Entrevista a Maria Luís Gameiro: regresso ao Dakar com nova navegadora e ambições renovadas
Maria Luís Gameiro está de regresso ao Rali Dakar, desta feita com o Mini JCW T1+ e com uma nova navegador, Rosa Romero. Fez recentemente um teste de três dias no Alentejo, com supervisão da X-Raid, que marcou o arranque para chegar o mais competitiva possível à grande aventura: “Este teste foi mais um passo fundamental na nossa preparação. A confiança no carro, a sintonia com a Rosa e o apoio da X-Raid dão-nos uma motivação extra para encarar os desafios que temos pela frente”, declarou Maria Luís Gameiro após três dias intensivos de testes nas pistas da X-Race, no Cercal.
A piloto portuguesa, primeira mulher lusa a terminar o Dakar em 15 anos, prepara o seu regresso à maior prova de todo-o-terreno mundial com ambições renovadas e um equipamento significativamente mais competitivo. Depois de se ter estreado na prova saudita em 2025 na categoria Challenger T3, Maria Luís Gameiro regressa em janeiro de 2026 com um Mini JCW T1+ da X-Raid e uma nova navegadora, a espanhola Rosa Romero.

Numa longa entrevista falou-se um pouco de tudo, numa viagem que vai desde a paixão pelo marido à conquista do Dakar. Esse percurso começou em 2005, quando conheceu José Gameiro, estreou-se em 2009 num Portalegre com uma Nissan Navara T2, pouco depois a crise económica levou a uma longa interrupção, mas o regresso em 2022 marcou o início de uma trajetória ascendente que culminou com o Dakar.
Estreou-se este ano na prova com um T3 e agora transitou para o T1+, um salto qualitativo significativo.
A formação de uma equipa totalmente feminina concretizou-se com a chegada de Rosa Romero, navegadora catalã com experiência no Dakar em motos e SSV e juntas, aceleram a preparação para uma prova da qual a piloto já trouxe memórias indeléveis. A sua estreia no Dakar ficou marcada por momentos de grande dificuldade e superação e agora é tempo de preparação multidisciplinar para 2026, sendo que os objetivos são claros, mas desafiantes: “Gostaria muito de trazer o Troféu Feminino para Portugal”

Como começou a sua carreira e quais foram as pessoas-chave que tiveram impacto nesse passo?
“A primeira pessoa que me trouxe para tudo isto é o meu marido! Portanto, no fundo, eu apaixonei-me por ele e apaixonei-me pela modalidade ao mesmo tempo. Foi em 2005 que conheci o José Gameiro, ele fazia todo-o-terreno, ele e os filhos, o Pedro (Gameiro) e a Alexandra (Gameiro).
Eu fazia parte do público que vibrava com os carros a passar. Aprendi também como funciona o todo-o-terreno, o que é bom, perceber como o todo-o-terreno funciona, visto do lado de fora, porque não se percebendo são só carros a passar.
E, portanto, tentei ser um público informado, conhecer as pessoas, que corriam, e foi muito interessante.
Em 2009 tive a oportunidade de ingressar na minha primeira corrida. Estreei-me logo num Portalegre, portanto, com um T2, uma Nissan Navara, foi assim uma grande estreia.
Obviamente que o meu primeiro objetivo era chegar ao fim e consegui fazê-lo. Na altura, o meu copiloto foi o Nuno Rodrigues de Silva, um navegador com muita experiência, em particular naquele momento, que estava no auge.
Não tirei partido, por razões óbvias, da sabedoria dele, quer dizer, aprendi com ele, mas não tirei partido de tudo o que ele sabia, porque eu era muito verde. Logo no prólogo deu-me tantas notas que eu cheguei ao fim e disse: “Ó Nuno nem percebi nada o que me disseste. Foi só à vista”. Mas o nosso objetivo era chegar ao fim, consegui chegar ao fim, portanto, fiquei muito satisfeita. Fizemos o ano 2010, em que corri metade com o T2, depois para o fim já com o T1, também com a Navara, e no início de 2011 pensava: “Vamos fazer o ano todo em grande”. Era, naturalmente, o carro menos potente da equipa, sabia perfeitamente quais eram as minhas expectativas. Mas depois tive a infelicidade de partir uma mão numa corrida de Idanha. Na altura não tinha os conhecimentos, que tenho hoje, novas formas de recuperação, e fiquei com todo o campeonato estragado, nesse momento.
