Jean-Claude Andruet: o primeiro vencedor da história do WRC…
Jean-Claude Andruet nunca estava quieto no mesmo sítio dois segundos seguidos. Chamado ‘Bola de Nervos’ pelos seus colegas de equipa, foi ele o vencedor da primeira prova de sempre do WRC, o Monte Carlo de 1973. Senhoras e senhores, o homem que nunca tinha medo.
De Jean-Claude Andruet sabe-se que nasceu num dia 13 de Agosto. Agora, em que ano, não há certezas – pelo menos ele não o revela. Seja como for, foi entre 1940 e 1943, tendo em atenção as diversas fontes. Por isso, tanto pode ter nascido em 1940 (fontes francesas dizem isso mesmo), como em 1941, 1942 ou até 1943. Isto pode parecer um mero pormenor, mas diz bem da personalidade algo misteriosa e muito forte deste homem de pequena estatura, tão de acordo com o raquítico espaço disponível no habitáculo dos Alpine-Renault A110, que ele soube dominar como poucos.
Piloto por acaso
Carismático e volúvel, Jean-Claude Andruet foi um personagem fora do comum. Cativante umas vezes, outras angustiado ou travesso, simples e complexo ao mesmo tempo, estava sempre disponível, pronto para fazer uma piada. Do jovem advogado que foi para vendedor ambulante e, enquanto tal, se estreou em 1965 como piloto amador, vencendo logo o campeonato de Iniciados francês nesse primeiro ano, ao empresário de cabelos brancos, que corre ainda por prazer, vão longos anos e muitos sucessos.
Piloto temerário, com um enorme talento generoso e espetacular, Andruet era um homem de uma maravilhosa ternura, profundamente humano, combatente das injustiças, tal qual um Don Quixote dos temos modernos. Contudo, uma vez ao volante, era exigente, combativo, com uma insaciável raiva de vencer, apaixonado, por vezes excessivo.
O que poucos sabem, porém, é que Andruet se tornou piloto por mero acaso – e não por juvenil paixão. Atleta nato, com o desporto na alma, começou por praticar judo, o que lhe valeu o título de Campeão de França Júnior. Mas problemas com o seu cotovelo esquerdo obrigaram-no a colocar um ponto final nessa carreira prometedora. Problemas causados pela janela do seu 2CV…
… Mas foi ao volante do seu Renault Dauphine, com que trilhava as sinuosas estradas dos Alpes, enquanto vendedor, que o seu interesse pelos automóveis começou. Estava-se em plena época de reconhecimentos do Rali de Monte Carlo e, de repente, à sua frente surge um carro que, desesperadamente, tenta afastar-se, mas sem o conseguir. A conduzi-lo estava um tal René Trautman, então um dos melhores pilotos franceses. Impressionado, parou e quis saber quem o perseguia com tanto apego, literalmente falando!
Mais tarde, Andruet recebeu dele um conselho: tirar a licença desportiva… e ei-lo, a 6 de Março de 1965 à partida do Rallye Côte Fleurie, ao volante de um Renault 8 Gordini novinho em folha! Daí para cá, foram mais de 60 vitórias (entre ralis e rampas), numa carreira em que nunca participou a tempo inteiro no WRC, mas onde deixou a sua marca para a História. Em 26 de Janeiro de 1973 tornou-se o vencedor do Rali de Monte Carlo, o primeiro rali de sempre do WRC, que começou então Nessa prova liderou com autoridade a armada da Alpine-Renault, ganhando na frente de Ove Andersson e Jean-Pierre Nicolas. Nesse ano, com Nicolas, Jean-Luc Thérier e Bernard Darniche, os Quatro Mosqueteiros da Alpine-Renault, todos em Berlinette A110 1800, contribuíram para que a marca vencesse o primeiro título mundial de Construtores.
Especialista em pisos de asfalto, em 1972 venceu dez das 11 provas em que participou, em França. E, além do Monte Carlo, Andruet ganhou por três vezes outra clássica francesa: a Volta à Córsega. Primeiro, em 1968 e 1972, com um Alpine-Renault e, em 1974, já pontuando para o WRC, com um Lancia Stratos.
