500 Kms do Estoril: A prova de todas as decisões

Por a 10 Dezembro 2022 18:41

O ano de 1985 representou o regresso do Europeu de Turismo ao Estoril, após sete anos de ausência (a última corrida tinha sido em 1978). E que melhor prenda para este regresso do que ser a prova de todas as decisões, no que diz respeito ao título de Pilotos? Pois foi isso mesmo que sucedeu, com Gianfranco Brancatelli, Thomas Lindström e a Volvo a carimbarem o mesmo, após mais uma (a sexta do ano) vitória da dupla italo-sueca e a sétima da Volvo.

Mas as coisas não foram facilitadas pela equipa de Tom Walkinshaw que, matematicamente, ainda tinha possibilidades de virar o jogo a seu favor. Porém, não foi isso que aconteceu – e muito por culpa da própria equipa inglesa, conforme Ricardo Pinto, o jornalista de serviço do AutoSport nessa prova, testemunhou.

Do domínio ao “hara kiri”

A Rover, através da Walkinshaw Racing, começou por dominar os acontecimentos, com os dois Vitesse 3500 (Jeff Allam/Armin Hahne e Tom Walkinshaw/Win Percy) nas duas primeiras posições, depois de a liderança ter estado também ocupada pelo terceiro Rover, de Steve Soper/Eddy Joosen, que depois se atrasou com uma fuga de óleo do motor e acabou mesmo por abandonar. Todavia, tudo foi deitado a perder nas boxes, quando ambos os carros entraram em simultâneo!

“A Rover arriscou tudo por tudo para tentar vencer os 500 Kms. do Estoril a jogada tática por ela ensaiada esteve à beira de resultar, até que uma inexplicável falha de coordenação no serviço de boxes, pouco habitual na equipa de Tom Walkinshaw, deitou tudo a perder. Partindo com depósitos não cheios e pneus macios, os Rover Vitesse estavam automaticamente condenados a efetuar dois reabastecimentos, mas tinham, em contrapartida, a possibilidade de assumir o comando logo nos voltas iniciais, sujeitando os Volvo a uma desgastante perseguição, que lhes poderia ser fatal.”

E foi isso mesmo que sucedeu… ou quase! Os dois Rover ingleses assumiram o controlo das operações, “puxando” atrás de si o Volvo 240 Turbo dos líderes do campeonato – e principais candidatos ao (duplo) triunfo. Só que, de repente, tudo passou a correr mal – e, no final, Brancatelli e Lindström “tiveram mais que uma razão para comemorar o seu triunfo no Estoril.”

De fato, e pegando de novo na prosa de Ricardo Pinto, “tudo correu praticamente de acordo com o que estava previsto, mas o segundo reabastecimento resultou num verdadeiro descalabro para a equipa britânica: os carros que ocupavam os dois primeiros lugares pararam na mesma volta e, como se isso não bastasse, o primeiro [Walkinshaw/Percy] a entrar na boxe ficou retido durante alguns [mais exatamente, oito!] minutos para trocar a roda dianteira do lado esquerdo, obrigando o outro [Hahne/Allam] a voltar à pista sem reabastecer”, voltando às boxes algumas voltas mais tarde e perdendo com isso tudo mais de três minutos. Como se não bastasse o atraso que resultou deste “equívoco”, a equipa formada por Tom Walkinshaw e Win Percy teve mesmo que desistir mais perto do final da corrida, com problemas mecânicos.

Depois deste “inesperado ‘hara-kiri’ cometido pela equipa britânica, Gianfranco Brancatelli e Thomas Lindström ficaram completamente libertos de oposição na sua caminhada para a vitória, com a qual asseguraram (…) a conquista do título europeu.”

Os portugueses nos Estoril

Foram várias as equipas portuguesas que estiveram presentes à partida dos 500 Kms do Estoril. Eis a análise, com base no AutoSport de então, das equipas e do que elas fizeram na pista portuguesa. Na realidade, o AutoSport considerou, então, que as equipas portuguesas, “com os mais válidos Grupo A nacionais, que hoje estão bastante próximos dos principais interessados no Europeu”, conseguiram a façanha de “andar entre os ‘habitués’ do campeonato.”

António Rodrigues/Ferreira da Silva (Volvo 240 Turbo) 6º

Ao volante do habitual (de Rodrigues) Volvo 240 Turbo, foram a equipa melhor classificada, em 6º lugar. Ferreira da Silva foi 2º convidado especial” para esta prova, de acordo com as palavras do piloto vimaranense. O carro português era “uma evolução anterior” aos 240 Turbo da Magnum Racing e da Eggenberger e tinha pneus de perfil mais baixo. Mesmo assim, para Rodrigues este foi “um excelente resultado, embora ainda tivéssemos tentado chegar ao 5º lugar.” No final, entusiasmado, Rodrigues garantiu que “é mais giro fazer uma corrida destas do que vários circuitos nacionais É como um troféu com carros de 300 cv onde se anda sempre a fundo.” Os únicos problemas foram a “antiguidade” do 240 Turbo e as relações de caixa demasiado curtas, que obrigaram à montagem de “uma relação de caixa mais comprida”, para serem mais velozes nas retas.

Joaquim Moutinho/José Peres (BMW 635 CSI) 7º

Ao volante do BMW 635 CSI habitualmente usado por José Peres, este e Joaquim Moutinho acabaram logo a seguir ao Volvo 240 Turbo nacional: “A prova correu-nos bem e estou satisfeito com o resultado,” afirmou Peres, “O carro comportou-se de uma forma excelente e está tal e qual como começou a corrida. O nosso principal problema foram as minhas dez primeiras voltas, em que perdi imenso tempo.” De fato, quando iniciou o seu turno, “Peres, talvez um pouco nervoso, tardou em encontrar o ritmo certo e começou a rodar cerca de três segundos mais lento, o que facilitou a ultrapassagem de Rodrigues e Ferreira da Silva.” Nos treinos, conheceram dificuldades com a caixa de velocidades, que resolveram “apenas graças ao auxílio da Schnitzer.”

