História do WRC

Por a 30 Janeiro 2022 19:01

É nosso objetivo neste artigo proporcionar aos leitores uma história (muito resumida) do Mundial de Ralis, começando pelo aparecimento do conceito de rali até à criação oficial do WRC que, a par da F1 e do WEC, é um dos três campeonatos mais importantes do desporto automóvel. Agora que arrancámos para uma nova era no Mundial de Ralis, é altura de revisitar este rico passado.

Os Primórdios

Os primeiros ralis assemelhavam-se muito às provas entre cidades características dos primeiros tempos do automobilismo, mas eram sobretudo eventos de regularidade em estrada aberta, em que os pilotos tinham que cumprir uma dada distância numa média horária pré estabelecida – muitas vezes com coeficientes de peso e/ou cilindrada, entre outros – mas respeitando as regras de trânsito. O incumprimento dava lugar a uma penalização, e venceria aquele que penalizasse menos. Para desempatar, começaram a fazer-se pequenas provas de perícia, rampas ou trial, sendo atribuídos tempos ou pontos. No entanto, outros ralis eram mais concursos de endurance e elegância do que provas de velocidade, e é neste último contexto que nasce aquele que é considerado como o mais mítico rali da história – o Monte Carlo, em 1911. Mas, gradualmente, este último propósito é abandonado à medida que, juntamente como Monte Carlo, se criam as grandes maratonas da estrada – a Coupe Des Alpes e o Liège-Roma-Liège durante os anos 30.

A profissionalização surge apenas na década de 50, quando as equipas de fábrica começam a inscrever carros com um maior grau de preparação e pilotos mais especializados, já que a grande maioria eram ainda “gentleman-drivers”. Com o aumento do número de automóveis nas estradas, as autoridades são cada vez menos permissivas com os “excessos” dos ralis, e as “provas especiais” ganham relevo, sendo geralmente rampas, circuitos e pequenos troços cronometrados. Os anos 50 assistem também à criação do Europeu de Ralis, em 1953, embora o campeonato só ganhe um verdadeiro valor já em finais dos anos 60. Com a introdução do Anexo J para regular a homologação de carros de competição pela CSI em 1957, começa o caminho de uniformização dos ralis e a predominância dos Grupo 2.

É na Escandinávia que surge a alternativa para as provas em estrada aberta, e que irá revolucionar a modalidade, tornando-a naquilo que conhecemos nos dias de hoje: os troços cronometrados em estrada fechada, geralmente estradas florestais. E, nas ligações entre troços, os pilotos estavam submetidos às leis de trânsito locais. Deste modo, aparte eventuais penalizações, o resultado do rali é a soma de tempo dos troços cronometrados, vencendo o mais rápido. Com o abandono dos coeficientes e handicaps, isso é o rali que nós conhecemos hoje em dia. E é neste contexto que os nórdicos se tornam a grande potência dos ralis, não só Finlandeses como Suecos voadores e, à medida que os organizadores uniformizam os ralis e aderem a este modelo, aumenta o valor do ERC e a profissionalização, e as marcas começam a pressionar a CSI para ter um campeonato mundial, que lhes desse maior visibilidade em termos de marketing, embora poucas provas de relevo se disputassem fora da Europa – a grande exceção eram os Ralis de Marrocos e o East African Safari, criado em 1953.

A CSI respondeu com a criação do Campeonato Internacional de Marcas (IRCM) em 1970, deixando o ERC como um título apenas para pilotos, incluindo cada vez mais ralis por toda a Europa, mas este período entre 1970 e 1972 foi claramente uma fase experimental, embora ficasse bem claro que tanto Construtores como Pilotos aumentaram o investimento na categoria, que se tornou cada vez mais importante no quadro automobilístico. E surgia uma nova geração de pilotos, que iria marcar o desporto até meados/finais da década de 80: Waldegård, Roger Clark, Andruet, Nicolas, Darniche, Munari, Mikkola, Thérier, Alén, Eklund, Kulläng e Blomqvist.

