Entrevista: Pedro Salvador espera dias difíceis e pede união

Por a 22 Março 2020 18:54

Por Fábio Mendes

O país e o mundo vivem uma situação difícil, com o surto de Coronavírus a afetar a vida da grande maioria da população. As medidas tomadas para diminuir o ritmo de contágio foram aumentando e agora o cenário de quarentena faz parte da realidade dos portugueses. As atividades económicas estão praticamente paradas, assim como todos os eventos desportivos.

O desporto motorizado nacional vinha, aos poucos, a recuperar da crise de 2008, que afetou sobremaneira as corrias em Portugal, mas com a situação vigente, o cenário ficou novamente mais sombrio para as estruturas nacionais. Falamos com Pedro Salvador, dono da SpeedyMotorsport, que nos deu a sua visão do momento atual.

O chefe de equipa e piloto mostrou o seu total apoio pelas medidas tomadas pela Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting: “Concordo com os cancelamentos que foram feitos no nosso desporto motorizado e quem me dera que os nossos governantes tivessem agido de forma tão célere” começou por dizer Salvador.

Os efeitos desta paragem e da possível crise que se avizinha são ainda uma incógnita: “A minha equipa vai ser afetada, como serão todas. Não gosto de ser demasiado otimista nas previsões sobre o tempo que esta situação irá exigir, mas obviamente que vamos sofrer e vamos sofrer bastante. Temos a época preparada, mas é um primeiro semestre que vai desaparecer. Quem se dedica à competição em Portugal, já não tem uma vida fácil e neste caso, mais difícil irá ser. “

“Espero que tudo se resolva o mais rapidamente possível. Sou apologista de que para grandes males, grandes remédios, portanto acho que quanto mais depressa forem tomadas as medidas necessárias de confinamento, mesmo que estas nos afetem o nosso dia-a-dia de forma mais vincada, mais depressa poderemos sair desta situação. Perspetivam-se tempos difíceis com consequências duras para todos.”

Salvador pediu que a FPAK tenha em atenção os problemas que estão para chegar e apelou à união entre todos os envolvidos no desporto motorizado: “É natural que haja consequências, e todos venham a sofrer. Uns mais, outros menos, obviamente. Espero que haja, por parte da FPAK uma atenção para todos os que estão envolvidos no desporto motorizado. Espero que haja um espírito de cooperação para todos os que estão envolvidos, de forma que o enorme impacto negativo se possa diluir um pouco por todos, porque vai ser duro para todos, inclusive para organizadores de provas. Mas se não houver um trabalho conjunto em prol de algo mais positivo, vamos ter gente a ficar pelo caminho. Não quero ser demasiado alarmista, mas não vínhamos de uma situação agradável. O desporto automóvel exige que estejamos permanentemente atualizados, a tentar fazer mais e melhor e com investimentos permanentes, portanto é natural que quem já esteja numa posição delicada, fique numa posição ainda mais difícil.”

Neste momento a maior preocupação é a saúde de todos e a Speedy adotou desde cedo medidas de segurança para evitar possíveis contágios: “Acima de tudo está a saúde e o bem estar de todos os colaboradores. Na segunda feira (dia 09 de março) tive uma reunião com todos, na tentativa de alertar para os comportamentos de risco e para saber de possíveis situações que nos pudessem afetar, ou qualquer sintomas. Tivemos todos os cuidados ao nível de procedimentos de limpeza, desinfeção e os cumprimentos deixaram de existir logo desde aí. Aguardamos também a tomada de decisão das instituições governamentais, pois temos todos compromissos, temos impostos. mas não temos faturação. Não vai ser fácil.”

Salvador fez o balanço geral do automobilismo nacional e antecipou que o CPR será um dos campeonatos mais afetado com este cenário de paragem: “Temos um automobilismo à nossa dimensão a nível de quantidade, que ao longo dos últimos anos se tem destacado a nível de retorno mediático. Com o aparecimento do Picanto GT Cup temos agora novos valores a juntar à geração do Rafael Lobato, Francisco Abreu, César Machado, etc garantem a qualidade no futuro próximo. A velocidade terá de fazer o percurso que tem de fazer, os ralis terão o calendário mais afetado do que a velocidade. No caso da velocidade teremos provavelmente um segundo semestre mais intenso, com mais provas, é o que esperamos. O campeonato que poderá ser mais prejudicado até é o de ralis e o de TT, pois a fase de paragem atinge mais os calendários destas duas modalidades.”