Depois, apareceram as grandes crises (ndr, a Troika), que todos nós sabemos, os nossos patrocinadores, são as nossas empresas da área da construção, os nossos clientes eram da área da construção. O houve todo aquele grande impacto económico que não nos permitia correr, infelizmente é um desporto muito dependente de patrocínios…”

O que pesou mais na decisão de regressar em 2022?
O Zé Gameiro tinha passado uma situação complicada no Covid e havia uns clientes diziam: “ele já está velho, já não anda mais”. Então ele, em 2021, foi ‘fazer’ o Portalegre. Na altura até foi notícia que era o piloto mais velho a fazer a uma Baja do campeonato do mundo. E fez com o meu primeiro Mini. Só que o Mini era ‘pequenino’, ele não gostou, mas eu dizia, “Mas é tão giro!” E namorei muito o Mini ao ponto de ele na semana entre o Natal e o Ano Novo ter dito: “Comprei um Mini para ti”. “Um Mini para mim, tens a certeza?” Então, foi daí que acabei por voltar a correr em 2022…”
Sentiu-se inspirada pelo percurso, por exemplo, de Elisabete Jacinto, e doutras Senhoras portuguesas que andaram pelo Dakar?
“Claro, obviamente, mas nessa altura eu ainda não pensava nisso. Quem me pôs o ‘bichinho’ do Dakar, em bom rigor, foram as pilotos espanholas. Ou seja, em 2022, quando eu voltei a correr, deparei-me com um carro que não tem absolutamente nada a ver. A tecnologia é completamente nova. Portanto, eu precisava de alguém que me ajudasse a tirar partido de um carro que eu não conhecia.
E o Ricardo Porém, de facto, ajudou-me e também o Filipe Campos. Nessa altura, como faltavam quilómetros, como se costuma dizer, “Maria precisa de correr um bocadinho mais…”, nós decidimos ir fazer em 2023 o Campeonato a Espanha.
E as espanholas, e há muitas Senhoras, navegadoras e pilotos, até que me começaram a dizer: “Maria, porque não faz o Dakar? Porquê em Portugal já não há esse espírito?” Pois é, de facto, a Elisabete Jacinto, e não só, já fez o Dakar há muito tempo. Não é fácil, financeiramente é um projeto muito difícil. Mas tentamos conjugar esforços nesse sentido, as coisas proporcionaram-se e a vontade foi muita. Houve também uma equipa espanhola na altura que me convidou e acabamos por abraçar o projeto e, foi assim…”

O que mais a apaixona no todo-o-terreno: a competição, a superação pessoal, ou a aventura?
“É uma resposta difícil. Acho que são as três coisas, sim… são as três coisas! A competição… a superação pessoal é muito importante, porque de facto, é um grande desafio para nós, e a aventura! Porque eu acho que esta modalidade de desporto motorizado, é muito especial por isso mesmo. Enquanto os desportos motorizados são em pista ou mesmo que sejam fora de pista, mas são com trilhos já reconhecidos, o nosso é tudo uma absoluta surpresa.
No todo-o-terreno, é fundamental um grande equilíbrio entre a nossa capacidade física e mental para superar as dificuldades. Não só temos de garantir que o carro resista a todas as adversidades, como também enfrentamos o desconhecido a cada momento. Nunca sabemos o que se apresenta após uma curva, de um cume ou de uma duna, e é precisamente esta constante surpresa que torna o trabalho do copiloto tão crucial. Creio que este fator de aventura e imprevisibilidade é, de facto, o que torna o todo-o-terreno tão especial.”