O WRC e os Grupo 4

Uma das principais decisões da CSI aquando da criação do WRC foi proibir estritamente qualquer tipo de Sport-Protótipos e GT construídos para as pistas de alinharem no campeonato, que autorizava apenas viaturas pertencentes aos Grupos 1 a 4, o que daria a primazia teórica aos Grupo 4, embora alguns Grupo 2 continuassem a ser muito competitivos até ao início da década de 80. Mas, sendo uma resposta ao interesse das marcas, o WRC atribuía o título apenas aos Construtores, “esquecendo” os pilotos… A “Era dos Grupo 4”, entre 1973 e 1982, foi marcada pela crescente “consciência de campeonato” adquirida pelas diferentes marcas e crescente popularidade da modalidade junto de patrocinadores e público, mas programas completos por parte de uma marca e de um piloto eram ainda uma miragem, e não raras vezes os pilotos competiam por diferentes marcas ao longo do ano. Mas o fim definitivo das provas de estrada aberta no início de anos 70 permite a especialização definitiva dos pilotos de ralis, que se tornam também mais completos fruto da disputa de quase todas as provas da época, afastando os especialistas locais (à exceção do Safari) da luta pelas vitórias.

Com a Renault a assumir o controlo da Alpine, que se torna no departamento desportivo da marca no final de 1972 e o A110 no auge do seu desenvolvimento, 1973 foi quase totalmente dominado pelo construtor/preparador de Dieppe e os seus “quatro mosqueteiros”: Thérier, Andruet, Nicolas e Darniche. Mas, ironicamente, o WRC esteve à beira do colapso muito pouco depois do seu começo. O rebentar da Guerra do Yom Kippur, entre a Síria e Egipto e Israel, em Outubro de 1973, fez com que os países árabes produtores de petróleo organizados na OPEC decretassem um embargo aos EUA e uma redução na produção, devido à aliança entre os EUA e Israel. Em menos de um mês o preço do barril quadruplicou, deixando o mundo à beira do colapso, com vários países a racionarem a gasolina e, logicamente, uma das formas de controlar o consumo foi suspender ou banir o desporto motorizado. Embora as provas de circuito não sofressem tanto, os ralis – claramente mais voltados para o “utilizador comum” – viram a sua época de 1974 quase reduzida a metade, o mesmo acontecendo com o envolvimento de algumas marcas. Após a anulação do Monte Carlo e da Suécia, o fim do embargo e muita diplomacia por parte de César Torres e do ACP permitiram que o Rali de Portugal finalmente arrancasse com a temporada, marcada por uma luta titânica entre Fiat e Lancia, resolvida a favor desta última com a introdução do Stratos, que mais não era do que um protótipo desenhado e produzido para ser homologado em Grupo 4, tornando-se numa das mais icónicas viaturas da história.

De facto, 1975 e 1976 viveram sob o signo da Lancia e do Stratos, que dispunha ainda de dois dos melhores pilotos da época, Sandro Munari e Björn Waldegård. Esta parceria de sonho acabou no Sanremo de 1976 quando Cesare Fiorio decidiu à viva força que os seus dois pilotos, após dominarem o rali, iriam partir para a última especial em igualdade de circunstâncias, fazendo Waldegård arrancar com 4 segundos de atraso. Ironicamente, o sueco ganhou precisamente por 4 segundos e de imediato bateu com a porta, mudando-se para a Ford, que no seu RS 1800 MkII tinha uma máquina ganhadora – faltava era o compromisso da marca. Aliás, perante o domínio e o orçamento da Lancia, as principais rivais – Opel e Ford nunca faziam campanhas completas, e a Fiat, sendo do mesmo grupo, estava também em part-time. Mas, no final de 1976 as cabeças de cilindros com mais de duas válvulas foram proibidas (embora a regra só se aplicasse em 1978), o que acabou com a vantagem da última evolução do motor do Stratos, entre outros modelos. Além disso, o Grupo Fiat queria um modelo mais apelativo a nível de vendas no mercado comum, lançando o 131 Abarth. O passo seguinte foi fundir os departamentos de competição das duas marcas, e a partir de 1977 a aposta principal seria na Fiat, enquanto a Lancia serviria como programa de apoio.

