MEMÓRIA, Rali Safari 2002: Só 12 pilotos chegaram ao fim!

Por a 24 Junho 2023 18:29

A última vez que o Rali Safari se disputou no WRC, antes do regresso em 2021, foi em 2002, e o AutoSport estava lá. Recordamos o que se escreveu na altura pela ‘pena’ do saudoso Martin Holmes.

Segundo os antropologistas, o Homem nasceu em África. Ou melhor, vários estudos apontam para que os primeiros passos do Homem tenham sido dados no continente africano, há muitos milhares de anos.

Justamente, muitos milhares de anos depois, e tal com tem acontecido nas últimas cinco décadas, a “caravana” do Campeonato do Mundo de Ralis mudou-se, de “armas e bagagens”, para o Quénia, palco da oitava ronda do calendário.

Vencer neste país africano significa ser-se possuidor, em doses idênticas, de profundos dotes de pilotagem e de muita sorte! É que para além da maior extensão das classificativas, relativamente ao que acontece nas restantes provas – como pormenor, a “especial” mais longa (111 kms) daria quase para três ralis do “Nacional” de Promoção… -, acresceu ainda as temperaturas, os animais selvagens, os fenómenos da natureza e o perigo de ter outros veículos na estrada, já que os troços não estão fechados ao público.

Rali do Quénia emotivo e destruidor

A Ford continua a recuperar relativamente à Peugeot, graças à terceira vitória consecutiva dos seus pilotos, depois da Argentina e Grécia. Colin McRae herdou o primeiro lugar após o abandono de Tommi Makinen e terminou na frente de Harri Rovanpera e Thomas Radstrom. Uma vez mais, o Rali do Quénia ficou marcado pelos abandonos em catadupa!

Já só sete pontos separam Colin McRae de Marcus Gronholm na liderança do Campeonato do Mundo de Ralis. Fruto da segunda vitória consecutiva, o piloto da Ford conseguiu um “salto” qualitativo e volta a estar na luta pelo título que lhe escapa desde 1995, quando foi Campeão do Mundo, e, sobretudo, nos dois últimos anos. McRae beneficiou diretamente dos vários problemas que afetaram Tommi Makinen antes deste abandonar para conseguir um novo primeiro lugar em África – após 1997 e 1999 – e destacar-se como o piloto mais vitorioso de sempre, com 25 vitórias.

Harri Rovanpera, que igualou o resultado obtido no ano passado na sua primeira presença no Quénia como piloto da Peugeot Sport, nunca esteve em condições de atacar o lugar mais alto do pódio e contentou-se com mais seis pontos, até porque Gilles Panizzi está muito para trás e Marcus Gronholm e Richard Burns ficaram pelo caminho. Ou seja, não valia a pena correr riscos e perder um lugar certo no pódio quando a Ford parece estar a recuperar rapidamente da desvantagem inicial em relação à marca francesa.

Para além da vitória de McRae e dos vários abandonos, o destaque tem que ir, forçosamente, para a Citroen Sport, única equipa oficial que conseguiu chegar ao final da prova com os dois carros inscritos. Estreantes no Quénia – quer os pilotos como carros -, Thomas Radstrom e Sébastien Loeb cumpriram com o que lhes era pedido – aprender – e deram motivos de sobra a Guy Fréquelin para ficar satisfeito. Radstrom terminou no pódio e deu um “chega para lá” nos rumores que o apontam como estando de saída da Citroen, enquanto o francês teve uma luta interessante com Markko Martin pelo quarto posto mas do qual não saiu vencedor.

Martin de novo em destaque

Com um injusto quarto posto final, Marko Martin voltou a demonstrar que depois de McRae, a Ford terá que contar com o estónio para os lugares pontuáveis, pese embora uma certa “dose” de azar teimar em afetar sempre o piloto do Focus azul. Muito tempo perdido na assistência e o esquecimento das notas num dos troços pelo seu navegador fez com que Martin fosse obrigados a um “forcing” final para recuperar o quarto lugar, posição que poderia ter sido bem melhor – no pódio e próximo de Rovanpera – caso as tais “nuvens” tivessem ido “chover” para outro lado!

Ainda nos lugares pontuáveis, Gilles Panizzi fez um “dois em um”: pela primeira vez na sua carreira, venceu classificativas em terra (3) e ainda conseguiu marcar pontos. Face às desistências de Gronholm e Burns, o sexto lugar da dupla dos irmãos franceses ajudou a Peugeot a amenizar o “ataque” da Ford. De resto, Roman Kresta, Juha Kankkunen, Alister McRae – que garra! – e Karamjit Singh, vencedor do Agrupamento de Produção, terminaram no “top ten” de uma prova que teve mais… dois finalistas!