Em apenas três anos, após 2022, passou a competir e vencer troféus em Portugal e Espanha. Qual foi o maior desafio nesse período?
“Foi o Campeonato Espanhol do ano passado. É verdade que eu tenho os troféus femininos, portugueses, espanhóis, mas o ano passado eu estava em segundo lugar à geral. Fui a segunda mulher de sempre a conseguir fazê-lo em Espanha. Infelizmente acabei por ficar, no final do Campeonato, em terceiro, porque tive que faltar as últimas duas corridas. O projeto era caro, portanto, não fiz as corridas em Espanha e os pontos que eu tinha acumulados só me permitiram o pódio, que ainda assim é bastante honroso, especialmente não fazendo as corridas todas.
Mas acho que foi assim o meu grande desafio esse campeonato, ter conseguido ficar no segundo lugar à geral.”

Em 2024 apostou no Mini T1+ e conseguiu um pódio absoluto em Espanha…
“Sim, consegui. Aliás, houve uma altura em que cheguei mesmo a abrir pista. Foi uma experiência nova. Foi um dia de chuva e acho que ficou toda a gente muito surpresa por ver o carro cor de rosa, “mas é ela que vem aqui?”.
Foi uma experiência muito intensa, sim, e nessa corrida fiquei em segundo.
Entretanto, houve uma certa, vamos dizer, pressão, o entusiasmo da equipa de que eu poderia fazer melhor. Obviamente já não sou uma jovem de 20 anos, portanto, tenho um tempo limitado de evolução que uma rapariga ou um rapaz de 20 anos, que conseguirão mais tempo, mais quilómetros e têm mais anos para evoluir. Eu tenho fazer tudo um pouco mais condensado. E a equipa disse-me: “acho que tu és capaz de fazer qualquer coisa melhor com o T1+”. A X-Raid também nos apoiou nesse projeto e pronto, e passamos para o T1+…”
E está a gostar da transição….
“Gostei muito… O carro é absolutamente fantástico. Apesar de em termos oficiais e de FIA, são os dois Ultimate, é um facto, mas são muito diferentes. Mas confesso que tenho tirado mais partido deste carro nos Rally Raids. Porque nas bajas, em Portugal e mesmo em Espanha – eu cheguei a fazer uma corrida em Espanha, foi o primeiro T1+ a correr em Espanha, em 2023. Só classificava à geral, não havia troféu sequer para mim. Havia estradas onde praticamente o meu carro não passava. Eu tinha que passar em zonas muito estreitas, parecia não haver como, e os pilotos no final, davam-se os parabéns “como tu passaste ali?” era fechar os olhos e acreditar…
Se estiver lá uma pedra está, porque eu não consigo vê-la no meio das ervas, não dava para ver.
Mas este carro é muito mais desafiante, mais trabalhoso fisicamente também, é preciso estar com muito maior atenção.”

Que significado teve para si o Rally Jameel, uma prova só de mulheres num país em mudança como a Arábia Saudita?
“Foi um convite da própria organização saudita, feito à FPAK, para nomear uma equipa para representar Portugal.
Em termos de experiência em si, foi muito interessante, porque a Inês não tinha experiência nenhuma de navegação no deserto, e eu também não…
De resto, acho que é um País em transição, mas estão a evoluir no bom caminho, e até estão a fazer uma aposta neste desporto, no feminino, o que os países ocidentais não fizeram ainda… Deste lado, não tocam tanto nisso, e eles estão a tocar, e a preocupar-se com essa imagem, claro.
Obviamente que é tudo muito direcionado a uma corrida que não é para nós ganharmos, a corrida deste ano teve uma mistura de Arábia Saudita com a Jordânia e, portanto, é naturalmente uma corrida mais direcionada para as jordanas e para as sauditas.
Nós vamos obviamente tentando competir e fomos representar Portugal, tentar fazer o melhor possível, mas já sabíamos que no final o objetivo maior é integrar estas mulheres. Eu tenho carta de condução desde os 18 anos, elas têm há um ano ou dois. Mas fomos sempre muito bem tratadas enquanto mulheres.