1977 trouxe outra grande inovação – pela primeira vez, a FIA ia premiar também os pilotos, mas através das criação de uma Taça que incluiria mais algumas provas além dos 11 eventos do WRC. Não era o Mundial de Pilotos dos dias de hoje mas era um começo, e a temporada foi extremamente disputada entre a Fiat e a Ford, agora com orçamentos e equipas bastante equilibradas. A luta foi renhida e o triunfo voltou para Turim, enquanto a Taça de Pilotos foi parar às mãos do “Último Moicano” da Lancia, Sandro Munari, que tirou o máximo partido do último ano do programa Stratos para mostrar a sua enorme versatilidade, após forte luta com o Ford de Waldegård, o homem mais vitorioso da época. No entanto, a Fiat não estava disposta a correr mais riscos e em 1978 alinhou com uma verdadeira “dreamteam”, esmagando a concorrência para assegurar facilmente os dois títulos, sendo o piloto premiado um tal de Markku Alén…

No entanto, com a expansão crescente do WRC e a popularidade da Taça de Pilotos, a FISA achou por bem criar finalmente um campeonato para os condutores. Atravessando algumas mudanças internas, a equipa-maravilha da Fiat desfez-se e a marca italiana teve uma má época, deixando à Ford o domínio das operações, numa luta brilhante entre os seus dois principais pilotos – Mikkola e Waldegård. Ambos tinham acordado fazer o mesmo número de provas durante a temporada para partirem em pé de igualdade, e quando a Ford anunciou a ausência nas provas africanas, ambos tiveram liberdade de correr pela Mercedes!! Outros tempos… Mikkola venceu mais provas, mas Björn foi mais regular e conseguiu à justa ser o primeiro campeão. Após tamanho domínio, a Ford anunciou a retirada, já que o Escort Mk II já não estava em produção, embora David Sutton, apoiado pela Rothmans, inscrevesse uma equipa semioficial, tendo em vista os pilotos. No entanto, com a contratação de Walter Röhrl, a Fiat voltava a ter uma equipa excelente, e o alemão dominou por completo a temporada para vencer o campeonato e devolver a taça a Turim. De destacar a estreia vitoriosa de dois jovens, Ari Vatanen e Henri Toivonen, este apenas com 24 anos!!!

Mas o WRC atravessava também uma fase brilhante de inovação tecnológica. Já em 1979 a Saab tinha dado a primeira vitória a um motor turbo comprimido, e no ano anterior a Audi – sem qualquer tradição nos ralis – pediu permissão à FISA e aos Construtores para alinhar com um carro de quatro rodas motrizes… Considerada uma tecnologia complicada e pouco interessante para um carro de ralis, ninguém levantou objeções e a tração total foi formalmente autorizada. Depois de dois anos e meio a ensaiar de mansinho (e sem grandes resultados) alguns modelos, a Audi mostrou no final de 1980 o novo Quattro, um modelo de tração às 4 rodas turbo comprimido, que se estreou como carro-zero no Rali do Algarve de 1980, imediatamente ‘limpando’ as tabelas de tempos! Com o novo Anexo J planeado para 1983, 1981 foi uma mistura entre o velho e o novo, com a Audi claramente a debater-se com alguns problemas de juventude, permitindo que a luta pela vitória se travasse entre o Ford de Vatanen e o Talbot Sunbeam oficial de Fréquelin.

A conhecida exuberância do finlandês prevaleceu, naquele que foi o único título conquistado por uma equipa privada até aos dias de hoje, mas a Talbot conseguiu um inesperado Mundial de Construtores com um Grupo 2! Porém, a Audi mostrou ao que vinha, com duas vitórias, a primeira das quais conseguida por uma senhora – A Senhora dos ralis, Michèle Mouton, no Sanremo.

A Audi tinha mostrado o caminho a seguir e esperava-se um domínio da equipa germânica em 1982, dispondo de um trio de luxo – Mikkola, Blomqvist e Mouton. Porém, encontraram um feroz rival nos seus compatriotas de Rüsselsheim e no Opel Ascona 400 pilotado por Walter Röhrl, que beneficiou de alguns erros da Audi para conseguir vencer o seu segundo título, após uma luta com Mouton até à penúltima ronda, na Costa do Marfim. Mas, em 1983, os ralis mudariam para sempre….

