De ‘rookie’ a piloto oficial: Gonçalo Guerreiro sonha com a vitória no Dakar 2026
Numa extensa conversa com o AutoSport, Gonçalo Guerreiro revela como 2021 marcou a viragem na sua carreira no TT nacional, com vitórias em Reguengos e Portalegre, e partilha a gratidão por agora pilotar oficialmente pela Polaris no Dakar 2026, mirando a vitória após o segundo lugar na estreia.
O todo-o-terreno nacional continua a ‘produzir’ talentos e Portugal aproxima-se cada vez mais do topo da pirâmide do Dakar, com equipas com potencial para ganhar em diversas frentes.
Depois da bela prestação de 2025, para Gonçalo Guerreiro agora é tempo de olhar ainda mais para cima, numa conversa em que se falou do arranque da carreira, da chegada a uma equipa oficial, de ter feito história ao tornar-se Campeão Absoluto de Portugal de Todo-o-Terreno, de como um rookie encara uma prova como o Dakar, de pressão, e do futuro.

AS: Quando olhas para trás desde a estreia no TT, qual sentes ter sido o momento em que a tua carreira começou a ‘acelerar’?
Gonçalo Guerreiro: Eu acho que começa a acelerar quando vences pela primeira vez a primeira prova. Eu comecei em 2018 a correr ativamente no CNTT, venci as minhas primeiras provas em 2021, Reguengos e Portalegre, pelo que diria que 2021 é quando as coisas se tornam mais a sério pois dessa forma percebi que era isto que eu queria fazer e que eu queria era ganhar.
Reguengos de Monsaraz é uma prova que eu gosto bastante, é especial por ser a primeira que eu venci. Logo depois venci a Baja de Portalegre. Portanto, eu acho que 2021 acaba por ser esse ano de virada de ritmo e de olhar para as coisas na forma como elas têm que ser, que é enfrentar tudo e tentar ganhar.”
AS: O que é que significa para ti, logo na segunda participação, teres sido chamado para correr numa equipa oficial, no caso da Polaris, agora para o Dakar?
Gonçalo Guerreiro: “O meu sentimento é de gratidão! Gratidão pela minha trajetória, por ter a minha família ao meu lado e ter tanta gente que me apoia, familiares e amigos. E, no fim de contas, muitas vezes eu notar que as pessoas às vezes querem mais o meu bem do que o próprio bem delas.
E isso é especial porque só assim é que consegues ter sucesso! Porque este desporto é trabalhoso, necessita de atenção e tu não consegues fazer tudo sozinho.
Portanto, eu diria que a minha trajetória tem sido uma trajetória em família, com amigos, porque basicamente dão-me um suporte gigante para chegar onde estou. Portanto, tanto na minha participação este ano com a Red Bull, agora com uma participação com a Polaris, são equipas com bastante ambição e obviamente que o objetivo é sempre ganhar. Portanto, existe essa ‘pressãozinha’ extra.”
AS: O que é que muda para ti ser piloto oficial?
Gonçalo Guerreiro: “Nada muda. A forma como eu encaro as corridas é sempre a mesma: tentar vencer. Obviamente que o Dakar este ano, em 2025, na minha estreia, tinha como ideia simplesmente terminar e entender qual é que é a nossa posição. Logo desde cedo agarramos a segunda posição e nunca largamos.
Portanto, isto desde a primeira etapa que nós asseguramos a segunda posição até ao fim do rali.
Portanto, até certa altura, a nossa ideia era obviamente adquirir experiência e tentar andar o mais depressa possível, mas faltava-me experiência talvez para andar em primeiro. Agora em 2026, a forma como eu vou encarar a corrida é claro dar o meu melhor e, se for possível, vencer.”

AS: Agora tens uma nova parceria com a Polaris, uma equipa que tem provas dadas no Dakar. O que é que esperas desta nova parceria?