Não tenho nada a dizer, em momento nenhum, mesmo quando fui para o Dakar a primeira vez, até fui sozinha com outra rapariga, entrámos nas fronteiras, duas mulheres sempre muito bem tratadas, até hoje.”

Como tem sido a ligação com a Rosa Romero, como se constrói essa confiança dentro do carro?
“Ainda é bastante recente. O projeto com Rosa veio um bocadinho da solicitação do público, digamos assim, havia ainda por cima o facto de ter um carro cor-de-rosa, e todas as pessoas queriam que eu formasse uma equipa totalmente feminina.
Não havia para o Dakar 2026, em Portugal, nenhuma Senhora com experiência que me pudesse acompanhar, então acabei por ter que ir procurar fora. Eu conhecia a Rosa “bom dia, boa tarde” do Campeonato Espanhol, mas conheço o percurso dela, já fez alguns Dakar de moto e até de SSV.
E então acabámos por convidar a Rosa a integrar este projeto, e ela adorou. Queria muito fazer um uma corrida num T1+. Conhecemo-nos um ou dois dias antes da nossa primeira corrida no Morocco Desert Challenge, portanto, não nos conhecíamos antes. Tivemos logo conviver muito dentro do carro, inclusive dormir na mesma autocaravana, portanto foi logo assim um grande embate.
Ela é uma rapariga muito fácil. Temos o desafio da língua, porque ela é catalã, eu sou portuguesa e falamos as duas em castelhano dentro do carro. Às vezes sai um ‘portunhol’, ela também fala um ‘catanhol’, mas temo-nos entendido bem, só houve uma expressão em todo o Morocco Challenge, que são cinco dias de corrida, em que eu não percebi bem o que ela me queria dizer…
Mas acho que talvez o facto de sermos mulheres, houve ali uma certa empatia e facilitou.
Temos também a mesma muita vontade de fazer o melhor possível de mecânica, que nenhuma de nós entende.
Um pneu para nós, são 50 kg, é difícil mudar. Se calhar não podemos fazer nenhuma de nós sozinha, como fazem as equipas masculinas, fazemos trabalho de equipa, mudamos as duas.
Fizemos só duas corridas juntas ainda, mas com ótimas experiências, aliás, o Morocco Desert Challenge, ficamos em quinto a geral. Em segundo da nossa categoria, mesmo com imensas tropelias que tivemos pelo caminho, foi um bom prenúncio.”

Como foi antes e como está a ser agora toda a preparação, física e psicológica, para enfrentar o Dakar?
“Fizemos de facto duas corridas, fizemos este de três dias, não vou poder fazer muito mais corridas até ao Dakar. Vou fazer uma Baja em Marrocos e a Baja do Dubai que servirá já como shakedown para o Dakar.
Gostava muito de fazer o Rally Raid Portugal, há muitos portugueses que me perguntam como é possível não ir, mas infelizmente o orçamento não nos permite, e entre fazer uma Baja em Marrocos, que me permite ter um pouco mais de sensibilidade no deserto, faz mais sentido.
Fisicamente, vou ao ginásio, continuo a ser seguida pela minha psicóloga desporto de alta competição que me tenta ajudar também a ganhar foco, porque este tipo de corrida obriga-nos a estar muito tempo focados, o que é difícil.
Como ajuda? Como uma psicóloga consegue ajudar?
“Eu vou-lhe contando as minhas dificuldades, que é essencialmente a questão da concentração, ela, no fundo, tenta ajudar-me a que eu perceba o momento em que estou desconcentrada e voltar-me a focar. É essencialmente isso.
E tem trabalhado também agora comigo e com a Rosa em conjunto, porque há momentos em que a Rosa provavelmente perceberá mais cedo do que eu, que estou a abrandar ritmo. E é preciso perceber porquê, se é porque estou desconcentrada ou por outro motivo qualquer.
