“O WRC não mudou praticamente nada durante 10 anos”

Por a 15 Novembro 2023 12:42

“Estamos numa posição difícil”; “O WRC não mudou praticamente nada durante 10 anos”; “a Fórmula 1, muda os seus formatos quase ‘todos os dias’”; “Não vejo um plano, nem sequer vejo um plano para os próximos seis meses. Quanto mais para os próximos cinco anos”; “Se o poder do espetáculo, o marketing e o burburinho em torno do WRC forem suficientemente elevados, os construtores virão por si próprios”, excerto de uma longa conversa com Richard Millener.

Que o WRC precisa de mudanças já todos perceberam, há mais de um ano que se fala no tema, desde o Rali de Portugal deste ano que o tema foi verdadeiramente espoletado com Cyril Abiteboul a fazer ouvir fortemente a sua voz relativamente ao assunto.

E o que sucedeu depois disso?

Houve durante muito tempo, conversas entre as equipas, Promotor e FIA, que culminaram na Grécia com um conjunto de propostas para ser levadas a Conselho Mundial em dezembro.

Segundo o que sabemos, a montanha vai parir um rato e as mudanças serão curtas para o que é preciso.

As coisas têm demorado muito mais do que seria necessário e a conversa que tivemos com Richard Millener da M-Sport/Ford, espelha bem o que podia estar a ser feito e muito provavelmente vai continuar em banho-maria, ou pior, na gaveta.

O que vai sair cá para fora é muito pouco para o que o WRC precisa, alguns ajustes na estrutura das provas, e pouco mais…

Comecei a conversa com Richard Millener a dizer-lhe que estávamos preocupados com o futuro do WRC já há alguns anos, dando como exemplo a distância entre a Fórmula 1 e o WRC, que era muito menor do que é agora. Perguntei-lhe o que achava poder ser feito no WRC para mudar, para que o WRC possa crescer em todos os aspetos? “Estamos numa posição difícil. Penso que, comparando com a Fórmula 1. Neste momento, já é bastante complicado chegar lá devido à dimensão que atingiram. Está a explodir. Mas tenho a certeza que a popularidade da Fórmula 1 vai voltar a descer porque não é sustentável como está agora (nota: a conversa já foi algum tempo, esse decréscimo de popularidade da F1 já está a notar-se). Mas também concordo que a distância entre os dois desportos aumentou e, na minha opinião, temos de fazer algumas mudanças radicais muito rapidamente no WRC. Acho, sinceramente, que o desporto não se desenvolveu nem mudou praticamente nada durante 10 anos, desde que foi introduzida a Power Stage. Fomos trabalhando de forma preventiva e improvisada no WRC, mas se olharmos para a Fórmula 1, que muda os seus formatos quase ‘todos os dias’, não podemos deixar de pensar nisso” começou por dizer Millener, que se mostra preocupado com a falta de perspetivas do WRC: “Não vejo um plano, nem sequer vejo um plano para os próximos seis meses. Quanto mais para os próximos cinco anos. Teremos certamente um plano a longo prazo. E também precisamos de melhorar muito, muito, muito o nosso marketing…” disse Millener.

Pedimos-lhe exemplos de coisas que podem ser feitas para começar a mudar as coisas…

“Se formos à rua e pedirmos a qualquer pessoa que nos diga o nome de um piloto. Na F1, é provável que consigam nomear metade do plantel, mesmo que não vejam as corridas. Se pedirmos a qualquer pessoa para nomear um piloto de rali, a maioria dos que nos vão dizer, se calhar já não estão a correr… É uma afirmação e tanto. Mas é verdade.”

“O promotor, para sermos justos com eles, organizou um workshop muito bom sobre as redes sociais e teve alguns oradores que falaram sobre o Tik Tok, o YouTube, o Facebook, Instagram.

Estamos tão atrasados, é incrível. É incrível”, disse Millener recordando que as coisas mudaram muito para todos os desportos: “As coisas são muito diferentes, mas temos de ter connosco a geração mais jovem, e temos tanto conteúdo, tanta capacidade de produzir coisas para nos fazer parecer melhores, e não o estamos a fazer.”

“Eu dei-lhes ideias, nós, como equipa, demos ideias, há tantas coisas fáceis que podíamos criar… por exemplo as conferências de imprensa. Digam-me o que foi dito, ninguém sabe, e a transcrição? Uma das estatísticas que apresentei foi que 54% das pessoas utilizam agora conteúdos de vídeo, em vez de meios de comunicação escritos. Gravávamos a conferência de imprensa, mas não mostravamos a conferência de imprensa.

Gravar a conferência de imprensa, fazer algumas perguntas que fossem um pouco mais leves, podíamos dividir uma resposta de dois minutos em três clipes e usá-la como clipes diferentes no Tik, Tok, ou no Instagram, ou o que quer que fosse, podíamos usá-la durante uma semana.

Não há custos, não custa nada, mas não o fazemos. Porque é que não o fazemos? Porque é que não surgem ideias?

“E o desporto? Estamos sempre a dizer que a tecnologia que vamos ter vai trazer-nos mais fabricantes. É completamente ao contrário. A tecnologia é quase irrelevante, nalguns aspectos.

