O ‘CORAÇÃO’ DO RALI DE PORTUGAL

Por a 3 Maio 2023 15:51

O Rali de Portugal é uma das melhores provas do Mundial de Ralis, já que tem excelentes troços, que passam por locais míticos, muito público e uma organização de alto nível. Mas nada disto seria possível sem uma oleada ‘máquina’, que tudo vê e controla, a partir de três salas. É isso que vamos ficar a conhecer melhor…

Horácio Rodrigues, que é desde 2019 o Diretor de Prova do Vodafone Rally de Portugal, tem por trás uma enorme equipa que zela para que tudo corra dentro da normalidade. Bem escondidos dos ‘holofotes’ da ação, muito do que se passa durante a prova tem a sua impressão digital, e muitas vezes, os ‘problemas’ nem o chegam a ser devido à sua pronta intervenção, como sucedeu o ano passado.

Horácio Rodrigues, Diretor do Rali de Portugal

A qualidade da organização do Rali de Portugal está entre as melhores do WRC, e nem todas encontram o mesmo tipo de desafios, pois apesar do caderno de encargos ser igual para todas as provas do Mundial de Ralis, há pequenas nuances que alteram por completo as tarefas que as diversas organizações têm pela frente. Por exemplo, o cuidado com a segurança do público no Rali de Portugal não é certamente o mesmo nos ralis do México, Córsega ou Austrália, eventos que têm muito menos gente para controlar. Existem muitos outros, pois tudo depende da tipologia do terreno com que se lida. Noutro prisma, os organizadores suecos tiveram este ano que lidar com o problema da falta de neve, e sua prova esteve muito perto de nem sequer se realizar. Os ralis são um tipo de modalidade em que, quando todos os restantes desportos motorizados param por falta de segurança para realizar os seus eventos, muita chuva, por exemplo, os pilotos de ralis e organizadores encolhem os ombros e seguem em frente. Há muitos exemplos para dar…

A qualidade de um evento do Campeonato do Mundo de Ralis avalia-se pelo seu todo, pode haver outros ralis que tenham ‘coisas’ que a prova portuguesa não tem, mas ao nível da organização não há melhor. De tal forma, que o anterior Diretor do Rali de Portugal, Pedro de Almeida, foi muitas vezes convidado a fazer o mesmo papel no estrangeiro. Portanto, até ‘know how’ exportamos.

SEGREDO É ANTECIPAR

Ser um dos melhores ralis do mundo não é fácil (já não existe o prémio de ‘Melhor Rali do Mundo’) e os portugueses têm uma arte. A da da antecipação. Há um conceito-chave que orienta todo o trabalho: planeamento. O sucesso de um evento deste género depende em grande parte do grau de preparação e organização. Num enorme espaço dividido em várias salas de trabalho, os diferentes departamentos da Direcção de Prova possuem a privacidade necessária à especificidade de cada trabalho, ao mesmo tempo que mantêm uma comunicação permanente entre si.

Desde o departamento de informática, o serviço de secretariado, a sala de processamento de resultados, as salas do director de prova e dos responsáveis da GNR, INEM, Bombeiros, Proteção Civil, bem como vários outros elementos directamente ligados à São três as salas de controlo do Rali de Portugal e dali não pode escapar qualquer pormenor que se esteja a passar em qualquer dos troços que se possam estar a realizar em simultâneo organização.

A obsessão em minimizar o imprevisto revela-se no funcionamento paralelo de dois sistemas informáticos, um principal e outro de ‘back-up’, de modo a que o normal decorrer da prova não seja prejudicado em caso de anomalia num deles. Mas é no capítulo de segurança que o planeamento e a monitorização da Direcção atingem a sua expressão máxima.

Um dispositivo por GPS, designado de “Safety Tracking System”, permite saber a localização exacta de cada concorrente num intervalo de segundos, além de detectar alguma desaceleração ou paragem abrupta que possa indiciar um acidente. Mas vamos ao detalhe…

CENTRO NEVRÁLGICO

Na sala da Direção de Prova estão o Diretor de Prova e os seus adjuntos, e é dali que saem as grandes decisões. Numa sala contígua, o Responsável de Segurança, Jaime Santos, lidera uma ‘sala’ em que se encontram os três gestores de troço, uma secretária, o Rally2 Officer, os responsáveis pelos reboques e o coordenador dos Marshall. Aqui sabe-se tudo o que está a acontecer nos troços, com enorme detalhe.