Os Grupo B

As alterações ao Anexo J alteravam a filosofia dos ralis e dividiam agora os carros em três grupos: N, A e B. Os Grupo B implicavam 200 exemplares de produção corrente, mas apenas seria necessário produzir 20 especiais para homologação, o que permitia a criação de carros altamente especializados, quase protótipos, para os ralis. E não demorou a perceber-se que a Audi tinha lançado o caminho a seguir: motores turbo e tração total. Entre 1982 e 1983 foram homologados vários Grupo B, quase todos com turbo, mas de tração traseira, e de imediato ficaram a “anos-luz” da Audi, à exceção do espetacular Lancia 037. Depois de “perder o comboio” da frente em 1981, o Grupo Fiat tinha relançado a Lancia na época seguinte, e apresentou-se com um modelo algo inspirado no Stratos, de tração traseira mas com um compressor volumétrico, que lhe dava grande maneabilidade, principalmente nos ralis de asfalto. Deste modo, a Lancia conseguiu lutar até ao fim da época de 1983 com a Audi pelos Construtores e mesmo chegar ao título, embora nos pilotos a coroa coubesse, merecidamente, a Hannu Mikkola. A primeira metade de 1984 continuou sob o signo da Audi, e com a nova evolução prevista para a Córsega, a Lancia percebeu de vez que o 037 estava ultrapassado menos de dois anos depois da estreia. Porém, foi o Peugeot 205 T16, com motor central e aerodinâmica elaborada, que surpreendeu de imediato e dominou a segunda metade da época, através de Ari Vatanen. A Audi tinha acumulado pontos suficientes para assegurar o título de Marcas e o de pilotos para Stig Blomqvist, mas parecia claro que precisava de melhorar urgentemente o Sports Quattro para dar luta à Peugeot em 1985. As restantes marcas pouco ou nada podiam fazer, à exceção da Toyota que tinha o carro mais robusto e com grande velocidade de ponta, o que lhe deu a supremacia nos ralis africanos entre 1983 e 1986.

Vatanen parecia destinado ao título em 1985, mas uma série de azares deixou o seu novo colega de equipa Timo Salonen com algum avanço, e na tentativa de reduzir a diferença Ari sofreu um terrível acidente na Argentina, que o deixou às portas da morte. Pouco antes, a tragédia já tinha batido à porta do WRC, quando Attilio Bettega se despistou contra uma árvore no Rali da Córsega, vindo a falecer.

O final da época foi marcado pela estreia da última evolução do Sport Quattro, que venceria no Sanremo com Röhrl, e pela estreia do fabuloso Delta S4, com o seu compressor volumétrico e turbo acoplados, vencendo na estreia no RAC, através de Toivonen, o que não impediu Salonen e a Peugeot de vencer os respetivos títulos. Com a Ford a planear a estreia no início de 1986, além da Citroën e da MG, anunciava-se um ano épico. Infelizmente, veio a tragédia…

Os novos carros eram cada vez mais potentes e aerodinamicamente refinados, tornando-se verdadeiros protótipos, os chassis eram construídos com materiais cada vez mais leves numa tentativa de ter o mínimo peso possível, o que os tornava autênticas bestas na estrada, muito difíceis de pilotar devido à aceleração brutal dos motores turbo e às velocidades em curva.

O apogeu tecnológico deu origem a sensações inesquecíveis para pilotos e espectadores, mas não tardou a mostrar os seus limites. No Rali de Portugal, Joaquim Santos, ao volante de um Ford RS200, despistou-se contra a multidão que mal se abria para os carros passarem e matou três espectadores, motivando um boicote generalizado dos pilotos de fábrica, por não estarem reunidas condições de segurança devido ao comportamento do público. Em seguida, na Córsega, Henri Toivonen despistou-se e o carro caiu numa ravina, explodindo. Toivonen e o seu co-piloto Sergio Cresto faleceram de imediato.

Tudo isto fora demais e a FISA agiu de imediato e, num comunicado-relâmpago, Jean-Marie Balestre decidiu banir sistematicamente os Grupo B no final da época, congelar quaisquer evoluções até ao final do ano, e abortar o projeto do Grupo S, a entrar em vigor em 1988. Terá sido uma resposta precipitada? Muito provavelmente. Agora que os Grupo B naqueles moldes não podiam continuar, isso era um dado mais do que adquirido…

O resto da temporada foi marcado pelo duelo entre Lancia e Peugeot, e pelos seus dois principais pilotos, Alén e um jovem Kankkunen.

