WRC: Malcolm Wilson revive os primeiros tempos da M-Sport

Por a 11 Abril 2024 11:11

Tal como sucedeu com Jean-Pierre Nicolas (Peugeot) ou Guy Frequelin (Citroën), também Malcolm Wilson começou a sua carreira atrás do volante, embora no caso do britânico sem o sucesso dos seus rivais franceses – que chegaram a vencer provas no ‘Mundial’ na década de 70 e 80.

A razão talvez esteja precisamente na visão empresarial que Malcolm Wilson sempre teve da disciplina, fundando a sua primeira empresa, a “Malcolm Wilson Motorsport”, apenas cinco anos depois da sua estreia como piloto, em 1973. Talvez por isso, na hora de pendurar o capacete, a transição para o mundo empresarial foi relativamente fácil. Afinal, Malcolm Wilson sempre considerou que tem o melhor emprego de todos.

A ligação entre Malcolm Wilson e a Ford remonta quase à infância deste britânico, nascido e crescido em Cumbrian, de onde aliás teimou em nunca sair, mesmo quando recebeu um convite de Martin Withaker para tomar conta dos destinos da Ford no “Mundial” de Ralis… mas em Essex. De início, Malcolm Wilson até considerou essa hipótese. “Mas numa noite acordei e pensei para comigo: nem pensar! Não conseguiria fazer o meu trabalho se tivesse de sair de Cumbria. Na manhã seguinte telefonei ao Martin Withaker e disse-lhe que o sonho tinha mesmo acabado. Ou ficava em Cumbria ou nada feito.”

Só que tudo mudou num célebre Rali dos 1000 Lagos, em 1996, quando o então piloto privado da Ford, Jarmo Kytolehto, que na altura recorria aos serviços de Malcolm Wilson, bateu os oficiais Carlos Sainz e Bruno Thiry. “No dia seguinte, recebi outro telefonema e as negociações recomeçaram”.

E pouco tempo depois, o mesmo miúdo que aos oito anos já conduzia um Ford Anglia, no terreno que ficava à frente da casa dos pais, dava início a uma profícua ligação com a Ford. O pontapé de saída foi dado oficialmente no “Monte Carlo” de 1997. E desde aí, muita coisa mudou na rebaptizada M-Sport, com sede em… Cumbria.

A LEI DO PROGRESSO

De facto, os ralis passaram a ter outro tipo de exigências, com a tecnologia a substituir cada vez mais a mão-de-obra nos ralis. “Lembro-me que no nosso primeiro ‘Monte Carlo’, em 1997, tínhamos cerca de 100 pessoas envolvidas na nossa estrutura, sendo que apenas dois eram engenheiros. Alguns anos depois a M-Sport já deslocava 40 a 50 para uma prova, sendo que dessas, dez eram engenheiros. As restantes pessoas ficavam a trabalhar em ‘casa’, por detrás do palco. Nessa altura a tecnologia deu efetivamente um salto incrível e os métodos de trabalho tiveram se adaptar a essa realidade, nomeadamente quando começaram a surgir no terreno os primeiros World Rally Car. Por exemplo, a maioria do nosso trabalho concentrava-se na simulação ou reprodução dos ralis, mas diante de um computador e se levarmos em conta que isto era há 16 anos, imagine-se agora. Parece contraditório, mas na verdade poupava-se muito mais do que a testar no terreno. Para além disso, os orçamentos das equipas vieram sempre a diminuir”.

MUITAS RECORDAÇÕES

Mas que recordações guarda Malcolm Wilson dos primeiros anos como director desportivo da Ford Motor Company? “Logicamente que as vitórias são sempre as nossas melhores recordações. Lembro-me do triunfo na ‘Acrópole’ em 1997, por ter sido o nosso primeiro no ‘Mundial’, mas também no ‘Safari’ de 1999, pois foi a primeira vitória com o Focus. Mas talvez a fase mais emocionante desses anos tenha sido precisamente o desenvolvimento do Focus WRC, devido às elevadas expectativas que foram depositadas pela Ford nesse projeto. Foi, de facto, um passo gigantesco quando comparado com o Escort WRC”.

O MOMENTO MAIS DRAMÁTICO

Pelo contrário, o momento mais dramático dos primeiros tempos de M-Sport aconteceu no final da temporada de 2003, “quando fomos confrontados com a hipótese da Ford pura e simplesmente se retirar do ‘Mundial’. Foram tempos bastante angustiantes, tanto para mim como para toda a equipa. Ainda por cima quando todos tínhamos a sensação de ter um carro capaz de vencer e lutar pelo título. Para além disso, não estava minimamente preparado para ter de dar uma notícia deste tipo e tão triste a 120 pessoas”. Mas tudo se resolveu pela positiva na altura e nos últimos anos a mesma ameaça surgiu, mas a verdade é que a M-Sport está cá para ficar.

