Ford RS 200: O ‘monstro’ mal-amado

Por a 21 Março 2023 19:00

Primeiro foi o Audi Quattro, com a sua tração às quatro rodas e depois os todo-poderosos Lancia Delta S4 e Peugeot 205 T16. A Ford, habituada a vencer, desenvolveu o RS 200, um carro ‘maldito’ que nunca se chegou a saber o que realmente valia.

FIA abriu aos novos carros de Grupo B o seu Campeonato do Mundo de Ralis em 1984. Quase logo apareceram o Lancia Delta S4 e o Peugeot 205 T16 a juntaremse ao Audi Sport Quattro, evolução do original Quattro de 1980, que revolucionou ao trazer para as estradas nacionais a tração constante à quatro rodas. Nessa altura, a Ford já tinha tentado juntar-se ao admirável novo mundo dos ‘monstros’, através do Escort RS 1700T, mas a ideia resultou num fracasso. Consciente disso e da sua necessidade genética de continuar vencedora, seguido a tradição dos bem sucedidos RS1600, RS1800 e RS2000, encomendou a Tony Southgate mais conhecido

pelos carros de F1 que criou, a conceção de um novo carro de ralis. O seu nome era RS200 e acabou por ser apresentado pela primeira vez a Bob Lutz, o presidente da Ford Europe, em 12 de Março de 1984, ficando no entanto apenas pronto a correr na segunda prova do Mundial de 1986.

Diferente de todos

O Ford RS200 era um carro muito atraente baseado numa carroçaria tipo coupé, com duas portas e que escondia talvez aquele que foi o melhor dos chassis dos carros de Grupo B. A Ford, seguindo a letra do regulamento

construiu 200 exemplares, o mínimo necessário para a sua homologação. O carro tinha originalmente 250 cv mas a Ford foi buscar 20 desses chassis e desenvolveu-os de acordo com as exigências desportivas do Grupo B, com a potência a passar para os 350 cv e, nas versões de competição mais apimentadas, atingindo mesmo (dizia-se na altura… mas isso nunca foi provado) mais de 500 cv.

Seja como for, existem hoje alguns exemplares com cerca de 450 cv de potência, as mesmas que a Ford designou como Evolution. O Ford RS200 destacava-se por ser, em quase tudo, diferente dos seus adversários. Em primeiro lugar, o chassis era em alumínio e as suspensões independentes às quatro rodas tinham amortecedores duplos em cada roda. A carroçaria, desenhada pelos estilistas italianos da Ghia, foi feita pela Raliant, um especialista britânico no uso deste material, era toda feita em fibra de vidro, uma forma drástica de reduzir o peso do conjunto, que em pouco ultrapassava os 1100 kg.

O motor – um bloco de quatro cilindros, duas árvores de cames à cabeça e 1800 cm3, derivado do motor BDT e associado a um turbo Garrett – estava colocado em posição central, a frente do eixo traseiro, promovendo um

equilíbrio de massas quase perfeito. O Ford RS200 assim ‘vestido’ era, de acordo com pilotos que o conduziram, bem como os outros modelos então existentes na altura, “melhor do que o [Audi] Sport Quattro. O [Ford] RS200 era um verdadeiro carro de ralis, com uma grande suspensão perfeita nas condições mais severas. O próprio sistema de transmissão, bem como o chassis tipo ninho-de-abelha, estavam muito à frente no seu tempo”.

Porém, apesar deste quadro quase ideal – beleza, equilíbrio, poder, motricidade, ousadia e diferença – o Ford RS200 nunca foi verdadeiramente competitivo. Uma das razões por trás disso foi o turbo lag a demora na resposta do turbo à pressão do acelerador, que o tornava num carro de reações brutais e quase impossível de pilotar nos limites. Um problema a que Ford nunca conseguiu dar resposta ao longo da (curta) vida do RS200.

Outro dos seus problemas era a necessidade de, ao ter o motor atrás e a caixa de velocidades à frente, existirem dois veios de transmissão inversos – um para levar a potência do motor para a caixa e outro para devolver

essa potência ao eixo traseiro. Isso obrigava à dissipação de muita da potência disponível nestas duplas funções e as performances efetivas do RS200 ressentiram-se disso, apesar de, pontualmente e em campeonatos nacionais – nem todos aceitavam carros com motores turbo, que foi o grande óbice à carreira do RS200 nestas competições – ainda ter ganho algumas provas. Na realidade, a sua estreia foi fabulosa, quando, no outono de 1985, Malcolm Wilson venceu o Lindisfarne Rally, fazendo acreditar que a solução de John Wheeler, que escolheu usar os três diferencias em acoplamento viscoso, de que era um fã irredutível, era a perfeita. O que não estava mais longe da realidade, pois a variação de binário era ridiculamente obscena, podendo ir dos 46/54 (entre a frente e traseira) em estradas de terra e os 37/63 nas de asfalto, o que tornava as afinações num quebracabeças, apesar do inato equilíbrio de massas do RS200 e do seu excelente chassis.