O primeiro a abandonar foi Marcus Gronholm. Seguiram-se-lhe Armin Schwarz, Freddy Loix, François Delecour, Petter Solberg, Toni Gardemeister, Tommi Makinen, Carlos Sainz, Richard Burns – entre muitos, muitos outros… – até que não ficassem mais que 12 carros em prova, dando novo “sentido” à afirmação de como o Rali do Quénia é a prova mais dura do calendário. De entre estes, Burns teve sem dúvida a desistência mais mediática de todo o rali (ler em separado) mas terá sido Makinen o principal prejudicado, pois o finlandês conta já com seis abandonos em oito provas, o que o coloca a 23 pontos da liderança do compatriota Gronholm. Nada como o Rali da Finlândia – próxima prova – para tirar o “assunto” a limpo…

Filme de um rali duríssimo: Primeiros abandonos começam cedo

A fama de rali extremamente duro para pilotos e máquinas ficou bem evidenciada na primeira etapa, já que foram vários os pilotos forçados a abandonar devido a problemas mecânicos. A primeira “vítima” acabou por ser o líder do campeonato: Marcus Gronholm desistiu nove minutos após ter arrancado, com o motor do Peugeot 206 WRC partido, na primeira “especial” da prova, encurtada em 20 quilómetros devido ao mau tempo que se abateu na zona. Seguiu-se Freddy Loix, também nesta PEC, com a embraiagem do Hyundai Accent a não aguentar o esforço despendido; o seu companheiro de equipa Armin Schwarz, com problemas de motor, o mesmo “mal” que afetou François Delecour, naquela que era a sua segunda participação em África.

Perto do fim da etapa, foi a vez de Petter Solberg abandonar, cinco quilómetros após ter iniciado a última classificativa, com o motor do Impreza a falhar, isto após ter perdido perto de 15 minutos na segunda “especial” com problemas de embraiagem. Finalmente, também Toni Gardemeister ficou pelo caminho, com a roda traseira esquerda arrancada quando tinha completado 85 quilómetros.

Enquanto isto, Tommi Makinen garantiu a liderança do rali, vencendo duas das quatro classificativas, na frente de Colin McRae – o mais rápido nas segunda e derradeira PECs – e Carlos Sainz. Problemas também para Markko Martin, que se perdeu nas notas e quase “aterrava” num riacho e, na terceira classificativa, Sébastien Loeb partiu um amortecedor do Xsara WRC, enquanto Thomas Radstrom viu partir-se a coluna de direcção quando seguia em sexta a fundo (!). Por sua vez, Harri Rovanpera, Gilles Panizzi e Richard Burns – os três pilotos da Peugeot! – têm problemas de suspensão, sendo que no caso do inglês a situação agrava-se quando é obrigado a parar para pôr termo a um princípio de incêndio motivado pelo aquecimento do óleo de uma da suspensões do 206. Na Mitsubishi, por pouco que Alister McRae não seguia o colega de equipa, quando teve que parar na última ligação para a sua Zona de Assistência para reparar uma roda e os travões do único Lancer WRC ainda em prova.

Classificação: 1º T. Makinen (Subaru Impreza WRC), 1h52m07,4s; 2º C. McRae (Ford Focus WRC), a 16,1s; 3º C. Sainz (Ford Focus WRC), a 2m54,8s; 4º H. Rovanpera (Peugeot 206 WRC), a 3m37,1s; 5º K. Eriksson (Skoda Octavia WRC), a 5m52,4s; 6º M. Martin (Ford Focus WRC), a 6m34,2s; 7º T. Radstrom (Citroen Xsara WRC), a 11m00,8s; 8º R. Burns (Peugeot 206 WRC), a 15m43,1s; 9º S. Loeb (Citroen Xsara WRC), a 18m33,8s; 10º R. Kresta (Skoda Octavia WRC), a 22m06s.

Makinen e Burns também desistem

Se o primeiro dia de prova tinha sido muito difícil para a grande maioria dos pilotos, a segunda etapa, com mais de 900 quilómetros (!) não foi diferente, pese embora os principais abandonos tenham-se registados já na fase final.

Assim, Makinen, líder da prova, não foi além do quilómetro 30 na oitava classificativa, com o braço de suspensão dianteiro esquerdo do Impreza WRC danificado, isto após ter tido problemas com as molas da suspensão traseira na primeira “especial”. Dezasseis quilómetros à frente no mesmo troço, Carlos Sainz também foi forçado a desistir após a correia da bomba de óleo do Focus se ter quebrado. Mas o pior estava reservado para Richard Burns. O piloto inglês, que tinha sido o mais rápido na sétima classificativa, arrancou uma roda no último troço e, ao aproximar-se da tomada de tempos, despistou-se e caiu num buraco na berma, de onde não conseguiu retirar o carro (ler em separado)! Entretanto, o rali tinha sido encurtado devido à anulação da sexta “especial”, segunda do dia, devido ao mau estado do tempo, que não permitia aos helicópteros da organização e das equipas oficiais levantarem vôo, um cenário que já no ano passado tinha sido vivido.