Noutra sala, os responsáveis da GNR, PSP, INEM, Bombeiros e Proteção Civil, tudo entidades com grande importância no bom decorrer da prova. E falta referir ainda muitos outros ‘departamentos’ deste enorme quartel General, como por exemplo o Tracking, Comunicações, Cronometragem, Secretariado, Delegados Ténicos da FIA, Delegado do WRC, Comissários Desportivos, etc.

A Sala de Segurança “é o centro nevrálgico do rali, o coração da prova, é aqui que a segurança trabalha no fundo, é aqui que garantimos que o rali tem condições de segurança para se desenvolver, mas também do ponto de vista desportivo, pois aqui conjugam-se estas duas situações. A sala de segurança é de responsabilidade do Jaime Santos, que é o responsável pela segurança do Rali de Portugal e é aí que se gere todo o evento. Desde muito cedo, a preparação de um troço começa às 17h00 do dia anterior, e a nossa primeira preocupação é controlar os espectadores para que eles não acedam aos troços durante a noite”, adiantou, evitando dessa forma que se perca o controlo do número de pessoas que acedem aos troços. Tal como um cinema ou um teatro, ninguém precisa de ir com demasiada antecipação: “Cerca das 5, 6 da manhã, a GNR abre os acessos ao público e então passamos a uma fase 2”, que passa por receber e acomodar com toda a segurança os milhares de espectadores que acedem a cada uma das Zonas Espetáculo do Rali de Portugal. E este ano foram 36.

O pior inimigo da Direção de Prova é o adepto desconhecedor, que não tomou ainda consciência dos perigos que envolvem os ralis. A prova portuguesa sofreu no passado, muito com o público, pois apesar de se viverem tempos de inconsciência, ela não era só do lado dos espectadores, mas também dos responsáveis, duma prova que foi vítima do seu próprio sucessso. Para os responsáveis do Mundial de Ralis, era agradável ter tanto público a assistir à passagem dos carros, isso transmitia o tipo de emoção que é o ADN deste desporto, mas se nos anos 70 e 80 as performances dos carros permitiam ainda reduzir ao mínimo os efeitos nefastos do que pudesse correr mal, nos anos 80 as coisas saíram totalmente fora de controlo e a prova portuguesa pagou por isso. A pressão da FIA para com os organizadores portugueses sempre foi grande, e tudo continua a dever-se a um passado de excessos.

Hoje em dia, a esse nível o Rali de Portugal não é o mesmo, e os próprios adeptos mais conhecedores dos ralis já há muito entenderam a mensagem que só será possível manter este espetáculo em Portugal por muitos e bons anos caso tudo corra bem com o público, e muitas vezes são eles próprios que se substituem aos Marshall, que são 600 mas não chegam para tudo, e ‘controlam’ os seus pares. Porque os pilotos do WRC precisam de ter confiança para fazer o que melhor sabem, dar espetáculo: “As nossas funções aqui são, por um lado, garantir que a estrada está completamente livre, para que os carros possam evoluir no máximo das suas capacidades, o mesmo com os pilotos. Estamos a falar duma prova do Campeonato do Mundo, em cada prova de classificação o objetivo é ser o mais rápido possível, as coisas decidem-se ao décimo de segundo, os riscos são muito elevados e a primeira preocupação dos organizadores é sempre garantir que a estrada está livre para que os pilotos possam dar provas da sua competência.”

Um público é uma questão, mas há muitas outras, como por exemplo saber sempre por onde andam os concorrentes. “Do primeiro, a último na estrada, contamos com um sistema de tracking que nos mostra a posição de cada carro no terreno. Para além disso temos um backup baseado nas informações que nos chegam dos postos fixos que temos instalados no terreno, isso permite-nos controlar a presença dos carros e no caso de alguém parar, saber se é algum acidente ou uma mera paragem por razões técnicas. As grandes decisões de segurança são tomadas aqui, e se for necessário interromper um troço é a partir

daqui que as instruções são dadas.”

COMO SE DIVIDE A SALA DE SEGURANÇA

Ao Diretor de Prova e aos seus dois diretores adjuntos, só chegam as informações realmente importantes, e aquelas que são estritamente necessárias para a tomada de decisões, de modo a que quem decide não tenha que estar a lidar com pormenores. Por isso as salas de ‘triagem’ de tudo o que se passa no Rali de Portugal, e a da segurança é claramente a mais delicada e à qual se dá uma atenção maior, por motivos óbvios: “Na primeira linha e logo em frente aos ecrãs temos os coordenadores dos troços. Normalmente, temos três classificativas a decorrer ao mesmo tempo e os três elementos fazem o controlo da passagem dos concorrentes ao longo do troço. São eles que nos dão o primeiro alerta cada vez que há um carro que pára. Seja porque razão for. Isto é feito de duas maneiras, ou através do tracking que nos chega por GPS, através de um repetidor que se encontra instalado num avião, mas também através do controlo que é feito através dos postos rádio colocados ao longo do caminho (os inters)”.