E o mesmo com a Rosa porque eventualmente ela pode não estar com alguma acuidade. Dar-me alguma nota errada e eu tenho que perceber, se é cansaço, ou o que é, e portanto, vamo-nos puxando uma pela outra.”
Foi a primeira portuguesa em 15 anos a alinhar no Dakar e conseguiu terminar. Que memórias guarda dessa estreia?
“Tão boas que vou voltar em 2026! (risos) Foi uma experiência muito divertida. Tive azar logo no primeiro dia, é um facto. E a partir daí foi só sofrer até o final. Porque partir de trás é complicado.
O carro era ainda muito jovem, em termos mecânicos, portanto, não estava preparado para aguentar o embate de quem vem detrás, porque os regos já estão muito grandes dos camiões, e tudo mais e furávamos, e ultrapassámos tudo isso, que é a parte mais importante, e como partimos no fim cheguei muitas vezes de noite, que era também só por si um desafio ainda maior.
Mas apesar de ter sofrido tanto e em determinada altura, às vezes, há quem pergunte: “Mas tens certeza que queres continuar?” e no dia de descanso muitos portugueses que lá estavam, a maior parte vinha-me dar os parabéns porque achavam que eu teria desistido muito mais cedo.
“Mas porquê? Vocês não me conhecem ou até parece que não conhecem? Eu só desisto se o carro não me deixar.
Ou se há algum problema físico que não o permita. Essas são as duas únicas condições que eu admito para não continuar. Ou um problema mecânico insolúvel, ou fisicamente não ser capaz. De resto, farei até o fim.
E fiquei muito contente porque a medalha de ‘Finisher’ é uma medalha que muitos ‘Dakarianos tentam conseguir, e infelizmente há vários que disputaram várias provas e não o conseguiram.
Eu consegui, fiquei muito contente e agora em 2026, o nosso grande projeto é, não só chegar ao fim, obviamente, isso eu já consegui, mas gostaria de fazer um pouco mais, e uma vez sendo uma equipa feminina, gostaria muito de conseguir o Troféu Feminino para Portugal…”
O que mais a surpreendeu na dimensão do Dakar para além da competição em si?
“A logística. A logística da organização é algo fabuloso, eles conseguem montar hospitais e restaurantes para milhares de pessoas no meio do deserto. Depois, em termos de experiência pessoal, o que me surpreendeu foram o tamanho das dunas do Empty Quarter. São, de facto – já as tinha visto na televisão – mas quando se vê uma descida com um alto grau de inclinação com 200m, sentimo-nos muito pequeninos, de facto.”

Disse que o segredo de terminar o Dakar foi “cuidar do carro”. Como se gere uma prova que são quase dois campeonatos do CPTT em duas semanas?
“Com muita força de vontade, e com muito sonho, o querer concretizar muito um sonho. Porque quando o sol começava a pôr-se e faltam 200 km e quando vamos para as dunas, é muito difícil.
É muito difícil porque nós não vemos nada e é preciso, de facto, ter um trabalho de equipa muito grande que na altura tive com o Zé (ndr, José Marques) e é preciso querer muito chegar ao final, e por isso, todos os perigos estão à espera.
Nós estamos mesmo no meio de uma ‘selva’, somos nós contra a natureza. São 14 dias de facto muito difíceis.
Eu ia muito bem preparada física e psicologicamente, isso ajudou muito.
Eu confesso que cheguei ao final e pensei que fisicamente ia estar mais cansada do que realmente me encontrei. Também era um carro mais fácil do que este. Este carro eu tenho a perfeita noção de fisicamente vou ter que estar ainda melhor preparada, ou pelo menos tão bem, e que me vai sair mais do ‘pelo’, como nós costumamos dizer.
O outro era um pouco mais fácil de conduzir, o SSV, mas igualmente divertido.