McRae continuava na frente, pese embora ter perdido algum tempo no pó de Makinen, algo que não deixou nada satisfeito o piloto escocês: “Para além das regras, existe um acordo de cavalheiros entre os pilotos. Quando um piloto é alcançado numa classificativa, deve deixar passar quem está mais rápido e isso não aconteceu”, explicou o piloto da Ford. No entanto, quando ambos chegaram à zona de Controlo Horário, o finlandês fez questão de explicar o que tinha acontecido e pedir desculpa ao seu adversário: “O helicóptero da minha equipa não me avisou que o Colin vinha atrás de mim e só passado alguns quilómetros é que me apercebi da presença dele. Deixei-o imediatamente passar, mas fiquei muito zangado com a equipa”, reconheceu. George Donaldson confirmou a versão do seu piloto: “O que aconteceu foi que nós íamos no helicóptero e vimos o Colin aproximar-se do Tommi. O problema é que não tínhamos comunicação com eles e não os pudemos avisar a tempo”.

Com a segunda etapa terminada, os 45 minutos do último Parque de Assistência não foram suficientes para permitir a Martin manter o terceiro lugar da geral, pois perdeu mais 24 minutos – o que dá uma penalização de 11m30s – devido ao carro se recusar a pegar após ser reparado.

Classificação: 1º C. McRae (Ford Focus WRC), 5h00m54,6s; 2º H. Rovanpera (Peugeot 206 WRC), a 2m56,5s; 3º T. Radstrom (Citroen Xsara WRC), a 13m16,3s; 4º S. Loeb (Citroen Xsara WRC), a 18m22s; 5º M. Martin (Ford Focus WRC), a 20m51s; 6º G. Panizzi (Peugeot 206 WRC), a 34m43,30s; 7º R. Kresta (Skoda Octavia WRC), a 38m07,2s; 8º J. Kankkunen (Hyundai Accent WRC), a 38m25,9s; 9º A. McRae (Mitsubishi Lancer Evolution WRC), a 1h03m29s; 10º M. Ligato (Mitsubishi Lancer), a 1h48m31s.

Panizzi em grande

Apenas 19 equipas (!) conseguiram arrancar para o último dia de prova. Os primeiros problemas vieram do lado de Juha Kankkunen, obrigado a parar por duas vezes para colocar óleo no motor do Accent WRC… enquanto Martin fez toda a “especial” sem notas, esquecidas pelo navegador na Zona de Assistência! Panizzi não evitou um pássaro de grandes dimensões que danificou a entrada de ar do tejadilho do Peugeot, mas conseguiu novo feito ao ser pela segunda vez – já o fizera no oitavo troço – o mais rápido numa classificativa… em terra! Refeito dos “sustos” da primeira “especial”, Martin conseguiu ultrapassar Loeb à geral – apesar do francês estabelecer na última classificativa o seu terceiro melhor tempo do rali -, e Alister partiu mais um amortecedor, perdendo cerca de dez minutos.

Richard Burns abandona em lágrimas: Os homens também choram

Por certo que Richard Burns não irá esquecer a 50ª edição do Rali do Quénia. Na prova onde o agora Campeão do Mundo conquistou a sua primeira vitória no “Mundial” de Ralis, em 1998, o piloto inglês foi o “actor” principal de um capítulo dramático que acabou mesmo em lágrimas. Após finalizar a oitava classificativa com o carro em muito más condições – por exemplo, já não tinha uma roda -, Burns não conseguiu segurar o carro na estrada e antes de chegar à zona de controlo, caiu num buraco repleto de terra e areia de onde não viria a sair. No entanto, Burns e Robert Reid tudo tentaram: engrenaram várias vezes a marcha-atrás, fizeram num buraco na terra para poder mudar uma das rodas e ganhar um pouco mais de tracção, colocaram pedras por debaixo das rodas, utilizaram as lonas de publicidade para poder tirar o carro… mas nada. Tudo isto preenciado por imensas pessoas que nada podiam fazer pela equipa da Peugeot sob pena de os colocar fora de prova. Aliás, o desespero de Burns era tanto que quando a equipa o contactou via telefone para lhe perguntar se já tinha tentado mais uma manobra, a resposta não se fez esperar: “Mas vocês pensam que nós estamos aqui a brincar, é?! Que já não pensamos nisso? Venham até cá e vejam como nós estamos!”. De facto, piloto e navegador foram mesmo obrigados a colocar um protecção na boca devido ao imenso pó no ar, derivado aos esforços da dupla para continuar. No final, rendido às evidências, Burns não conseguiu suster o desespero e chorou. Uma imagem diferente de um piloto tido como muito “frio”. Afinal, é verdade: os homens também choram…

