Russell Ingall, Joni Kane, Oliver Tichy, Guy Smith, Marc Gené, Kurt Mollekens, Norberto Fontana, Tom Coronel ou Justin Keen – para ser campeão da Europa, onde era o único piloto da equipa: “Ao contrário do [campeonato] inglês, no Europeu tinha a equipa só para mim.”

Dois anos mais tarde, fechadas as mesmas portas, Frederico Viegas regressou a Portugal e à Fórmula Ford, em 1996: “O meu carro era antigo e [eu] tinha pouco dinheiro, apenas o patrocínio da Ogilvy, a agência de publicidade da Ford. Foi mau, nem sequer um motor suplente tinha!”

Em 1997, “fui convidado pelo António Simões, que estava a lançar a ASM para fazer o Troféu Renault] Mègane.” Lutando contra pilotos como Vasco Campos, José Araújo, António Barros (filho), Álvaro Parente (pai), Luís Veloso, JJ Magalhães, João Pina Cardoso ou Francisco Carvalho, ganhou uma prova [Braga] e foi 6º no final do ano.

Depois disso, novo Grande Zero. Hoje, está outra vez ligado aos ‘karts’, “trabalhando para o Peter [Peters], que era o meu mecânico quando fui campeão [nos ‘karts’].” As voltas da vida…

Do sangue na guelra à lista dada por Pedro Lamy

Frederico Viegas teve uma carreira curta mas cheia de peripécias. “Acusado” por muitos de ter visto mais vezes a bandeira negra (de desclassificação imediata numa corrida) do que a bandeira de xadrez, o piloto de Torres Vedras desmistifica a “lenda” de forma casual e com um breve sorriso: “Sempre tive uma condução agressiva, desde os ‘karts’. Esta foi uma imagem que sempre quis ter. E, na verdade, isso até funcionava, porque os meus adversários, quando me viam atrás deles, já sabiam que eu, mais vklta menos volta, iria tentar passar. Eu não era como o [Pedro] LKamy, que era capaz de ficar 15 voltas a estudar um adversário, até tentar passar. Eu não: chegava lá e ou passava, ou batia!”

E por falar em Pedro Lamy, Viegas recorda a sua ida para Inglaterra, poucos meses após ter-se sagrado Campeão Nacional de Fórmula Ford: “Fui de carro desde Portugal, com o [Ford] Fiesta XR2i que tinha recebido como prémio de ter sido campeão de Fórmula Ford.”

Chegado a Terras de Sua Majestade, o jovem piloto não se deixou abater pelo clima “sempre com chuva” ou pela comida bem pouco semelhante à que estava a habituado: “Aquilo que eu queria era chegar às pistas e correr. Como mal sabia falar inglês, levei uma cábula que o Lamy me tinha dado e que dizia que era importante saber de cor. Parece que ele fez o mesmo quando foi para lá, mas não sei se era a mesma lista – ele escreveu-a na minha frente. Tinha lá palavras como ‘steering wheel – volante’, ‘understeer – fugir de frente’; ‘oversteer – fugir de traseira’, ‘springs – molas’, ‘ratios – relações de caixa’. Coisas assim, que era preciso saber explicar aos engenheiros, quando chegasse às boxes, depois de andar na pista.”

Nesse ano, Viegas assume que “o dia-a-dia era difícil. Vivia numa casa em Chesterfield, com o mecânico e o engenheiro do meu carro.” Longe da família e dos amigos, nem por isso deixou de encontrar ovos amigos e protagonizar episódios, que ainda hoje recorda com saudade: “Lembro-me uma vez, depois de uma sessão de testes em Bands Hatch, eu, o [Kurt] Mollekens e o [Marc] Gené, metemo-nos nos nossos carros [pessoais] e pusemos os capacetes na cabeça. Fomos assim para a estrada e, até casa, foi uma maluqueira completa!”

F3: o degrau que falhou

Depois de em 1993, ter corrido na prova de Fórmula Opel que tradicionalmente fazia parte do programa do GP de Portugal de F1 onde se classificou, algo surpreendentemente, “como o melhor piloto português, em 6º ou 8º” Frederico Viegas viu-se num dilema para a temporada seguinte: fazer a Fórmula Opel, ou ir para a Alemanha e avançar um degrau, para a F3: “Por causa da minha díade, arriscámos fazer a F3. Na altura, escolhemos uma equipa suíça [KMS], porque tinha um engenheiro que tinha trabalhado na [equipa] VTS, do [Pedro] Lamy, que me recomendou.”