O seu talento era enorme. Fosse com que carro fosse, ele apenas tinha um objetivo em mente: vencer. Ganhou com o Lancia Stratos HF, mas também com o 037 Rallye e o FIAT 131 Abarth. Porém, talvez a sua tarefa mais exigente tenha sido conseguir transformar o Ferrari 308 GTB, um carro nascido para as pistas de velocidade, numa máquina ganhadora nas estradas dos ralis.
Foi com ele que foi vice-campeão da Europa de Ralis, em 1981, tendo ganho quatro provas: o Rali da Sicilia, o Quattro Reggioni, as 24 Horas de Ypres e o Tour de France Automobile. Aliás, no ano seguinte e com o mesmo carro, carimbou, nesta prova, então um ícone no panorama desportivo europeu, a sua terceira vitória – a primeira tinha sido em 1972, então com outro monstro pouco apropriado para as estradas: o Ferrari 365GTB4. Antes de mais estes triunfos são a prova provada do seu ecletismo: é que o Tour de France combinava então troços de ralis puros e duros (como o Le Touquet) com classificativas realizadas sem circuitos, como Albi. Dijon-Prénois, Le Mans-Bugatti ou Rouen-les-Éssarts.
Em 1986, Andruet fez parte do projeto que a Citroën colocou de pé no Grupo B. Ele foi um dos pilotos do fracassado BX4TC. Com Annick Peuvergne sentada no banco do seu lado direito, fez três ralis: teve dis acidentes, no Monte Carlo e na Acrópole e foi 6º na Suécia. Depois desiludido e cansado, acompanhou a marca quando esta decidiu terminar o projeto, colocando também ele um ponto final na sua carreira no WRC. Voltou apenas em 1995, recuperando a parceria com ‘Biche’ e, com um Austin Mini Cooper, abandonou com problemas de suspensão no ‘seu’ Monte Carlo.
Andruet teve duas filhas e um filho, Gilles, consagrado Grande Mestre Internacional de Xadrez em 1982 e Campeão de França em 1988, que apareceu assassinado em 1995, aos 37 anos, num crime que nunca foi cabalmente esclarecido, embora tenha sido encontrado um culpado, que acabou mesmo condenado a prisão, 15 anos mais tarde.
Hoje, é dono da JC Andruet SA, que constrói e comercializa utilitários e bicicletas elétricas.
Uma ‘Biche’ de duas cabeças
Galante e de personalidade eletrizante, Jean-Claude Andruet foi principalmente navegado por mulheres, ao longo da sua carreira. Passaram pelo seu ‘crivo’, sucessivamente, Michèle Veron, Chantal Lienard, Denise Emmanuelli, Chantal Bouchetal, Françoise Sappey, Martine Rick e Annick Peuvergne. Mas foi com “Biche” que fez a dupla mais duradoura e eficaz. Estrearam-se lado a lado no Tour de France Automobile, em 1972 – e venceram de imediato. Depois, juntos, ganharam a Volta à Córsega (ainda em 1972 e em 1974), o Rali de Monte Carlo de 1973, o Rali de Antibes de 1977, de novo o Tour de France (em 1982). Juntos, permaneceram até 1983 – a última prova que fizeram foi a Volta à Córsega, com um Lancia 037 Rallye, desistindo com problemas de motor. Em 1995, juntaram-se de novo, separaram-se e, em 2012, voltaram a juntar-se – terminaram nesse ano em 2º lugar o Rali de la Drôme de Viaturas Históricas e, em 2013, foram 5º na Volta à Córsega Histórica, sempre com um Porsche 911 RSR.
Mas, afinal quem era ‘Biche’? De seu nome próprio Michele Espinosi-Petit, nasceu a 28 de Setembro de 1948. Na verdade, ela e Jean-Claude até se davam como o cão e o gato – sempre às turras um com o outro. Só que, dentro do carro, até funcionavam bem! Depois de, juntos, ganharem o “Monte” de 1973 e de terem batido o recorde no Turini por mais de 30 segundos (!), no final ela disse, estarrecida, que pensava não ser possível que alguém conseguisse andar tão depressa. ‘Biche’ criticava constantemente Andruet por ele preferir rolar à vista, sem fazer caso das notas que ela lhe gritava. Além disso, nunca conviver de forma pacífica com as ruidosas explosões de caráter de Andruet – mas o certo é que a maior parte da sua carreira foi feita ao seu lado.