Gonçalo Guerreiro: “O que eu espero é que as coisas corram bem já no Dakar e que possamos manter a ligação para os próximos anos. A minha ligação com a Polaris já existia desde 2023, portanto não é uma novidade. Mas é sim uma novidade, claro, estar a fazer o Dakar com a Loeb FrayMedia Motorsport com o apoio da Polaris Factory Racing.”
AS: Obviamente, vais para tentar ganhar. Quem ficou o ano passado em segundo, na segunda participação, é quase obrigatório ter que lutar pela vitória. Julgo que em termos pessoais, é isso que tu esperas deste Dakar?
Gonçalo Guerreiro: “Sim, é isso que eu espero. E ao fim ao cabo é aquilo que, quando um piloto está habituado a vitórias e realmente o que me corre no sangue é tentar ganhar, não é só simplesmente participar.
Isso é para alguns… mas para mim é para vencer. Portanto, tenho que estar preparado para isso.
Acho que 2025 serviu como lição e agora 2026, se Deus quiser, eu acho que temos todos os ingredientes para fazer um bom rali Dakar. Obviamente com muita inteligência, porque o Dakar ‘castiga’, facilmente castiga e te coloca de lado. Portanto, vamos entender qual é que é o ritmo, procurar a sorte também e vamos ver. Mas o Dakar é longo. Obviamente não dá para ter grandes expectativas, mas quando colocarmos o capacete obviamente é para ganhar.”

AS: Tu o ano passado, tendo em conta o plantel que tiveste, comparando-o com o deste ano, é mais ou menos a mesma coisa ou sentes que eventualmente este ano ou o ano passado esse plantel terá sido mais forte?
Gonçalo Guerreiro: “Agora vou correr na categoria SSV. Este ano corri na categoria Challenger. São categorias distintas mas ao mesmo tempo muito idênticas.
Eu acho que, de facto, 2026 o plantel vai estar mais forte do que o que esteve em 2025.
Em 2025 tivemos um Dakar muito extremo, muito difícil, e não sei o que esperar agora de 2026. Mas ao nível de equipas oficiais, apoio de companhias grandes, número de participantes, eu acho que a categoria SSV deu um passo em frente.
E por isso quero acreditar que a competição vai estar ainda mais forte do que já esteve. Portanto, eu acho que a competição é sempre bem-vinda e nós pilotos que gostamos de andar na frente e gostamos de vencer, obviamente gostamos de ter essa competição e de estar a lutar com os melhores.
Portanto, acho isso porreiro e ainda bem que as coisas estão a alinhar-se para um Dakar mais complicado.”
AS: Voltando um bocadinho a Portugal. O que é que significa para ti teres sido campeão de Portugal de Todo-o-Terreno vindo da categoria SSV? É histórico isto que fizeste…
Gonçalo Guerreiro: “Sim, é histórico. Ao fim ao cabo, o sentimento é de gratidão pelo que eu venho vindo a fazer. Obviamente muita coisa passa em ‘off’ e as pessoas não fazem ideia, mas o que é certo é que abdico de muita coisa para estar onde estou, e fazer a trajetória que tenho vindo a fazer. Obviamente, sinto que ainda é o início de carreira, embora não seja, já tenho alguns anos disto, mas eu sinto que ainda estou no início e as coisas têm corrido bem.
O sentimento é um sentimento bom, mas ainda há muito por conquistar.”
AS: Vamos voltar ao Dakar. Como é que descreves a primeira vez que estiveste à partida de um Dakar? Tiveste um choque mais físico, ou mental?
Gonçalo Guerreiro: “Olha, eu acho que foi mais um choque mental. Obviamente físico também porque poderia estar mais bem preparado para, mas dadas as condições e o convite em cima da hora não preparou ao ponto de estar fortíssimo para o Dakar 2025.
Agora em 2026, acredito que, com todo o trabalho que tenho vindo a fazer este ano, consiga chegar mais bem fisicamente. Mas eu acho que o Dakar é mais mental do que físico. Isto porque é o que eu tenho vindo a dizer às pessoas: para mim ir ao Dakar é como reaprender a andar de carro.
