WRC 50: O dia em que Bjorn Waldegaard desafiou Cesare Fiorio…

Por a 16 Novembro 2022 11:50

Sem dúvida, ‘o rali’ da época de 1976 foi sem dúvida o Sanremo, desta vez realizado inteiramente em asfalto. Vários meses antes, o Lancia Stratos tinha alcançado um sensacional triplo pódio no ‘Monte’, Sandro Munari, Björn Waldegård e Bernard Darniche. Nessa ocasião, Cesare Fiorio, o diretor da equipa italiana, tinha rapidamente ‘chamado à pedra’ Waldegård quando começou a exercer pressão sobre Munari. Em outubro, uma cascata de incidentes varreu as equipas rivais que que criou um confronto ‘tête-a-tête’ entre os dois mestres supremos dos Stratos.

A fim de garantir a vitória, Fiorio instruiu estes dois grandes rivais a deixar de lado o seu duelo – até ao início da etapa final. Waldegård chegou lá com uma vantagem de quatro segundos sobre Munari.

Aí, Fiorio, quis segurar o sueco durante precisamente quatro segundos para dar a ambos uma oportunidade igual de vitória. Irritado com isto, Bjorn atirou-se de novo à luta para recuperar aquela desvantagem de quatro segundos tão discutível imposta pela equipa – mesmo que os dois pilotos a tivessem aceite na altura.

Nessa noite, ainda em Sanremo, Waldegärd telefonou ao chefe de equipa da Ford, Peter Ashcroft. Nesse ano, levou um Escort RS1800 ao terceiro lugar no RAC e juntou-se à equipa britânica em 1977. 

Simplesmente, uma era tinha terminado, e outra tinha começado. conheça melhor o percurso de Waldegaard…

Um dia, na década de 70, penso que no AutoSport, vi uma foto que me deixou pasmado: um Ford Escort em posição acrobática numa curva para a direita, com uma roda da frente suspensa no vácuo e a traseira em derrapagem perfeitamente controlada. A foto foi tirada num Rali Vinho do Porto e o piloto era Bjorn Waldegaard – o sueco voador. Bjorn Waldegard morreu a 29 de Agosto de 2014 de cancro, aos 70 anos de idade.

Ao longo dos tempos, sempre ouvi falar dos “Finlandeses Voadores”, quando o assunto eram os ralis. Acredito que os pilotos da Finlândia merecessem esse apoio e que o tivessem garantido através das acrobacias que naturalmente faziam ao longo das provas realizadas no seu país, em especial nos famosos Mil Lagos. Certamente um nome errado, ou pelo menos enganoso – porque, a juntar aos mil lagos, essa prova tinha, isso sim, uns mil saltos! E terá sido de salto em salto que os pilotos de ralis finlandeses ganharam a fama de voadores.

Pois bem, hoje vou falar de um piloto que não precisava nada dos saltos finlandeses para voar. O seu nome é Bjorn Waldegaard e, pela sua pilotagem exuberante, bem pode ser chamado de “Sueco Voador”. Foi graças a ele que conseguir gostar de ralis – e foi também graças à sua inspirada técnica de derrapagem e de espetáculo ao volante que, mais tarde, adotei Henri Toivonen, praticante de uma técnica semelhante, como o meu (único) ídolo nos ralis.

O primeiro Campeão do Mundo

Bjorn Waldegaard nasceu numa cidadezinha com um nome curioso: Solna. Tinha apenas 18 anos quando se estreou, nas florestais do seu país, com um VW “Carocha”, depressa passando para o volante de um bem mais interessante Porsche, com o qual se foi divertindo, como privado, nos anos seguintes. E foi a Porsche a sua primeira “casa” oficial, em 1968, ganhando de imediato o Rali da Suécia. No ano seguinte, consagrou-se no mítico Rali de Monte Carlo e, até conquistar o primeiro título de Campeão do Mundo de Ralis, em 1979, “Walle” assumiu-se com um piloto versátil, igualmente rápido e demolidor em qualquer tipo de piso, asfalto ou terra, mas especialmente virtuoso na neve. Senhor de uma enorme potência física e de um carácter orgulhoso, mantinha sempre uma calma glaciar nos momentos mais difíceis.