Se a Peugeot assegurou o segundo título consecutivo de Construtores bem cedo, o de pilotos só se decidiu na última prova, não sem grande controvérsia. No Sanremo, os Peugeot foram desclassificados por alegadamente estarem equipados com saias e os seus carros foram excluídos sumariamente! A Lancia venceu e Alén conseguiu assegurar o título na última ronda, mas poucos dias depois, a FISA revertia a decisão dos comissários e anulava os resultados do Sanremo devido às irregularidades no processo, devolvendo o título (justo) a Kankkunen.

Os Grupo A

Para quem viveu os Grupo 4 e os Grupo B, os Grupo A podem ter sido uma verdadeira desilusão pela evidente falta de potência, e porque apenas a Lancia estava devidamente preparada para os novos regulamentos, com o seu Delta Integrale, turbo e de tração total. Além disso, Cesare Fiorio tinha a seu dispor três dos melhores pilotos da época – Markku Alén, Juha Kankkunen e Miki Biasion – por isso parece óbvio o motivo pelo qual o título e as vitórias foram uma questão interna da marca italiana, salvo raríssimas exceções ou eventuais ausências, com Kankkunen a impor-se pela regularidade mas, cansado de guerras dentro da equipa, regressou à Toyota, que planeava um programa completo pela primeira vez. Porém, como este e outros projetos demoraram a tornar-se vencedores, 1988 e 1989 foram um passeio para a Lancia e Miki Biasion, que se impôs rapidamente entre a elite mundial com dois títulos consecutivos.

Porém, 1990 marcou uma viragem definitiva. Em primeiro lugar, os vários programas começavam a dar sinais de maturidade, começando pela Mitsubishi e Toyota, e depois porque a “geração de 70” estava gradualmente a tomar o caminho da retirada. E o predomínio escandinavo que datava de meados da década de 60 estava definitivamente ameaçado pelos franceses e pelos latinos. 1990 traduziu-se numa luta entre a armada Lancia – Kankkunen, Biasion e Auriol – e o Toyota de Carlos Sainz, e se a Lancia soube gerir bem a situação nos Construtores, a regularidade e o ciclo vitorioso de Sainz a meio da época permitiram ao espanhol sagrar-se campeão do mundo, e romper finalmente o domínio italiano. De salientar que Sainz foi também o primeiro não-escandinavo a vencer o Rali dos 1000 Lagos!!!Cedo se tornou evidente que a Toyota era a única marca capaz de desafiar a Lancia ao longo de toda a época, e 1991 parecia estar novamente entregue ao espanhol, até que um violento acidente na Austrália interrompeu a sua fantástica sequência de resultados e permitiu ao sempre regular Kankkunen aproximar-se e batê-lo no final da época, dando mais um título à Lancia. A marca de Turim tinha conseguido tudo e preparou a última evolução do Delta Integrale, o “Deltona”, mas estava decidida a abandonar a modalidade no final de 1992, que seria uma época de transição. Talvez por isso, Auriol e Kankkunen perderam o título de mão beijada para Sainz, isto depois de Auriol bater o recorde de vitórias numa só época com 6, salvando-se o título de Marcas.

1993 marcou outro passo definitivo na homogeneização do WRC. Para pontuar, os Construtores passaram a ter que se registar e nomear os pilotos previamente, e todas as rondas passariam a contar para ambos os títulos – até aí, era comum algumas provas só contarem para os pilotos. Mesmo com Sainz, os Lancia inscritos pela Jolly Club estavam a anos-luz dos Toyota, Ford e Subaru, que iniciaram uma luta tripartida muito interessante, embora o predomínio dos homens da Toyota se destacasse, com Kankkunen a conseguir o seu quarto título! A Lancia saiu de vez no final de 1993, assim como alguns dos pilotos mais consagrados, nomeadamente Alén, Mikkola e Salonen, enquanto Vatanen passou a correr apenas em part-time. A luta a três entre os Construtores refletiu-se no Mundial de Pilotos, e Delecour (Ford) parecia estar finalmente capaz de lutar pelo título até sofrer um violento acidente de estrada q meio da época, que o afastou de algumas provas, deixando caminho livre ao compatriota Didier Auriol para vencer finalmente um campeonato e dar o segundo consecutivo à Toyota. De assinalar que, numa tentativa de reduzir custos, a FIA aplicou um sistema de rotatividade aos ralis entre 1994 e 1996, reduzindo assim o número de provas, mas implicava que algumas provas míticas ficariam um ano sem receber o WRC.