Mas não se pense que Andruet não teve a seu lado homens. Teve sim: poucos, é certo, mas bons. Entre eles, esteve um tal de Jean Todt, que até era seu amigo de infância, logo em 1968 e, mais tarde, Christian Delferrier e… Sergio Cresto.
Era uma vez um pássaro ferido
Piloto meticuloso, homem irascível mas profundamente humano, Jean-Claude Andruet protagonizou algumas ‘estórias’ notáveis. Por exemplo, em 1969, quando treinava para o Tour Auto, logo na primeira classificativa, o Col de l’Orme, a volante do muleto, um pássaro embateu no carro, caindo para debaixo das rodas. De imediato, Andruet parou, saiu e pegou no animal ferido, partindo a toda a velocidade até Nice, à procura de um veterinário. Depois de deixar o pássaro ferido em boas mãos, regressou ao local, pronto para subir ao pódio de partida – onde chegou, arrastando-se pelo meio da multidão cerrada, com uma vintena de minutos de atraso. Fez a prova no meio dos Protótipos, com o seu pequeno A110.
JEAN-CLAUDE ANDRUET
Nome: Jean-Claude Andruet
Nascimento: 13 de Agosto (entre 1940 e 1943)
Local de nascimento: Montreuil
Nacionalidade: Francesa
Estreia na competição: 1965 (Renault 8 Gordini)
Primeiro rali no WRC: Rali de Monte Carlo 1973
Último rali no WRC: Rali de Monte Carlo 1995
Ralis do WRC: 29
Vitórias no WRC: 3
Primeira vitória no WRC: Rali de Monte Carlo 1973
Última vitória no WRC: Rali Sanremo 1977
Pódios no WRC: 7
Classificativas ganhas no WRC: 59
Pontos no WRC: 50
Títulos no WRC: –
Marcas no WRC: Alpine-Renault (1973/1976); Lancia (1974-75/1983-84); Alfa Romeo (1975); FIAT (1977-80); Ferrari (1981-82); Citroën (1985-86); Austin Mini (1995)
PALMARÉS
WRC (1973-86/1995)
1973 – 1 Rali (Alpine-Renault A110 1800); 1 vitória (Monte Carlo)
1974 – 1 Rali (Lancia Stratos HF), 1 vitória (Volta à Córsega)
1975 – 2 Ralis (Lancia Stratos HF/Alfa Romeo Alfetta GT)
1976 – 2 Ralis (Alpine-Renault A319/A310 V6)
1977 – 5 Ralis (FIAT 131 Abarth); 1 vitória (Sanremo)
1978 – 2 Ralis (FIAT 131 Abarth); 15º WRC, 7 pontos
1979 – 2 Ralis (FIAT 131 Abarth); 22º WRC, 10 pontos
1980 – 2 Ralis (FIAT 131 Abarth). Não pontuou
1981 – 1 Rali (Ferrari 308 GTB). Não pontuou
1982 – 2 Ralis (Ferrari 308 GTB); 13º WRC, 15 pontos
1983 – 2 Ralis (Lancia 037 Rally); 41º WRC, 3 pontos
1984 – 2 Ralis (Lancia 037 Rally); 30º WRC, 6 pontos
1985 – 1 Rali (Citroën Visa 1000 Pistes); 51º WRC, 3 pontos
1986 – 3 Ralis (Citroën BX4TC); 36º WRC, 6 pontos
1995 – 1 Rali (Austin Mini Cooper 1.3). Não pontuou
OUTROS RESULTADOS
1965 – Campeão de França de Iniciados (Renault 8 Gordini)
1967 – 1º Challenge Shell (Alpine Berlinette A110 1150)
1968 – Campeão de França de Ralis em Asfalto (Alpine A110)
1970 – Campeão de França de Ralis em Asfalto; Campeão da Europa de Ralis (Alpine A110 1600)
1972 – Vice-campeão de França de Ralis em Asfalto (Alpine-Renault A110 1800 Mignolet)
1980 – Vice-campeão de França de Ralis em Asfalto (FIAT 131 Abarth)
1981 – Vice-campeão da Europa de Ralis (Ferrari 308 GTB)
2008 – 1º Coupe de France de Ralis/Véhicule Historique de Compétition (Porsche 911 RSR)
Campeonato de França de Ralis (1968-84) – 33 vitórias
Campeonato da Europa de Ralis (1970-84) – 17 vitórias