Mas tem que se estar muito bem preparado, senão é muito difícil…”

Muitas vezes conversei com pilotos que faziam o Dakar e a sensação que eu ficava muitas vezes era que ao princípio, quando fazia a antevisão, era “isto nunca mais começa”, mas depois a meio da prova, parecia que sentia, “pá, isto nunca mais acaba”. Também sentiu um bocadinho isso ou teve sempre aquela força de tem que passar mais esta?
“Eu sempre quis continuar. Em momento nenhum pensei em desistir e em momento nenhum pensei isto nunca mais acaba. A única ansiedade que eu tinha era isto está tão próximo do fim, não posso fazer asneira para de facto conseguir a medalha de ‘finisher’ final.
Porque nós podemos concluir o Dakar ‘Experience’, não é? O ano passado, nos setores finais, nos últimos dias, eu confesso que tive que engolir muito sapo, porque me apetecia conduzir mais rápido e o Zé aí, travou-me, e bem, em alguns momentos, porque algumas pessoas passavam por mim mais rápidas do que eu.
Eu queria ir mais rápido, mas eles já iam em ‘Experience’ e eu ainda não.
E portanto, eu queria mesmo chegar ao fim, e ter essa medalha tão almejada e para isso eu tive que ser mais conservadora. Houve momentos em que eu quis andar, mas pronto, não podia…”
Qual foi o momento mais duro e o mais emocionante?
“O mais duro foi, sem dúvida, as 24 horas. Foi no segundo para o terceiro dia, em que tive um problema muito grande, mecânico, de uma peça daquelas que nunca avariam, mas avariou exatamente aquele dia no meio das dunas. O camião T5 que nos poderia ajudar, atascou, chegou mais tarde, mas chegou, resolvemos, mas depois tivemos que fazer muitas centenas de quilómetros nas dunas.
Em determinada altura tínhamos camiões de apoio, outros carros, todos disseram: “Vamos parar por aqui, porque nós não vamos continuar, não há condições para continuar, mas eu e o Zé continuamos.
E mais tarde, quando vimos os filmes dessas dunas, o Zé disse-me, se tivéssemos vistos as dunas cá, nós não as teríamos feito de tão difíceis que eram. Foi o único momento em que chegamos ao fim e choramos daquela mistura de alegria e de emoções.
Esse foi de facto o momento mais difícil e desde eu cheguei ao fim e disse: “este foi o meu Dakar”. Portanto, aqui para a frente, o que quer que me apareça, não será tão difícil. Aquele foi o meu grande momento.
E foi também quando apareceram as maiores emoções, pois, superar uma dificuldade tão grande, acho que foi o momento mais emocionante que eu colocaria em paralelo, de facto, com essas tais dunas gigantes, enquanto estamos lá em cima.”
Em breve voltará ao Dakar, mas já numa categoria T1+. O que muda no nível de exigência e de ambição?
“Exigência física, sem dúvida. O carro é mais rápido e fisicamente tenho que estar melhor preparada.
Depois o facto de eu ter uma copiloto feminina, também qualquer mudança de pneu e furos acontecem, temos que trabalhar um bocadinho mais as duas…”
“A formação em mecânica na X-Raid mostra uma faceta prática do Dakar. O que mais a surpreendeu nesse curso?
“Sim, fomos à X-Raid, para um curso de mecânica para aprender, por exemplo, a trocar a correia da transmissão, que era uma coisa que eu nunca tinha aprendido e foi muito engraçado naquela altura disseram-nos: “Ah, isso não acontece! Aconteceu logo em Aragon. Portanto, tivemos logo essa experiência. Aragon foi para nós uma corrida de alguns problemas mecânicos, tivemos as duas que resolver na pista. E ainda temos mais para aprender, não foi suficiente.
Porque normalmente essas trocas de correias ou algum tipo de mecânico problemas mecânicos em Bajas em Portugal, não são solúveis, porque demoram muito tempo a resolver, fica-se logo arredados de qualquer ambição de resultado na corrida. No caso do Dakar, nós temos mesmo que saber fazer, senão ficamos no meio do deserto…”

E como é troca das rodas. É muito complicado?