Obviamente que as bases tu já tens e tu sabes e sei conduzir, mas conduzir nas condições que o Dakar oferece é diferente, não é? Eu nunca tinha andado em dunas tão grandes, nunca tinha andado sobre tantas pedras, nunca tinha feito 600 ou 700 quilómetros de roadbook num dia.
Portanto, para mim foi como reaprender. Eu que estava super habituado ao CNTT, portanto é um choque de realidade brutal. Mas o que é certo é que cedo adaptamo-nos. Tínhamos uma equipa muito sólida para nos ajudar em todos os pontos que não estávamos confortáveis. A experiência do Cadu (Sachs) também foi crucial. Portanto, juntando todas essas peças, as coisas acabaram por correr bem.”

AS: Achas que ter sido segundo o ano passado coloca-te mais pressão para este ano ou, por outro lado, a experiência acumulada compensa muito mais isso?
Gonçalo Guerreiro: “Não, a pressão neste momento é a normal. É uma pressão que existe. A pressão que eu tenho para ir para as provas é sempre a mesma, não é por estar no Dakar e ter feito segundo, que vou ter mais pressão ou não.
Só temos que entregar um bom trabalho para a equipa, dar o nosso melhor e depois o resultado que vier é o resultado que veio. Nós sabemos do nosso ritmo, sabemos que facilmente ou naturalmente vamos andar no ritmo dos pilotos da frente. Agora é ter cabeça e ser inteligente.”
AS: A propósito disso, como é que se trabalha com a equipa, com os engenheiros, com os mecânicos, com o teu navegador antes de uma grande prova como esta em que se tem que definir ritmo, analisar o risco e traçar os objetivos? Como é que se faz isto tudo?
Gonçalo Guerreiro: “Para ser sincero, ainda não sei porque ainda não trabalhei exatamente com a equipa.
Só temos tido discussões e reuniões. Portanto, ainda não sei a forma de trabalhar da equipa no terreno.
Mas eu acho que a forma como vamos abordar este Dakar vai ser uma forma inteligente.
Somos cinco pilotos integrados na mesma equipa. Sabemos que as coisas mudaram de um ano para o outro e, portanto, a equipa quer manter a primeira posição.
Obviamente que a equipa ganhou as últimas duas edições e sabe que esta edição provavelmente vai ser um pouco mais difícil em termos de andamento e competição. Daí sermos cinco. Portanto, eu acho que a equipa está a colocar as fichas todas para, claro, vencermos o Dakar. A forma como vamos abordar, vamos ter que ver. Vamos ter que ver o ‘debrief’ de cada etapa e perceber qual é que é a etapa que se tem que atacar e não. Porque o Dakar tem muitas variáveis e não dá para andar a 100% todos os dias.
AS: Há algum erro que tenhas cometido o ano passado na tua estreia no Dakar, que estás proibido de esquecer para este ano? Alguma coisa que tenha acontecido?
Gonçalo Guerreiro: “Sim, fiz vários. Fiz várias coisas um pouco parvas, coisa de rookie. O que é certo é que nunca desisti e nunca fui colocado fora de prova. Portanto, obviamente espero ter aprendido com os erros que cometi e este ano não voltar a ter esses problemas. Mas é difícil, duas semanas a correr é difícil não teres algum imprevisto. Mas a ideia é tentar colocar os imprevistos de lado e ter um Dakar limpo. Mas sabemos da dificuldade que é, é praticamente impossível não cometer um erro aqui, outro ali…”

AS: Pois. Há algum tipo específico do percurso onde te sintas menos confortável?
Gonçalo Guerreiro: “É assim, as pedras basicamente é onde dita o jogo. Os carros hoje em dia já são carros muito bons e o Polaris é um carro muito bom a andar em pedra, mas os pneus não são imortais.
Portanto, eu diria que as pedras é onde vai definir um pouco o jogo de 2026 porque ao que parece vamos ter mais pedra do que aquilo que tivemos em 2025.