Um 2020 sem corridas não entra sequer na mente de Salvador: “Não acho que devamos pensar em não termos competições até ao fim do ano. Apesar de ser uma situação complicada e que talvez exija medidas ainda mais vincadas, parece-me inconcebível que o país pare durante cinco ou seis meses. Isso implicaria que não teríamos nenhum tipo de competição desportiva até ao final do ano. Nesse cenário entraríamos numa crise insustentável e não quero sequer pensar nisso. Devemos ser realistas, tentar entender o que vai acontecer. Mas para que isso aconteça é importante que o comportamento de todos nós seja o adequado para que consigamos dar a volta.”

A FPAK terá um papel importante no futuro do desporto motorizado e Pedro Salvador espera que o órgão federativo tome as medidas necessárias para mitigar os efeitos desta paragem: “A FPAK já tomou uma decisão que foi suspender as competições e analisar posteriormente a situação no inicio de abril. Era o que se esperava de quem tinha de tomar uma atitude proativa. Quanto ao resto… não estou na posição de organizador, ou de clube organizador, mas não tenho dúvidas que deverão existir mecanismos para que a federação, os organizadores e praticantes consigam de alguma forma diminuir o impacto financeiro provocado por toda esta situação e dessa forma tentar compensar, dentro do possível, as perdas que iremos ter.”

O chefe da Speedy deixou desejos de boa sorte para todos e lançou avisos: “Acima de tudo desejo sorte a todos nós e que tenhamos extremo cuidado daqui para a frente. Creio que algumas pessoas ainda não valorizam da forma como deve ser feito, certos detalhes. Não me parece que isto venha a ser resolvido apenas com uma quarentena obrigatória de duas semanas, mas é um mal necessário. É uma realidade com a qual teremos de aprender a viver nos próximos tempos. Os cuidados que passamos a ter desde o início desta situação irão manter-se durante alguns tempos. Devemos evitar algo tipicamente português que é de passar da despreocupação para o pânico, seguido de um aliviar das preocupações, demasiado cedo. Devemos estar conscientes de que é algo muito sério, que vai muito para além dos interesses da competição, pois é a saúde de todos que está em risco. Mas quanto mais depressa tratarmos da saúde, mais depressa poderemos tratar do resto. É tempo de termos cautela, contenção e atenção com o próximo. “

Quanto a forma de entretenimento em casa, Salvador não coloca de parte o regresso aos simuladores, agora em voga com o evento de corrida virtual que reuniu várias estrelas nacionais: “Já lá vão 13 ou 14 anos desde que me dedicava a isso em casa. Tendo em conta que estamos agora numa fase de quarentena, temos de nos entreter em casa, que é talvez algo que já não estamos habituados a fazer e teremos de encontrar uma solução que esteja ligada à nossa paixão. Já tirei o pó da minha cadeira e a ver se ela funcionava, e já tenho autorização em casa para a montar em casa, o que já é um bom sinal. “

Salvador também participou na Virtual Race of Portugal, iniciativa de Rafael Lobato que teve uma adesão fantástica e que juntou grandes nomes do automobilismo nacional, numa iniciativa que deve continuar, para dar aos fãs um pequeno doce enquanto passamos por esta fase.

O discurso de Salvador é realista mas com uma ponta de otimismo. Quem anda do desporto motorizado sabe bem o que é enfrentar desafios difíceis, que exigem muito. Mas quem anda nisto das corridas tem uma vontade de vencer acima de qualquer dúvida. É essa vontade de vencer que existe no discurso de Salvador e certamente de todos os que correm em Portugal. Estamos agora nas boxes, à espera da luz verde. Sabemos que quando essa luz verde surgir a pista estará muito, muito dificil. Mas em todos existe a vontade férrea de ver a bandeira de xadrez.