A saída da Ford, que passava a alinhar apenas de forma semi oficial, foi colmatada com um programa crescente por parte da Mitsubishi, mas a esperada luta entre Toyota e Subaru nunca se verificou verdadeiramente, porque a última evolução do Celica Turbo 4WD era muito difícil de afinar e acusava o peso dos anos. Na Catalunha, rebentou o escândalo quando se descobriu que a marca japonesa tinha um engenhoso esquema que permitia uma admissão maior ao restritor de turbo que os 34 mm do regulamento, mas que não era detetada nas verificações! Max Mosley considerou a “batotice” como a mais elaborada que alguma vez havia visto, e a FIA até nem teve mão pesada, no sentido em que apenas baniu de imediato a Toyota e os pilotos das tabelas classificativas (embora mantendo os resultados) e a marca ficou impedida de correr no WRC por um ano… Foram com sorte!!!Após alguma controvérsia devido a ordens de equipa, o título foi decidido no RAC entre os dois Subaru, e McRae bateu o seu colega de equipa Sainz, tornando-se no mais jovem Campeão Mundial de Ralis de sempre!Em 1996, com a Toyota de fora e a Ford em reorganização (apesar da contratação de Sainz), McRae assumia um claro favoritismo, mas o primeiro programa completo da Mitsubishi, apoiado no promissor TommiMäkkinen, revelou-se instantaneamente vitorioso, dando o título ao finlandês.

Os WRC e a padronização dos ralis

A introdução dos WRC e as mudanças regulamentares de 1997 foram determinantes para a construção do conceito atual de rali. Em primeiro lugar os WRC eram uma evolução da homologação em Grupo A – aliás, podiam coexistir – permitindo que os Construtores não necessitassem de partir de um modelo de tração total e turbo para conseguir a homologação, já que estas componentes podiam ser adicionadas desde que os restantes requisitos fossem cumpridos. No fundo, os WRC eram uma espécie de especiais para ralis, no fundo algo do espírito do Grupo S, sem os exageros a nível de aerodinâmica e potência. A FIA decidiu acabar a rotatividade, mas para controle de custos as especiais e ligações seriam menores, dando origem ao formato em trevo que se popularizou até aos dias de hoje e à limitação das assistências. Com Mitsubishi, Ford e Subaru em plena força, e a Toyota a planear regressar a meio da temporada para resgatar a honra, previa-se uma luta sem quartel e, de facto, assim se verificou, com Mäkinen, McRae e Sainz a lutarem até ao fim pelo título, conseguido por uma unha negra pelo finlandês, embora a Subaru vencesse nos Construtores.

1998 foi ainda melhor, agora com quatro marcas na luta, mas a decisão ficou para o trio do ano anterior… Desta vez, McRae foi o primeiro a sair, e depois de um acidente no início do RAC, Mäkinen parecia ter entregue o título a Sainz quando… o motor do Toyota partiu a 400 metros do final da última especial, deixando Mäkinen e a Mitsubishi campeões. Na retina ficará para sempre a frustração de Sainz… 1999 prometia ainda mais, com a entrada da Seat, Skoda e Peugeot, mas apesar do belíssimo plantel, Mäkinen teve sempre o campeonato sob controlo e venceu, embora a Toyota conseguisse a coroa de Construtores, saindo assim pela porta grande para se dedicar à F1. A nível de parque automóvel e de pilotos, 2000 terá sido um dos melhores anos, com a Subaru, Mitsubishi, Ford, Peugeot, Seat, Skoda e Hyundai inscritas, embora só as quatro primeiras tivessem reais opções pela vitória, e a sequência de TommiMäkinen foi interrompida por outro finlandês voador que há muito demonstrava ter capacidade de ser campeão – Marcus Grönholm no Peugeot 206 WRC, após uma grande luta com os Ford, Mäkinen e Burns. Em 2001, a luta voltou a sera quatro, entre McRae e Sainz (Ford), Burns (Subaru) e Grönholm (Peugeot), enquanto a Mitsubishi – que só agora se “convertia” ao WRC – acusava a falta de desenvolvimento do novo carro. Burns venceu merecidamente, sendo o mais regular ao longo da época, enquanto a Peugeot acusou uma primeira metade da temporada absolutamente desastrosa. Porém, no ano seguinte, nada nem ninguém conseguiu travar a marca de Sochaux e o finlandês, ambos vencendo os títulos com antecipação.