Portanto, não me sinto tão confortável a andar numa superfície em que pode não ser um erro teu que te coloque fora. Portanto, eu diria que seriam as pedras.
As dunas são sempre complicadas, mas este ano estamos mais bem preparados, mas ainda assim, não diria que estamos perfeitos. Mas enfim, há que trabalhar mais, há que ter mais experiência e eu acho que o Dakar oferece essa experiência para cada vez mais limares as arestas. Portanto, certamente vou estar mais pronto que em 2025, mas não diria que estou já a 100%.”
AS: Pois. Se pudesses escolher entre não ter azares com furos, pelo menos muitos (um furo ou outro todos vão ter), ou passares sempre as dunas sem problemas, o que é que tu escolhias?
Gonçalo Guerreiro: “Ah! Ter um Dakar sem pedra. Porque a pedra é realmente o que te coloca fora do jogo e tu sem saberes o que fazeres porque ao fim ao cabo o roadbook manda-te andar sobre pedras durante 300, 400 quilómetros.
E é difícil nestes 300 ou 400 quilómetros não teres pelo menos um ou dois furos. E tu sabes e nós apenas podemos levar duas rodas suplentes. Se por acaso temos um infortúnio e temos um impacto maior e temos três furos, estamos automaticamente fora do rali a não ser que um competidor nos ofereça uma roda. E por norma, numa etapa quase só de pedras, ninguém oferece nada a ninguém, não é? Então, lá está, tem que haver essa gestão, temos que ser inteligentes. Portanto, eu diria que a pedra é sem dúvida aquilo que eu removeria do Dakar. Mas que não pode ser, como sabemos…”
AS: Para terminar, na tua carreira tudo tem acontecido muito depressa. Onde é que te vês daqui a 10 anos? Como é que imaginas a tua carreira no TT mundial daqui a uma década?
Gonçalo Guerreiro: “É difícil fazer previsões, para te ser sincero. Não sei. Se me dissessem quando eu comecei em 2018 que em 2025 estaria a fazer o Dakar e 2026 novamente, eu não acreditava.
Porque sou super abençoado conforme as coisas acontecem. Nada é forçado, tenho feito o meu próprio caminho pelo meu próprio pé, claro com a ajuda da minha família e amigos. Portanto, eu acho que é continuar a fazer o meu caminho e esperar que o tempo traga coisas boas. Portanto, não consigo imaginar daqui a 10 anos qual é que será o projeto que possa vir a estar integrado, qual é que é a máquina. E também não quero fazer previsões porque não gosto disso.”
AS: Mas tens vontade de um dia chegar mais alto, à categoria Ultimate, por exemplo?
Gonçalo Guerreiro: “É uma coisa que naturalmente, ainda não penso. Vou deixar as coisas acontecerem. Não é algo que será forçado. Através, com as minhas próprias condições, não estarei. Portanto, teremos que esperar. O tempo trará coisas novas, talvez. O tempo dirá!”
FOTOS Kin Marcin/ Red Bull Content Pool; , Flavien Duhamel / Red Bull Content Pool e Oficiais
O Autosport já não existe em versão papel, apenas na versão online.
E por essa razão, não é mais possível o Autosport continuar a disponibilizar todos os seus artigos gratuitamente.
Para que os leitores possam contribuir para a existência e evolução da qualidade do seu site preferido, criámos o Clube Autosport com inúmeras vantagens e descontos que permitirá a cada membro aceder a todos os artigos do site Autosport e ainda recuperar (varias vezes) o custo de ser membro.
Os membros do Clube Autosport receberão um cartão de membro com validade de 1 ano, que apresentarão junto das empresas parceiras como identificação.
Lista de Vantagens:
-Acesso a todos os conteúdos no site Autosport sem ter que ver a publicidade
-Desconto nos combustíveis Repsol
-Acesso a seguros especialmente desenvolvidos pela Vitorinos seguros a preços imbatíveis
-Descontos em oficinas, lojas e serviços auto
-Acesso exclusivo a eventos especialmente organizados para membros
Saiba mais AQUI