Rampa de Murça

A opinião de Pedro Salvador

O ano começou da pior forma no nacional de montanha, com um acidente de vitimou 11 pessoas, em que duas acabaram, infelizmente, por falecer. Pedro Salvador falou do que viu e do que sentiu por altura do acidente, mostrando algum desagrado pela forma como a situação foi tratada por algumas pessoas:

“Estava no fundo da rampa quando soube do acidente, sem ter na altura noção do que tinha acontecido. Quando se soube que tinha havido o acidente, chegaram imagens de um telemóvel de alguém. E quando chegou essa mensagem, vinha a notícia que tinham morrido seis ou sete pessoas. E houve uma coisa que me deixou profundamente triste, desiludido e revoltado, que foi reparar que vários dos pilotos presentes na linha de partida começaram a pegar nos telemóveis e a espalhar a mensagem que tinha havido um acidente com mortos. É uma situação que me ultrapassa mas que infelizmente é muito comum hoje em dia.“

“A sede de sangue das pessoas é mais forte do que a consciência de como se deveriam comportar. Não quero dizer que se deva ocultar o que quer que seja, mas deve-se manter a calma e ter a certeza do que se vai espalhar. Eu não sou jornalista, não tenho de ser o primeiro a dar a notícia. E essa postura por parte de algumas pessoas deixou-me muito desconfortável. Não disse nada porque não iria ser bem interpretado. Tomei a liberdade de ligar para a direção de prova, dizendo que achava uma ótima ideia de que, se o acidente tinha sido grave, que se desse por terminada a prova e que mandassem todos para parque fechado. O Luís Silva chegou ao pé de nós e ainda não estava bem consciente do que se tinha passado, naturalmente em choque. Demos-lhe um abraço e acompanhamo-lo por alguns momentos.”

Salvador deixou elogios à organização da prova: “A direção de prova, além da boa e rápida resposta que deu, também esteve bem em colocar os carros em parque fechado com rapidez, porque não fazia sentido continuar, pois o importante era tratar das vitimas do acidente. Creio que a organização (CAMI) esteve bem, apesar do desafio que tinha pela frente.”

Pedro Salvador fez um apelo importante a todos os que vão ver as provas de estrada, para que tal não volte a acontecer: “As pessoas não devem deixar te ter consciência dos perigos quando vão ver uma prova de desporto motorizado. O piloto não tem culpa do problema mecânico. Só quem anda nisto e passou por uma situação como o Luís passou, sabe o que se sente e o tempo que temos para reagir. No entanto o local onde as pessoas foram colhidas não era indicado para estarem. Estar de frente para os carros nunca é aconselhável em situação alguma. Vi situações semelhantes no rali de Fafe, para as quais chamei à atenção, que deram origem a respostas nada simpáticas pelos interpelados. As pessoas têm de entender que, não é por um local não estar interditado que deixa de ser perigoso. Os carros de corrida são máquinas de mais de 1000kg de peso que viajam a mais de 150km/h que não param instantaneamente. E nós pilotos, quando vamos no limite, graças a Deus, na maior parte das vezes vamos a controlar, mas pode acontecer perdermos o controlo e quando isso acontece…”

“Quanto mais seguras estiverem as pessoas a ver a prova, menor são as probabilidades de um acidentes daqueles acontecer. Eu tive noção da inconsciência de quem vai ver corridas quando falei com pessoas conhecidas no final da prova e me disseram, mesmo após o que tinha acontecido e mesmo eu dizendo que não era um sitio indicado para estar, que ali a rampa já tinha acabado. Esta inconsciência é preocupante. Será isto uma questão de direito de ver provas ou de sobrevivência das pessoas? Todos gostamos do mesmo desporto, uns praticam, outros gostavam de praticar mas todos gostamos de ver. Mas se algumas pessoas mantiveram a mesma postura, se calhar não vamos ver por muito mais tempo. “

“As pessoas têm que ter noção do que é arriscado. Não podem gritar pelos seus direitos e esquecer as suas obrigações. Não podemos colocar nas organizações a responsabilidade toda da segurança. Não é concebível que as pessoas, que já fazem um trabalho tremendo na delimitação de zona perigosas, consigam evitar que numa rampa ou num troço de rali, haja uma pessoa mal colocada. Têm de ser as pessoas a terem essa consciência. “

No final Salvador fez questão de realçar a segurança das nossas rampas: “As nossas rampas são super seguras. As nossas provas de montanha têm um nível de segurança inacreditavelmente bom, quando comparado com o que se faz no resto da Europa. Mas mesmo isso não é suficiente para garantir segurança completa das pessoas. Não podemos esquecer, nunca menosprezado as perdas humanas, que neste tipo de casos se abrem processos que implicam pessoas que trabalham afincadamente para as provas decorram da melhor forma possível, tenham de ir a julgamento, algo que podia ser evitado se todos cumprissem com a sua parte. “

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