Se o poder do espetáculo, o marketing e o burburinho em torno do desporto forem suficientemente elevados, os construtores virão por si próprios”, disse Millener, mostrando que há gente no WRC que sabe identificar os problemas e como os resolver, o que parece é haver dificuldades fruto de processos demasiado burocráticos e complicados: “Olhem para a Fórmula 1. Vejam o que está a acontecer. Têm novas equipas. Estão a alinhar-se. Porquê? Porque é tão popular. Têm muito retorno dos investimentos. Tanto valor….”

“E no WRC, as pessoas vêm a um parque de assistências e fica frustrada. Vão-se embora…

O parque de assistência tem uma ótima disposição. Mas se não estiverem cá os carros não há nada a acontecer. O WRC tem de ser um festival. É preciso vir aqui para passar um dia com a família. Se os carros não estiverem cá, tem de haver algum entretenimento das nove às cinco horas para lá dos carros. Fazer com que as pessoas queiram voltar.

Se as pessoas vierem aqui e andarmos à volta, com um parque de assistência vazio e sem nada que seja intenso, não vai atrair as pessoas, e atrair as pessoas não é o que estamos a fazer hoje em dia.

E há mais de 10 anos que isto está a acontecer. É, são 10 anos de série. É muito difícil vender o WRC aos patrocinadores. É muito difícil de ver. Honestamente, pode ser bastante aborrecido.

Para nós não é aborrecido porque adoramos. Se não estivermos especificamente interessados em ralis e assistirmos a toda a vida e virmos 20 carros, passar por um troço de 20 quilómetros, e não acontecer nada, nem acidentes, nem nada importante, se for aborrecido, não vai atrair nenhum fã” disse Richard Millener, explicando que os ralis são muito mais difíceis de ver na TV, (ou num ecrã de smartphone) do que a F1, pro exemplo, em que as coisas têm momentos específicos, horários para acontecer e centram a atenção das pessoas, enquanto os ralis se dividem por várias horas numa dia, vários dias numa semana e isso mantém os adeptos ‘hardcore’ ligados, mas esse estão muito, muito, muito longe de chegar. É preciso os outros, é preciso as novas gerações e essas só se conquistam com Instagram, Tik Tok, Facebook Reels, fazendo pequenos clips, e os ralis, sendo uma disciplina tão emotiva, que proporciona tanto espetáculo, se tiver pessoas dedicadas a explorar o que as câmaras da WRC TV forem recolhendo ao longo do tempo terão a capacidade de criar conteúdos absolutamente fantásticos e o WRC não tem conseguido fazer isso, pelo menos na escala que é necessária. E Richard Millener falou-nos de um workshop que o Promotor fez no Rali de Portugal: “disseram-nos que as redes sociais, como o TikTok, não são cronológicas. Não importa quando é que a filmagem foi feita, pode ser há 10 anos. Há 20 anos, hoje, amanhã, ontem, há duas semanas. Não faz qualquer diferença. Desde que o conteúdo seja interessante, interativo e cativante, os fãs vão ficar com ele. Alguns, são casos de estudo, alguns vídeos curtos que funcionam com a conquista de centenas de milhares de seguidores numa semana. Depois, quando voltamos ao nosso patrocinador e dizemos que vimos um crescimento de 150% nas nossas redes sociais por causa do que temos feito nas redes sociais e isso é alcance genuíno que temos, é absolutamente genuíno. Depois, o patrocinador começa a dar ouvidos, e isso começa a fazer com que o elemento competitivo do desporto seja quase irrelevante”, explicou, revelando depois o seu receio: “Se não for assim, vai desaparecer a este nível, vai desaparecer. Tenho tanto medo de ter apenas três construtores e basta que um desapareça para termos um problema ainda maior…”

Aproveitámos a deixa anterior dando como exemplo a Fórmula 1, que só tinha a qualificação no sábado e a corrida. Agora estão a misturar tudo com corridas Sprint e mais uma qualificação para ter interesse todos os dias. Achas que o WRC devia fazer alguma coisa?

“Dou-te um exemplo. Depois da PowerStage ter sido introduzida em 2011, estamos em 2023, mas não tivemos mais nada, nem outras ideias. Temos de manter o DNA. Claro que temos de o manter de qualquer forma o DNA do WRC. O DNA dos ralis é a aventura. Mas temos que encontrar algo mais amigável e atual….”

E Richard Millener dá exemplos…

“No parque de assistência os fãs esperam muito tempo para ver os carros. Têm de esperar. Tudo bem, o piloto entra e sai do carro, e desaparece. Passa pelo seu almoço ou jantar, volta a sair vai para o carro, demora 20 segundos, acena, entra e vai-se embora. Não há tempo para a imprensa.

Os parques media antes dos controlos foram uma boa ideia, os pilotos estão com a imprensa, o público está logo ali ao lado, alguns podem estar perto deles, tirar fotografias, podem colocá-las no Instagram, podem colocá-las nas plataformas das redes sociais. Os seus vídeos integram-se depois com o desporto, e este torna-se cada vez maior. Mas em vez disso, optamos por o esconder. Pois é. Porque raio estamos a esconder? As soluções estão aí, mas ninguém as tem e não custa nada, para além de algum entusiasmo para as melhorar, e depois pode ser tarde demais. Vai ser tarde demais”, disse.

Portanto, o WRC precisa de uma chave, um plano. Histórias de de sexta a domingo de manhã. Precisamos de contar histórias. Precisamos de muitas de ideias. É preciso algo a curto prazo, e depois pensar a médio e longo prazo.

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