EUA vs Europa: O caminho da convergência nos monolugares

Por a 16 Dezembro 2022 15:28

Até meados da década de 80, a relevância dos IndyCars na Europa cingia-se praticamente às 500 Milhas de Indianápolis, uma das mais icónicas provas de automobilismo do mundo. Desde a sua primeira edição, em 1911, as 500 Milhas cedo atraíram alguns dos melhores pilotos e construtores europeus, mas, à medida que os regulamentos do AIACR (predecessor da FIA) e da AAA (então o principal clube automóvel americano) divergiam, este interesse foi diminuindo. Desde meados da década de 20 até ao final da II Guerra Mundial que o intercâmbio de pilotos e marcas praticamente deixou de existir e, enquanto os campeonatos europeus se baseavam em circuitos fechados de variadíssimas características, o maior campeonato de monolugares norte-americano corria maioritariamente (ou totalmente, em certas épocas) em ovais, cujo pavimento variava desde o asfalto aos tijolos, passando pela terra, cinza e até madeira!

A criação do Campeonato do Mundo de F1 em 1950 tentou reaproximar os dois lados do Atlântico através da inclusão das 500 Milhas no calendário mundial. Desta forma, além de conferir cariz efetivamente mundial à F1 (à exceção de Indianápolis, a primeira ronda fora da Europa a contar para o Mundial de F1 foi o G.P. da Argentina de 1953). No entanto, os regulamentos eram radicalmente diferentes, e foram deveras raras as tentativas por parte dos europeus em alinhar na oval mais célebre do mundo. Aliás, o projeto mais sério foi o da Scuderia Ferrari que, em 1952, adaptou um dos seus carros aos regulamentos da AAA e inscreveu Alberto Ascari em Indianápolis, mas o campeoníssimo italiano abandonou cedo. Em 1956, o campeonato IndyCars passou para a alçada da USAC, mas continuou a sua via tradicionalista até que, por fim, os americanos foram surpreendidos pela inovação europeia na década de 60, nomeadamente com as performances do binómio Clark/Lotus, que finalmente venceu as 500 Milhas em 1965.

Graham Hill sucedeu-lhe e, até o momento, é o único piloto a ter conseguido a Tripla Coroa (Indianápolis, 24h Le Mans e o G.P. do Mónaco de F1 – outros dão mais ênfase à vitória no Mundial de F1). Entretanto, os americanos conquistavam o seu lugar na F1, com Phil Hill a ser o primeiro piloto daquele país a vencer o Mundial de F1, com a Ferrari em 1961.

No entanto, do lado de lá do Atlântico afiguravam-se grandes mudanças. Em 1971, o campeonato USAC passou a ser disputado exclusivamente em ovais asfaltadas, reservando as competições nas restantes ovais para os tradicionais Sprint e Midget Cars. Por outro lado, as competições de monolugares em traçados convencionais multiplicavam-se desde 1967, quando a SCCA (outro clube organizador – de notar que a competição nos EUA raramente foi centralizada) introduziu o conceito de Fórmula A e organizou o primeiro campeonato. Utilizando os possantes motores americanos derivados de série, a Fórmula A cedo se tornou num sucesso e chegou à Europa em 1969, sob o nome de F5000. Deste modo, criou-se um novo nicho no cenário norte-americano, que não tardou a atrair os melhores pilotos de IndyCars e várias estrelas europeias, à semelhança do popular campeonato Can-Am.

Durante várias épocas, a Fórmula A/5000 tornou-se num fenómeno de popularidade em todo o mundo. Se, na Europa, constituía uma “F1 dos pobres”, com grelhas bem compostas e alguns grandes nomes, nos EUA atraía as grandes estrelas, que adquiriam assim um grau de versatilidade cada vez maior. Quando o aumento crescente dos custos levou à implosão da Fórmula 5000 nos vários cantos do mundo, o interesse americano pelas provas convencionais levou a USAC a ceder e, em 1977, foi incluída (pela primeira vez desde 1970) uma prova num circuito convencional. A popularidade da competição americana foi crescendo e a USAC decidiu, pela primeira vez na história, realizar corridas na Europa em 1978! Para tal, sendo Inglaterra a “Meca do automobilismo”, chegou-se a acordo para realizar duas provas de IndyCars, uma em Silverstone e outra na versão curta de Brands Hatch (daí o nome “Indy Circuit”, que perdura até hoje). Se a ronda de Silverstone foi afetada pela chuva – e os americanos tradicionalmente não corriam na chuva, já que é algo impossível numa oval – e foi encurtada, Brands Hatch produziu uma das melhores provas de sempre daquele campeonato.