Porém, a época que tinha tudo para ser a do lançamento definitivo da carreira internacional de Viegas, acabou num fiasco: “Não fiz a temporada toda, porque não consegui os patrocínios suficientes para continuar. A meio, terminou tudo e vim embora para Portugal.”

Viegas, que teve como adversários pilotos como Jorg Müller (campeão), Ralf Schumacher, Alexander Wüz, Sascha Maassen, Philipp Peter, Christophe Tinseau, Max Angelelli, Marco Werner, Martijn Koene, Thomas winkelhock, Roberto Colciago ou Noberto Fontana, seu colega na KMS – além dos portugueses Manuel Gião, Pedro Couceiro e Rui Águas – ainda conseguiu um 3º lugar nos treinos (Zolder) e subir ao pódio em Wunstorf, uma pista traçada num aeródromo da NATO.

PALMARÉS NA F3

11 provas, equipa KMS (Dallara 394/Opel nº 16), 36 pontos (10º)

Corridas:

Zolder: 3º (1m33,30); 8º (1ª corrida anulada pela neve)

Hockenheim: 13º (59,73s); 9º/7º

Nürburgring: 5º (1m34,35); 10º/5º

Wunstorf: 23º (1m40,88); 6º/3º

Norisring: 12º (51,81s); D (chegou a andar em 5º)/14º

Diepholz: 21º (1m01,10); 13º/12º

Substituído por Martijn Koene após a jornada seguinte, a segunda de Nürburgring;

Inscrito, mas não correu em AvusRennen e Singen;

Substituído por Ralf Kalashek na última jornada, em Hockenheim.

“Onde está o ‘Federico Vigas?’”

A última vez que me encontrei com Enzo Coloni, já lá vão uns 20 anos, fiquei espantado com a primeira pergunta que o italiano me fez: “Onde está o ‘Federico Vigas (sic)?’” Pois é: apesar de terem privado, enquanto ‘dono’ da competição e piloto de uma das equipas ela envolvida, Coloni, hoje o homem por trás do Campeonato AutoGP, nunca esqueceu Frederico Viegas. E não era para menos: afinal, ele era um dos mais rápidos do pelotão e, com le, tentou seduzir (em vão…) mais pilotos portugueses para a categoria que esteve na génese da Fórmula Nissan (1998) e, mais tarde, da atual Fórmula Renault 3.5 V.

O ano foi o de 1995 e Viegas, depois de uma meia temporada a F3 alemã na época anterior, foi convidado (“Quando se corre lá fora, ficamos com um estatuto diferente”) por Enzo Coloni para ir correr para Itália, sendo um dos pilotos ‘fundadores’ da nova Superformula Coloni, uma competição de monolugares “parecidos com o F1” de chassis feitos pela própria Coloni (mais tarde, pela Dallara) e com motores 2.0 FIAT. Viegas, que correu, sem qualquer patrocínio, na equipa Parma Motorsport, de Varano (onde existe uma pista, o Autodromo Riccardo Paletti, cujo recorde é de 1995, precisamente nesta competição e com o piloto Andrea Belluzzi), com a qual fez “quatro ou cinco provas”, recorda que “os carros eram muito rápidos. Lembro-me que, em Monza, fiz uma média acima dos 200 km/h.”

Lutando com adversários como Christian Abt, Andrea Belluzzi, Miguel Ángel de Castro, Luca Canni-Ferrari, Filippo Francioni, Federico Gemmo, Gianluca Paglicci, Luca Riccitelli, Oliviero Saleri, Giorgio Tibaldi, o ex-piloto de MotoGP Loris Reggiani ou o veterano (39 anos) Nino Famá, Viegas – apesar da sua rapidez – acabou por não deixar rasto, numa competição que durou ainda mais duas épocas e foi ganha por Marc Gené em 1996 e por Manuel Gião em 1997.

FREDERICO Alves VIEGAS

Nascimento: 25 de Outubro de 1974

Local de nascimento: Paris (França)

Estreia em competição: 1988 (Karting)

1988 – 1991: Karting

1991 – Campeão Nacional Karting (Categoria Inter A)

1992 – Campeão Nacional Fórmula Ford 1800

1993 – Campeão da Europa de Fórmula Ford 1800; Campeonato de Inglaterra de Fórmula Ford 1800; GP Portugal (Fórmula Opel)

1994 – Campeonato da Alemanha de F3

1995 – Superformula Coloni

1996 – Campeonato Nacional Fórmula Ford 1800

1997 – Troféu Mègane Renault-GEST GALP(6º)

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