A versatilidade de Bjorn Waldegaard levou-o mesmo a estender os seus interesses às provas de velocidade, como o Targa Florio, onde obteve um 5º lugar absoluto com um Porsche 908, em 1970.

Cinco anos mais tarde, foi contratado por Cesare Fiorio para pilotar o magnífico Lancia Stratos, dominando, com uma pilotagem de antologia, na neve da Suécia e ajudando a marca a conquistar o título mundial de construtores, façanha que repetiu em 1976. Porém, Waldegaard protagonizou no Sanremo desse ano um episódio que define bem a sua personalidade forte e competitiva e que já referimos no início do texto: na frente da prova, com quatro segundos de vantagem sobre Sandro Munari à entrada para a última etapa, o sueco recebeu ordens para ‘deixar tudo a zeros’ com o italiano, o que cumpriu. Porém, na derradeira classificativa desobedeceu às ordens recebidas e ultrapassou Munari, vencendo a prova. Em consequência, abandonou a Lancia e assinou pela Ford.

Logo em 1977, conquistou com o Escort três das principais provas de ralis de então: o Safari, o Acrópole e o RAC. Dois anos mais tarde, quando o título foi finalmente instituído, sagrou-se Campeão do Mundo, dividindo-se entre o leve e ágil Ford Escort e o poderoso Mercedes-Benz 500 SLC, com o qual bateu na derradeira prova do calendário, o Rali da Costa do Marfim, o seu principal rival, Hannu Mikkola, garantindo o ceptro.

Bjorn Waldegaard nunca perdeu a espectacularidade da sua pilotagem musculada. Dos 95 ralis pontuáveis para o Campeonato do Mundo, em que participou entre 1973 e 1992, ganhou 16. Waldegaard tornou-se o primeiro especialista nas picadas africanas, ao vencer o Safari, no Quénia, por quatro vezes (1977, 1984, 1986 e 1990) e o Costa do Marfim por três (1980, 1983 e 1986). Além disso, exibindo uma costela mundialista e manifestando que o “jet lag” não era com ele, ganhou também no Québec, em 1979, e na Nova Zelândia, em 1982. Hans Thorszellius foi sempre o seu navegador, até ser substituído, em 1986, por Fred Gallagher.

Em 1992, obviamente que durante mais um Safari, Waldegaard sofreu um violento acidente, quebrando uma perna. Em consequência disso, decidiu que era altura para pendurar o capacete: tinha 48 anos e, ainda hoje, é dele o recorde de piloto mais velho a vencer uma prova do Mundial; adivinhe qual? O Safari, em 1990, aos 46 anos!

Em terras lusas

Björn Waldegaard veio por 11 vezes a Portugal. A primeira delas foi logo em 1973, naquele que foi o seu segundo rali no WRC. E, até 1975, desistiu sempre. Nunca conseguiu vencer a prova, mas subiu ao pódio por três vezes – 2º em 1977 e 1979, com o Ford Escort RS1800 e 3º em 1981, com um Toyota Celica 2000 GT.

E foi precisamente com o Ford Escort RS1800 que entrou para o imaginário dos ralis nacionais. Em 1977, lutou que nem um leão com Markku Alen, que tinha um FIAT 131 Abarth e perdeu . Depois, em 1979, a luta foi mais amena, mas mesmo assim, bem viva, com o seu colega de equipa Hannu Mikkola, perdendo-a por menos de três minutos.