Três ecrãs, três troços, três elementos que passam horas a detetar ‘anomalias’. Basicamente, controlador de tráfego…terrestre. “Depois numa segunda linha temos o Jaime Santos, que é o ‘controlador’ da sala de segurança. Ao seu lado está a secretária, a pessoa que se ocupa dos relatórios das ocorrências e à

direita está a pessoa a que chamamos ‘Rally2 Officer’, pois num rali do Campeonato do Mundo é suposto que quando um carro abandona num dia ele pode recomeçar a prova no dia seguinte e a nós compete-nos tirar o carro do local o mais rapidamente possível do troço, criando assim as condições para que as equipas tenham tempo para reparar o carro e possam alinhar no dia seguinte. Esta pessoa está em contacto com todas as marcas e equipas e concorrentes e garante que os carros saem dentro dos troços, que os retiramos o mais rapidamente possível.” Isto aconteceu por diversas vezes no Rali de Portugal, está sempre a acontecer no WRC, até quando, por exemplo, um carro mergulha num lago como sucedeu o ano passado no México, passou lá nove horas, e estava a competir no dia seguinte…

“Na parte mais à retaguarda estão as pessoas que criam as condições logísticas para o transporte desses carros e também um homem com uma missão importantíssima pois para além dos 2.000 militares da GNR que colaboram connosco em matéria de segurança temos também 600 voluntários (Marshalls), Proteção Civil, PSP, GNR, INEM e Bombeiros têm grandes contingentes no terreno com funções que vão desde a prevenção à intervenção… espalhados pelos troços, que estão agrupados em pequenas células que são chefiadas por um ‘Chief Marshall’, sendo esta pessoa que tem o contacto com todos estes 600 voluntários. É uma missão muito complexa, até porque de vez em quando é preciso movimentá-los de um lado para o outro para fazer face a pequenos problemas que sempre acontecem…”

COORDENAÇÃO DE MEIOS DE SOCORRO

Não há rali em que não existam acidentes. O facto dos pilotos rodarem quase sempre nos seus próprios limites e dos seus carros faz com que de vez em quando o inevitável acidente aconteça, e para isso há que ter preparada uma complexa máquina de socorro: “Um rali como este tem instalados no terreno todos os meios necessários para fazer face aos diversos problemas, nomeadamente, temos um helicóptero médico, equipado em termos de meios humanos e materiais para fazer a recuperação de uma eventual vítima, mesmo que esteja no fundo de um barranco.

O helicóptero está equipado de modo a que possa remover uma vitíma nessas circunstâncias. Hoje em dia a regulamentação obriga-nos a que no caso de haver um acidente, tenhamos a capacidade de ter um médico e um técnico de reanimação presentes no local, no prazo máximo de dez minutos, o que como se pode calcular, numa Serra, dez minutos passam num instante. Portanto, no máximo a cada sete quilómetros, temos todo um conjunto de meios, pessoas capazes de fazer esse tipo de intervenção. O rali seguinte começa a ser trabalho logo assim que termina o deste ano, eu acho que todos os diretores são assim. Mas o rali do ano seguinte já está definido quando começa o rali do ano anterior. Mas não me perguntem qual é que eu não digo…”.

Ser Diretor do Rali de Portugal significa estar à altura de cumprir o papel duma personagem que no passado deixou a fasquia elevadíssima, e depois de César Torres ter elevado a prova a patamares de alto nível, o que será hoje, ser Diretor do Rali de Portugal? “É um desafio sempre renovado, como por exemplo a ida do rali para o Norte, em 2015, e o próximo desafio é como encontrar novas soluções numa área em que não há muitas. Temos tido grandes desafios, e temos sempre ideias na cabeça, portanto há sempre motivos para ficarmos empenhados em fazer mais e melhor no ano seguinte”.

Um evento como o Vodafone Rally de Portugal decorre em termos desportivos em apenas três dias, mas para que ele seja um sucesso como tem sido a nossa prova do Mundial de Ralis todos os anos, há uma enorme equipa que trabalha com afinco para que tudo role sobre rodas, e não são só os carros do rali. É muito mais do que isso…

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hellrun
hellrun
11 meses atrás

Grandes profissionais!

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