2003 foi outro ano de transição, não só pelas alterações regulamentares previstas para 2004, mas porque simbolizou uma rápida passagem de testemunho entre gerações. O título foi disputado até ao fim entre Solberg, Sainz, Burns e o surpreendente Loeb (na sua primeira temporada completa!!!!!), sendo vencido pelo norueguês da Subaru, enquanto Burns ficava impedido de defender as suas chances no RAC depois de perder os sentidos ao volante, sendo-lhe diagnosticado o cancro cerebral que o haveria de levar dois anos depois. O período entre 2002 e 2004 marcou mesmo o fim de uma era se olharmos para os pilotos – nesse período, retiraram-se Burns, Mäkinen, McRae (não totalmente), Sainz, Schwarz, Kankkunen, Eriksson e Auriol – toda a geração de finais de 80/inícios de 90 que havia dominado a modalidade desde o início dos Grupo A.

2004 trouxe várias de alterações regulamentares que, a meu ver, podem ter contribuído para a perda de popularidade da modalidade e para a falta de interesse dos Construtores que marcou os anos subsequentes. Em primeiro lugar, aumentar de 14 para 16 provas o calendário foi uma decisão insensata porque aumentou muito os custos, tentando-se compensar com fortes restrições nos testes e número de pneus e peças homologadas. Ao mesmo tempo, criou-se o “SuperRally”, permitindo a pilotos que tivessem abandonado regressar na etapa seguinte, embora sem marcar pontos. Para os puristas, um abandono é um abandono, e alguma essência de endurance perdeu-se com esta medida. Por fim, cada equipa só podia nomear dois carros para pontuar, o que reduziu muito o número de lugares disponíveis pelas equipas de fábrica e foi fulcral na retirada de tantos pilotos, assim como na incapacidade de promover mais jovens. Quanto aos resultados, 2004 marcou o início da “Era Loeb/Citroën”, binómio que dominou em absoluto a temporada para vencer os dois títulos, e o domínio foi ainda mais evidente em 2005, batendo todos os recordes.

De facto, em 2006, apenas a Ford e a Subaru estavam inscritas oficialmente, já que o Grupo PSA optava por concentrar os esforços na Citroën e num novo carro, mas a equipa continuava inscrita pela Kronos Racing, para que Loeb pudesse lutar pelo título, algo conseguido após uma árdua luta com o Ford de Grönholm, o que se repetiu de forma ainda mais renhida em 2007, vencida de novo por Loeb, mas com a Ford a obter o segundo título consecutivo de Construtores. Loeb esmagou tudo e todos em 2008 para se tornar recordista de títulos, com e a retirada da Subaru no final da época, restavam apenas Ford e Citroën, sendo as restantes equipas privadas ou semi-oficiais, para compor um plantel cada vez mais pobre. É verdade que 2009 até foi um título disputado e que algumas provas foram decididas ao segundo, mas algo do passado tinha desaparecido. As alterações regulamentares daí para a frente foram cosméticas e Loeb dominou em 2010, 2011 e 2012, mas a partir de 2011 a contestação dentro da equipa começou com um tal de Sébastien Ogier… Ao mesmo tempo, os ralis tornaram-se cada vez mais padronizados e a rotatividade voltou, alienando algumas provas de enorme tradição, como o Sanremo, a Acrópole e a Nova Zelândia, e nem o próprio Monte Carlo escapou a passar uns anos pelo recém-criado IRC.

Só quando Loeb anunciou a retirada após uns quase imbatíveis nove títulos consecutivos no final de 2012 é que houve esperanças de maior competitividade. Além da Citroën e da Ford, que tinha perdido o apoio oficial e alinhava inscrita pela M-Sport, Ogier regressava com a VW após mais de um ano de apurados testes. Todos sabemos no que deu, quatro títulos consecutivos de pilotos para Ogier e de construtores para a VW, bruscamente interrompidos com a decisão da marca germânica em abandonar o WRC no final de 2016.