Björn, o Africano

Em África, houve o Preste João, rei dos domínios da Cristandade a caminho do Índico, lá para os lados de onde hoje fica a Etiópia. Isso foi há muitos e longos séculos, nos primórdios, reza a lenda, do anterior milénio. Mais tarde, apareceram outros reis, como o orgulhoso Gungunhana. Mas, mais tarde ainda, quando as máquinas feitas pelos homens eram outras e desbravavam terras inclementes, outros homens reinaram por estas terras. Um deles foi um tal de Björn, rei de Aquém e Além Safari e de Terras da Costa do Marfim. Passamos a explicar…

Waldegaard – pois é mesmo deles que se trata – era nórdico, voava sem fim nos saltos mais rápidos do seu país e arredores. Mas também tinha uma especial predileção por todos os tipos de terreno em que as dificuldades a vencer eram para homens de barba rija. E, claro está, para carros de rija mecânica.

No seu longo e oscilante percurso pelo WRC, em que muitas das temporadas fazia dois ou três provas apenas, foram muitas as vezes que aterrou em África, para participar no Safari, que usava as estradas terríveis e imprevistas do Quénia, ou na prova que atravessava as florestas tropicais e torridamente húmidas da Costa do Marfim. Com sucesso quase garantido, entenda-se. Das 16 vitórias em provas do WRC, sete delas foram estabelecidas ou no Safari (1977, 1984, 1985 e 1990), ou na Costa do Marfim (1980, 1983 e 1986). Já agora e para que conste ainda da sua apetência ara brilhar longe de portas, registem-se os seus trunfos na Nova Zelândia (1982) e no Critério do Québec (1979). O que quer dizer que mais de metade das suas vitórias no WRC foram garantidas muito longe das reconfortantes classificativas europeias.

Mas, regressando a África, Waldegaard correu no Safari pela primeira vez em 1973, desistindo com um Porsche 911. Depois, voltou lá todos os anos, com exceção de 1981 a 1983. Desistiu por quatro vezes, a última delas em 1992, quando quebrou uma perna num acidente que acabou com a sua carreira. A sua pior classificação foi o 10º lugar em 1980, com um Mercedes-Benz 450 SLC e, para lá dos triunfos, subiu por mais três vezes ao pódio: 2º em 1974 e 1985 e 3º, em 1975.

Já na Costa do Marfim esteve menos vezes – até porque a prova esteve também menos vezes no calendário do WRC. Em 1979, a sua primeira vez, foi 2º, com Mercedes-Benz 450 SLC. Ganhou no ano seguinte, em 1983 e em 1986, abandonou em 1981 e 1987, foi 3º em 1982 e 2º em 1985.

Ou seja e em resumo dos 95 ralis do WRC que disputou, 25’ foram realizados em África – 17 no Safari e oito na Costa do Marfim.

BÖRN WALDEGAARD

Nome: Björn Waldegaard

Nascimento: Solna, 12 de Novembro de 1943 (70 anos)

Estreia na competição: 1962 (ralis)

WRC: 19/01/1973-01/04/1992

Ralis WRC: 95

1º Rali WRC: Monte Carlo 1973

Último Rali WRC: Safari 1992

Vitórias: 16

1º Vitória WRC: Suécia 1975

Última Vitória WRC: Safari 1990

2º lugares: 10

3º lugares: 9

Pódios: 35

Classificativas ganhas: 290

Pontos: 428

Títulos: 1 (1979)

1967 – Campeão da Suécia de Ralis

1968 – Campeão da Suécia de Ralis

PALMARÉS WRC

1973 – FIAT 124 Abarth Spider: 3 ralis; VW 1303S: 1 rali; Porsche 911: 1 rali; BMW 2002tii:4 ralis. Total: 9 ralis

1974 – Toyota Celica GT: 1 rali, Toyota Corolla 1600. 1 rali; Porsche 911: 1 rali; Opel Ascona: 1 rali. Total: 4 ralis

1975 – Lancia Stratos HF: 5 ralis (2 vit.); FIAT 124 Abarth Spider: 1 rali; Toyota Corolla 1600: 1 rali. Total: 7 ralis