Carros com alterações únicas para o Quénia: Fiabilidade é o principal objectivo

Córsega, Finlândia, Grécia e Alemanha são apenas alguns dos países por onde passa o Campeonato do Mundo de Ralis e cada um representa um desafio diferente. No entanto, o Rali do Quénia continua a ser visto por todos como o rali mais difícil do calendário. Com perto de 2,5 mil quilómetros de extensão repletos de pó, terra, areia, cursos de água, estradas abertas, animais selvagens e pedras, a prova também conhecida como Rali Safari é igualmente aquela que se disputa em maior altitude: 2.850 metros. Com tudo isto, está visto que os carros de ralis que participam neste rali têm que ser algo parecidos com… carros “blindados”! Exteriormente, aquilo que diferencia de imediato um carro do “Safari” e um carro para outras provas é o tubo que sai do “capot” e se prolonga até ao topo do habitáculo, tudo para permitir um melhor arrefecimento do motor. Mas não é tudo: “Para esta prova, preocupámo-nos em ganhar mais fiabilidade em detrimento da ‘performance’, pois de que serve ter um carro rápido se este não chega ao fim?”, revela Michel Nandan, engenheiro-chefe da Peugeot Sport, enquanto David Lapworth, director da Subaru, explica que os depósitos foram aumentados – algo só permitido para esta prova – e que as entradas de ar no tejadilho foram seladas para evitar a entrada de pó. Bernard Lindauer, da Mitsubishi, lembra, por seu turno, as alterações feitas ao Lancer WRC: “O chassis é reforçado, com pontos extra de soldura, tal como acontece com o ‘roll bar’. Para além disto, é colocada uma grelha na dianteira para evitar o danificar do radiador e outros orgãos caso se dê o choque com um animal. Para além disso, existe uma protecção reforçada na parte inferior do motor e coloca-se uma placa para evitar a entrada de água na passagens dos vários cursos e pequenos rios. As suspensões são dotadas de molas mais fortes e são ainda colocados dois focos adicionais de luz, mais intensa que os faróis de origem”.

Classificação

1º Ford Rallye Sport Colin McRae/Nicky Grist Ford Focus WRC 7h58m28s

2º Peugeot Total Harri Rovanpera/Risto Pietilainen Peugeot 206 WRC a 2m50,9s

3º Citroen Sport Thomas Radstrom/Denis Giraudet Citroen Xsara WRC a 18m38,6s

4º Ford Rallye Sport Markko Martin/Michael Park Ford Focus WRC a 21m28s

5º Citroen Sport Sébastien Loeb/Daniel Elena Citroen Xsara WRC a 21m48,1s

6º Peugeot Total Gilles Panizzi/Hervé Panizzi Peugeot 206 WRC a 34m41s

7º Skoda Motorsport Roman Kresta/Jan Tomanek Skoda Octavia WRC a 54m38,1s

8º Hyundai Castrol World Rally Team Juha Kankkunen/Juha Repo Hyundai Accent WRC a 1h09m41s

9º Marlboro Mitsubishi Ralliart Alister McRae/David Senior Mitsubsihi Lancer Evolution WRC a 1h17m13s

10º Petronas Eon Racing Team Karamjit Singh/Allen Oh (1º Prod.) Proton Pert a 2h29m27s

11º Rudi Stohl/Adrian Wroe Subaru Impreza a 5h14m05s

12º Kailesh Chauhan/Frank Gitau Subaru Forrester a 6h31m25s

Campeonato

Pilotos

1º Marcus Gronholm, 37 pontos; 2º C. McRae, 30; 3º C. Sainz, 23; 4º G. Panizzi, 21; 5º R. Burns, 19; 6º H. Rovanpera, 18; 7º P. Solberg, 15; 8º T. Makinen, 14; 9º S. Loeb, 8; 10ºs P. Bugalski, M. Martin, 7; 12º T. Radstrom, 4; 13ºs A. McRae, T. Gardemeister, 2; 15º K. Eriksson, 1.

Marcas

1º Peugeot, 83 pontos; 2º Ford, 69; 3º Subaru, 35; 4º Skoda, 8; 5º Mitsubishi, 7; 6º Hyundai, 6.

Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
últimas AutoSport Histórico
últimas Autosport
autosport-historico
últimas Automais
autosport-historico
Ativar notificações? Sim Não, obrigado