Qual o piloto favorito de Malcolm Wilson?

Ao longo dos anos, foram muitos os pilotos a trabalhar sob as ordens de Malcolm Wilson, mas logicamente que uns deixaram mais saudades que outros. Mesmo sem revelar o seu preferido, Malcolm Wilson não se escusou a deixar algumas pistas: “O Colin (McRae) foi talvez o mais impressionante de todos. A minha maior desilusão de todas foi nunca ter conseguido chegar ao título mundial com ele. Nunca esquecerei a forma como conduzia. Lembro-me concretamente das duas primeiras especiais do Rali de Portugal de 1999, quando ele assinou dois tempos verdadeiramente incríveis. Cheguei-me a questionar qual o tipo de motor que ele estaria a usar no seu carro.

De qualquer forma, a maior admiração – e respeito – vai para mesmo Carlos Sainz. “É impressionante a dedicação que ele coloca em tudo o que faz. Nunca trabalhei com um piloto assim. Era e continua a ser um verdadeiro profissional”. Depois, havia ainda Petter Solberg: “Costumava dizer que ele era como um relógio a que nunca é preciso dar corda. O entusiasmo dele sempre foi contagiante…”.

A curiosa história da M-Sport

A M-Sport está situada em Cumbria, um lugar recôndito longe das civilizações tecnológicas situadas nas grandes metrópoles do Reino Unido. Mas há várias razões para isso. Ser a terra natal de Malcom Wilson, o director desportivo da equipa Ford Motor Company Ltd., é uma delas. O homem que dirige os destinos da equipa lutou por essa possibilidade que hoje é vista como uma vitória para toda a formação. Em primeiro lugar, mudar as instalações de Boreham para Cumbria acabou por ser uma situação largamente vantajosa pelo apoio dado pelas autoridades locais que não pouparam facilidades na instalação do empreendimento, numa vila onde os postos de trabalho escasseavam. De resto, há também algumas curiosidades acerca do local onde foram fixadas as infraestruturas da M-Sport que ajudam a explicar a preferência por esta acolhedora terra.

Na perspectiva de Christian Louriaux, antigo e destacado engenheiro da M-Sport: “como isto fica longe de tudo, dentro da equipa nota-se mais dedicação e lealdade no trabalho das pessoas, pois como a concorrência está longe, quem quiser deixar a equipa terá sempre que pensar duas vezes”.

Caricato é também o facto da Dovenby Hall concentrar muita “magia”. É que as instalações estavam situadas numa propriedade rural, que já foi uma quinta e depois um hospício! De hospício a “fábrica” de carros de competição, foi um pequeno passo já que a adaptação das divisões onde engenheiros, técnicos e pessoal da logística podem trabalhar não foi, de todo, complicada. Sem dúvida, um ambiente diferente…

Miguel Cunha

Mecânicos portugueses

Hoje, a vida já os fez dar outras voltas, mas nos primórdios da M-Sport cedo surgiram dois portugueses, que ainda hoje estão ligados aos automóveis, embora José Azevedo tenha saído da M-Sport para a Volkswagen Motorsport, e dado depois outras ‘voltas’

Há muito que o sotaque português se faz ouvir em Cumbria. Miguel Cunha foi o primeiro a pedir emprego a Malcolm Wilson quando trabalhava na Peres Competições, durante o Rali de Portugal de 2000, pouco tempo antes de aprender a montar o Focus RS WRC “de uma ponta à outra”. Uma missão que repartiu muito tempo, curiosamente, com outro português, José Azevedo, em tempos, seu colega de carteira. E é precisamente Azevedo que deixa uma ideia do que é que significava montar um puzzle chamado Focus WRC onde “apenas se iam buscar cinco peças originais ao modelo Focus (e mesmo assim todas reforçadas), num trabalho que podia demorar entre dois dias e duas semanas dependendo do fator urgência!” Na montagem de um carro ou a fazer os alinhamentos e substituir peças nos Parques de Assistência, uma coisa é certa: tédio era coisa que os dois portugueses não tinha, especialmente enquanto houve ‘Latvalas’ na equipa capazes de transformar um carro em algo mais parecido com um bolo caído ao chão, como aconteceu no Rali de Portugal de 2009.

Bernardo Fernandes chegou a ser engenheiro de Sébastien Ogier, responsável pela segunda evolução do Ford Fiesta Rally2, Valter Ribeiro continua nos ‘motores’, é Engine Calibration/Event Support Engineer da M-Sport. são apenas exemplos, na história da M-Sport foram e são muitos mais.

MALCOLM WILSON

A longa carreira de Malcolm Wilson como piloto teve mais momentos baixos do que altos, conhecida que era a sua propensão para… passar dos limites. A sua estreia aconteceu em 1973, com as primeiras vitórias a surgirem em ralis locais, então já com um Ford Escort privado – um carro que já explorava como poucos.

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