Aliás, 1978 foi um dos anos mais marcantes da história dos monolugares americanos. Para começar, o campeão Tom Sneva foi o segundo e último da história dos IndyCars a vencer o campeonato sem vencer qualquer prova durante a época, através de uma regularidade impressionante que lhe era tão característica. Em seguida, Al Unser Sr., uma das maiores lendas do desporto automóvel mundial, conseguiu a almejada Tripla Coroa Americana – esta distinção era atribuída aos pilotos que conseguissem vencer as três provas de 500 Milhas do campeonato (Indianápolis, Pocono e Ontario, sendo esta última substituída por Michigan em 1981) entre 1971 e 1989 (mais tarde, entre 2003 e 2005, voltou a ser atribuída a Tripla Coroa, desta vez com Indianápois, Pocono e Fontana). Alguns dos melhores pilotos da história americana conseguiram a Tripla Coroa, mas Unser Sr. foi o único a ganhar a distinção numa só época. Mais outra curiosidade: dos sete vencedores diferentes em dezoito provas, o piloto que acumulou mais vitórias foi Danny Ongais, com cinco vitórias. No entanto, este piloto foi apenas oitavo no campeonato, muito por culpa do seu estilo “Maximum Attack” que não raras vezes lhe custava a mecânica. Nascido no Hawaii, Ongais é maioritariamente conhecido pelos seus acidentes espetaculares em Indianápolis, mas foi um dos pilotos mais rápidos nas ovais durante os anos 70 e 80, teve uma passagem breve pela F1, uma carreira extraordinariamente longa e, antes dos monolugares, era já uma lenda dos dragsters, aonde se estabeleceu como um dos melhores pilotos da década de 60 e 70. Por fim, Mario Andretti – que estava focado a “full-time” na F1 desde 1975 e venceria o título de 1978 com a Lotus – corria apenas em part-time com a Penske nos EUA. Para o substituir nas restantes provas, Roger Penske foi buscar uma jovem promessa que se tinha destacado em equipas pequenas nas duas temporadas anteriores, um tal de Rick Mears. Mears chegou, viu e venceu, foi o “Rookie do Ano” e, em 1979 conquistava um lugar efetivo no plantel, não tardando a mostrar-se como um dos melhores pilotos da história americana.

Por fim, 1978 marcou o fim de uma era. A morte de Tony Hulman em 1977 e o desastre aéreo que matou vários membros da organização do campeonato levou a um conflito entre os membros mais tradicionalistas da USAC e os donos das equipas sobre o regulamento técnico, entre outras questões. No final de 1978, estes organizaram-se sob a égide da CART (Championship Auto Racing Team) e optaram por organizar o seu próprio campeonato a partir de 1979. A USAC ainda manteve um campeonato próprio até 1980, mas este foi totalmente ofuscado pela CART e o velho clube americano passou a sancionar apenas as 500 Milhas de Indianápolis – embora pontuassem para o campeonato CART – até 1995 quando, devido a novo conflito, surgiu uma nova cisão que levou à formação do campeonato IRL.Os organizadores do campeonato CART começaram, gradualmente, a aumentar o número de provas em circuitos convencionais e citadinos e, em meados da década de 80, já havia uma paridade entre estes e as ovais, algo que permaneceria até ao século XXI, embora com nuances que não irei mencionar neste artigo. Deste modo, correr nos EUA começou a ser uma alternativa para muitos pilotos europeus que, por falta de financiamento ou de um lugar na F1 (entre outras circunstâncias), tentavam a sua sorte do lado de lá do Atlântico (de salientar que dois campeões CART haviam sido também campeões de F1 – Emerson Fittipaldi e Nigel Mansell), conduzindo ao apogeu do campeonato norte-americano entre finais da década de 80 e a viragem para o século XXI, quando a canibalização entre CART e IRL levou à decadência de ambos até à sua fusão em 2008. Por fim, de destacar que o campeonato CART regressou à Europa mais de duas décadas depois da aventura de 1978, em 2001, com duas rondas em… ovais – Rockingham e Lauzitsring. Até à fusão dos dois campeonatos, o campeonato CART/CCWS teve várias provas disputadas na Europa, maioritariamente em circuitos convencionais.

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joaolima
joaolima
1 ano atrás

Estes artigos históricos são muito bons!

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