1976 – Lancia Stratos HF: 5 ralis (1 vit.); Ford Escort RS1800: 1 rali. Total: 6 ralis

1977 – Ford Escort RS1800: 6 ralis (3 vit.). 2º WRC, 30 pontos

1978 – Ford Escort RS1800: 3 ralis (1 vit.); Porsche 911: 1 rali. 14º WRC, 8 pontos

1979 – Ford Escort RS1800: 7 ralis (2 vit.); Mercedes-Benz 450 SLC: 2 ralis. 1º (Campeão) WRC, 120 pontos

1980 – FIAT 131 Abarth: 2 ralis; Mercedes-Benz 450 SLC: 3 ralis; Mercedes-Benz 500 SLC: 3 (1 vit.); Toyota Celica 2000 GT: 1 rali. Total: 9 ralis. 3º WRC, 63 pontos

1981 – Ford Escort RS1800: 1 rali; Toyota Celica 2000 GT: 6 ralis. Total: 7 ralis. 18º WRC, 17 pontos

1982 – Porsche 911 SC Almeras: 1 rali; Toyota Celica 2000 GT: 4 ralis (1 vit.). 6º WRC 36 pontos

1983 – Toyota Celica Twincam Turbo (TCT): 3 ralis (1 vit.); Ferrari 308 GTB: 1 rali. 11º WRC, 20 pontos

1984 – Toyota Celica TCT: 5 ralis (1 vit.). 8º WRC, 28 pontos

1985 – Toyota Celica TCT: 5 ralis. 8º WRC, 34 pontos

1986 – Toyota Celica TCT: 3 ralis (2 vit.). 4º WRC, 48 pontos

1987 – Toyota Supra 3.0i: 2 ralis; Toyota Supra Turbo: 1 rali. 36º WRC, 6 pontos

1988 – Toyota Supra Turbo: 1 rali; Toyota Celica GT-Four ST165: 2 ralis. 17º WRC, 16 pontos

1989 – Toyota Celica GT-Four ST165: 2 ralis. Toyota Supra Turbo: 1 rali. 29º WRC, 10 pontos

1990 – Toyota Celica GT-Four ST165: 1 rali (1 vit.). 12º WRC, 20 pontos

1991 – Toyota Celica GT-Four ST165: 1 rali. 26º CM, 10 pontos

1992 – Lancia Delta HF Integrale: 1 rali. Não pontuou

Outras vitórias:

1969 – Monte Carlo (Porsche 911 S)

1970 – Monte Carlo (Porsche 911 S)

1970 – Suécia (Porsche 911 S)

1970 – Alpes Austríacos (Porsche 911 S)

AS VITÓRIAS DE WALLE NO WRC

1975 – Suécia (Lancia Stratos HF)

1975 – Sanremo (Lancia Stratos HF)

1976 – Sanremo (Lancia Stratos HF)

1977 – Safari (Ford Escort RS 1800)

1977 – Acrópole (Ford Escort RS 1800)

1977 – RAC (Ford Escort RS 1800)

1978 – Suécia (Ford Escort RS 1800)

1979 – Acrópole (Ford Escort RS 1800)

1979 – Critério do Québec (Ford Escort RS 1800)

1980 – Costa do Marfim (Mercedes-Benz 500 SLC)

1982 – Nova Zelândia (Toyota Celica 2000 GT)

1983 – Costa do Marfim (Toyota Celica TCT)

1984 – Safari (Toyota Celica TCT)

1986 – Safari (Toyota Celica TCT)

1986 – Costa do Marfim (Toyota Celica TCT)

1990 – Safari (Toyota Celica GT-Four ST 165)

Nota: Em todas as vitórias foi acompanhado pelo seu amigo Hans Thorszelius, com exceção das três últimas, onde teve a seu lado Fred Gallagher

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