“Nós já temos uma certa ‘dança’ entre as duas, vou dizer assim, enquanto se levanta o macaco hidráulico, ela sai, começa a tirar a roda, eu tiro a roda suplente, pomos as duas a roda no eixo. Já andamos a tentar as duas ser o mais eficientes possível. Pomos as duas a roda, depois vamos fazendo tudo o resto…
Obviamente que neste momento ainda demoramos mais tempo do que os profissionais, mas já estamos bastante melhor, eu acho que até temos surpreendido na mudança, em termos de tempo.
Até a mudança da correia ficaram muito espantados quando nós conseguimos mudar a correia à primeira. Foi lento, mas fizemo-lo.”
Como é estar numa estrutura como a X Raid?
“É completamente diferente. Aliás, um treino como este, um treino que eu nunca tive, há um apoio bastante diferente, nomeadamente no que respeita a análise de data, da informação. E conhecem o carro como ninguém, eu nunca tive um carro tão bem preparado.
Cheguei a fazer os meus outros campeonatos em que não conseguia chegar com o pé ao travão de forma eficiente, porque a posição de condução não era a melhor, mas na altura a resposta que me davam era que não era possível fazer de outra forma. Eu não acreditei e acabamos por integrar a X-Raid. Eles sabem o que fazem…
O carro está muito bem preparado. É de uma fiabilidade muito grande. Tenho todas as condições para poder ter a minha melhor prestação. Obviamente, não tenho os treinos e as corridas que eu gostaria, para ser tão eficiente como os nossos melhores pilotos, mas com aquilo que me é possível, esta análise de informação da minha forma de conduzir já me ajuda bastante.”
O que ainda sonha conquistar no desporto motorizado?
“Ai, isso é difícil. É difícil, como eu não tenho… se tivesse 20 anos, eu tinha muita coisa. Já não tenho.
Mas eu acho que apesar de tudo, o ser se mulher e o ser-se uma mulher mais velha, não é limitativo para este tipo de desporto motorizado.
Temos um caminho pela frente, obviamente que tem handicaps, o ser homem ou mulher, é parecido, mas não é igual. O ser-se mais velho também não, é parecido, mas também não é igual, até porque com a idade nós ganhamos medos que os mais jovens não têm, e acreditar ajuda muito. Os miúdos não têm o medo que nós mais velhos temos…
Se eu conseguir trazer o Troféu Feminino para Portugal, resta-me tentar fazer uma melhor prestação possível que alguma mulher portuguesa já tenha feito à geral. Honestamente, eu não não sei exatamente que troféus é que existiam à época da Elisabete Jacinto, Teresa Cupertino Miranda, Joana Lemos, não sei sequer se existia o troféu feminino, desconheço, portanto, gostaria muito de trazer para cá, e depois a partir de aí é correr contra os profissionais, porque é o que me resta, não é?
Obviamente que há alguns portugueses que dizem “já há muitas mulheres a correr no Dakar, vais correr contra elas”. Vou, mas eu sou única amadora. Todas elas que vão correr como pilotos, são todas profissionais. Todas, só fazem isso. Algumas têm uma profissão, mas fazem-na de uma forma muito residual. Eu não.
Eu trabalho para sustentar uma grande parte projeto. Pois embora, felizmente, tenha tido alguns apoios, mas isto é muito dispendioso, e não chega para tudo, portanto eu trabalho para poder correr. Obviamente que me comparo com eles e com elas, claro, mais com elas, estão em equipas oficiais…”
Portanto, vamos ver, este ano já estou com um bocadinho de melhores condições do que estava o ano passado.
Vai ser divertido, vai ser ainda melhor, vai ser uma grande luta lá na frente, a Dacia, as Toyota, andam sempre bem, a Ford e a minha equipa também estão a melhorar. Os Mini correm por fora, mas o carro tem melhorado. O ano passado tiveram azar, tiveram azar com acidentes com os carros quase todos, mas eu acho que este ano vai ser muito divertido na frente…”
FOTOS Goodnews/Vasco Morão
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