As novas regras, aliadas ao facto de termos de novo quatro construtores em liça – Ford, Citroën, Toyota e Hyundai – prometiam trazer uma espetacularidade renovada para os espectadores e deixavam antever uma possível era de ouro.

E foi exatamente assim…

World Rally Cars 2017 – 2021

A temporada de 2017 marcou o 45º aniversário do Mundial de Ralis, iniciando mais uma vez com o clássico Rallye Monte Carlo. Os regulamentos técnicos revistos significaram que a nova geração de World Rally Cars ostentava níveis de potência de motor mais elevados, aerodinâmica mais agressiva, e diferenciais controlados eletronicamente.

Claro que mais potência resulta em carros mais rápidos, mas a aerodinâmica e suspensão melhoradas tornaram esta geração muito mais segura de conduzir do que um equivalente do Grupo B dos anos 80.

Uma das maiores notícias, para além das alterações técnicas implementadas, foi que Sébastien Ogier e Julien Ingrassia assinaram um novo contrato com a M-Sport Ford World Rally Team. A dupla francesa juntou-se a Ott Tänak da Estónia e a Elfyn Evans.

A Hyundai entrou no seu modelo de Nova Geração i20 Coupe nas mãos de Thierry Neuville, o sempre fiável Dani Sordo e Hayden Paddon, enquanto a Toyota regressoava ao campeonato após 18 ‘sabáticos’. Sob a bandeira de Tommi Mäkinen geriu a Toyota Gazoo Racing, colocou Jari-Matti Latvala, Juha Hänninen e Esapekka Lappi nos seus Yaris WRC.

A Citroën optou também por um ataque de campeonato completo após uma campanha a tempo parcial no ano anterior. Kris Meeke, Craig Breen, Stefane Lefebvre e Andreas Mikkelsen durante todo o ano no seu modelo C3.

Ogier e Ingrassia voltaram ao que estavam a fazer com a Volkswagen, conquistando outro título mundial e marcando outra vitória dos Fabricantes para a M-Sport. Tänak foi terceiro e mudou-se para a Toyota em 2018.

Uma batalha intensa em 2018 viu Ogier, Neuville e Tänak rumarem à ronda final na Austrália com uma hipótese matemática de vitória no campeonato.

As esperanças de Neuville foram frustradas quando o seu Hyundai bateu num morro no último dia de prova e perdeu uma roda. Por outro lado, o Toyota de Tänak sucumbiu a uma falha de transmissão que inevitavelmente deu a Ogier e à equipa M-Sport Ford mais uma vitória no Mundial.

Assim, no início da temporada de 2019, o Campeonato do Mundo de Ralis ainda não tinha visto um piloto não francês levantar o cobiçado título em mais de uma década.

Apesar de dois anos de sucesso na M-Sport, o contrato de Sébastien Ogier com a equipa tinha terminado.

A Citroën foi rápida em apanhá-lo com a esperança de recuperar o título de fabricantes mais uma vez. Esapekka Lappi conduziu o segundo C3 WRC para a equipa francesa.

Contudo, os sonhos de sucesso da Citroën não se concretizaram. Enquanto Ogier conseguiu trazer para casa vitórias em Monte Carlo, México e Turquia, o campeão reinante lutou durante todo o ano com as más características de manuseamento do seu C3 WRC.

Neuville encabeçou as folhas de tempos na Córsega, Argentina e Espanha no seu Hyundai, mas havia um homem que ninguém conseguia apanhar.

Ott Tänak esteve inatacável no seu Toyota Yaris WRC, tendo obtido 73 vitórias em troços ao longo do ano e seis vitórias em ralis, em todas as superfícies. Ele e Martin Järveoja selaram o título em Espanha e finalmente conquistaram o seu primeiro título do Mundial de Ralis, pondo fim ao domínio de ‘Seb’. Thierry Neuville foi um segundo distante e Ogier teve de se contentar com o lugar final no pódio.

Mas não demorou muito até Ogier estar de novo no topo. O francês saiu no topo de uma longa batalha de temporada com a sua companheira de equipa Yaris Elfyn Evans para conquistar o seu sétimo título em 2020. Este ano que passou, 2021, foi mais do mesmo com Ogier e Evans a repetirem a luta… e o resultado final de 2020, com o francês a alcançar o seu oitavo campeonato.

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