Rufino Fontes/Bernardo Sá Nogueira (Alfa Romeo GTV6) 10º

Esta dupla correu no Estoril integrada na equipa Imberti, à qual Rufino Fontes estava ligado: “Fui tratado de uma forma excelente”, assinalou o piloto, que foi mesmo, nos treinos, o mais rápido da equipa italiana. Na corrida, “andou à frente da Divisão 2 e por pouco não a venceria. Apenas uma saída de Sá Nogueira permitiu a [Marcello] Cipriani a ultrapassagem, que daria de parceria com [Rinaldo] Drovandi a vitória na Divisão 2.” O piloto santareno explicou depois que isso sucedeu porque travou “tarde demais no final da reta da meta e saí.” Estava-se a 12 voltas do fim da corrida e “Sá Nogueira ainda retomou a posição, para a perder definitivamente a duas voltas do fim, quando fez um pião.”

Manuel Fernandes/Dieter Quester (BMW 635 CSI)

O piloto de Vila real fez parte da equipa oficial da BMW, a Schnitzer, “graças à intervenção da Baviera”, tendo feito dupla com Dieter Quester. Para o efeito, “teve o apoio da Mobil e dos vinhos Lagosta”. Porém, os seus objetivos não foram alcançados: “O carro (…) era totalmente novo e foi muito difícil afinar as suspensões”, pelo que “em algumas zonas de piso mais irregular era impossível controlar o carro.” Nos treinos, Manuel Fernandes foi quem fez os melhores tempos e foi mesmo “apenas 27 centésimos de segundo mais lento do que [Roberto] Ravaglia, um dos principais pilotos da Schnitzer.” Todavia, acabou por nem sequer entrar no carro na corrida, depois de se partir “um martelo de válvula”, no turbo de Quester: “perguntaram-me se queria conduzir à partida ou depois. Eu escolhi ser o segundo a guiar porque o Quester tem mais experiência do que eu e tive medo de dar algum toque no meio da ‘molhada’”, referiu, triste, depois da prova.

“Nicha” Cabral/Manuel Reuter (Ford Sierra XR4 Ti)

“Nicha” Cabral regressou às competições, “ao fim de dez anos”, graças ao interesse da Ford Lusitana”, que permitiu que viesse em Estoril “dois Sierra Turbo, num dos quais [“Nicha” Cabral] tomou o lugar como companheiro de equipa de [Manuel] Reuter”. E o que era então “o único português que já militou na F1”, não deixou os seus créditos por mãos alheias, mesmo se nos treinos encontrou algumas dificuldades em “controlar os 320 cv que aparecem de repente”, porque o turbo “surge muito bruscamente.” Depois, no “warm-up”, “houve um problema qualquer com a regulação do turbo”, que não foram resolvidos e, na corrida, ditaram o abandono.

Carlos Rodrigues/Robert Giannone (BMW 635 CSI)

Ao volante do BMW 635 CSI “caseiro”, esta dupla não passou sequer dos treinos livres, conforme contou então Carlos Rodrigues: “O carro estava francamente mau. (…) Mas, mesmo assim, eu queria fazer um bom tempo.” Só que “no final da Parabólica interior, tive uma saída de frente. Para controlar, abri a trajetória e as rodas do lado direito foram à terra e acabei por dar um traseirada nos ‘rails’. Saí para ver os estragos e tive que fugir quando outro carro se aproximou.” Então, quando regressou junto do carro “para o tirar dali”, o piloto percebeu “que a palha que estava no chão tinha começado a arder.” A partir daí, foi uma sucessão de equívocos e decisões erradas, por parte dos comissários e dos bombeiros “que demoraram quatro voltas a chegar”. Resultado: “pasto das chamas, o belo BMW branco e negro ‘morreu’ no Estoril e os seus pilotos ficaram apeados.”

Pedro Meireles/Christian Melville (Alfa Romeo GTV6)

A epopeia de Pedro Meireles e Christian Melville

Em 1985, Pedro Meireles e Christian Melville tentaram e cumpriram um projeto ambicioso, que era participar no Campeonato Europeu de Turismo. Ao volante de um Alfa Romeo GTV6 com as cores da Ton Sur Ton, estiveram em evidência em várias jornadas e não conseguiriam a vitória na Divisão II em algumas delas – incluindo no Estoril – por mero acaso. Mas, pelo meio, subiram algumas vezes ao pódio e deixaram vincadas a sua categoria, rapidez e o seu talento. Foram a primeira equipa nacional a realizarem na íntegra um campeonato internacional.

Monza – Desistiram (motor partido)

Vallelunga – 10º Geral, 2º Divisão II

Donington – 10º Geral, 2º Divisão II (Meireles/Francia)

Anderstorp – 11º Geral, 4º Divisão II

Brno – Desistiram (transmissão partida)

Zeltweg – Desistiram (despiste de Melville nos treinos)

Salzbugring – Não alinharam (carro não ficou pronto a tempo)

Nürburgring – 14º Geral, 4º Divisão II (Meireles/Cremer)

Spa – Desistiram (motor partido) – correram com Joaquim Moutinho

Silverstone – 13º Geral, 4º Divisão II (Meireles/Francia)

Nogaro – 9º Geral, 3º Divisão II

Zolder – Desistiram (caixa de velocidades partida)

Estoril – Desistiram (acidente)

Jarama–14º Geral, 3º Divisão II

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