No WRC nunca conseguiu dar luta aos Audi Sport Quattro, Lancia Delta S4 e Peugeot 205 T16 Evo. Não esteve presente em todas as provas do campeonato – nomeadamente, nunca saiu da Europa e apenas fez os ralis da Suécia, Portugal, Acrópole e RAC entrando atrasado no campeonato, por dificuldades na homologação, cujo processo apenas ficou completo em Fevereiro de 1986 – e não ganhou nenhuma daquelas e que participou. O

melhor resultado acabou por ser o terceiro lugar de Kalle Grundel na Suécia, a sua prova de estreia.

Palmarés 1986 ( WRC)

Rali da Suécia: 3º Kalle Grundel/Benny Melander; Abandono (motor) Stig Blomqvist/Bruno Berglund

Rali de Portugal/Vinho do Porto: Abandono (decisão coletiva dos pilotos de fábrica) Stig Blomqvist/

Bruno Berglund e Kalle Grundel/Benny Melander; Abandono (acidente) Joaquim Santos/Miguel Oliveira

Rali Acrópole : Abandono (acidente) Stig Blomqvist/Bruno Berglund; Abandono (problema mecânico)

Kalle Grundel/Benny Melander

RAC: 5º Kalle Grundel/Benny Melander; Abandono (turbo) Stig Blomqvist/Bruno Berglund;

Abandono (incêndio) Mark Lovell/Roger Freeman; Abandono (acidente) Stig Andervang/David West

ESPANHA

Rallye da Costa Brava: Abandono (problema mecânico) Antonio Zanini/Josep Autet

Rallye Sierra Morena: 2º Antonio Zanini/Josep Autet

Rallye Villa de Llanes: 4º Antonio Zanini/Josep Autet

Rallye Islas Canarias: 1º Antonio Zanini/Josep Autet

Rallye El Corte Inglés: 2º Antonio Zanini/Josep Autet

Rallye Principe de Asturias: 3º Antonio Zanini/Josep Autet

Rallye de San Froilán: 2º Antonio Zanini/Josep Autet

Rallye de Catalunya: Abandono (motor) Antonio Zanini/Josep Autet

Campeonato: 4º Antonio Zanini, 985 pontos

GB

National Breakdown Rally :5º Mark Lovell/Roger Freeman

Circuit of Ireland: 4º Mark Lovell/Roger Freeman; Abandono (furo) Kalle Grundel/Benny Melander

Welsh International Rally: 3º Mark Lovell/Roger Freeman; Abandono (acidente) Stig Blomqvist/

Bruno Berglund

Scottish Rally:2º Mark Lovell/Roger Freeman

Ulster Rally: 2º Mark Lovell/Roger Freeman

Manx International Rally: 3º Mark Lovell/Roger Freeman

Campeonato: 1º Mark Lovell, 67 pontos

PORTUGAL

Rali de Portugal/Vinho do Porto : Abandono (acidente) Joaquim Santos/Miguel Oliveira

Rali da Figueira da Foz: 1º Joaquim Santos/Miguel Oliveira

Rali Rota do Sol: 1º Joaquim Santos/Miguel Oliveira

Rali Vinho da Madeira : 9º/2º Português Joaquim Santos/Miguel Oliveira

Rali Alto Tâmega: 1º Joaquim Santos/Miguel Oliveira

Rali Lois Algarve : 1º Joaquim Santos/Miguel Oliveira

Campeonato Nacional de Ralis: 3º Joaquim Santos (4 vitórias)

OUTROS

Rali das Túlipas: 1º Stig Andervang/Anja Beltzer-Lieuwma

Audi Sport Rally: 1º Stig Blomqvist/Bruno Berglund; 3º Kalle Grundel/Benny Melander

South Swedish Rally : 1º Stig Blomqvist/Bruno Berglund

O Ford RS200 de Joaquim Santos

No final de 1985, depois de ter sido batido por Joaquim Moutinho na corrida ao título de Campeão Nacional de Ralis, Joaquim Santos decidiu dar um passo em frente adquirindo um dos novos Ford RS200 de Grupo B. O passo lógico, pois afinal ele tinha construído a sua carreira com base no fiável e espetaculares Escort RS1800 e RS2000. Porém, nem tudo foram rosas nesta sua escolha. O piloto de Penafiel apenas conseguiu inscrever o RS200 no Rali de Portugal-Vinho do Porto a segunda prova do Campeonato Nacional de Ralis. Fê-lo sem quase o testar pois a Diabolique tinha-o recebido poucos dias antes da prova sair para a estrada. Porém, isso não explica o que sucedeu na Lagoa Azul, quando perdeu o controlo do carro, que entrou fatalmente pela multidão. Depois do choque, Joaquim Santos continuou a correr com o RS200, participando nas restantes provas do

campeonato. Venceu logo a prova seguinte, o Rali da Figueira da Foz e até ao final da temporada carimbou mais três triunfos, embora não conseguisse revalidar o título, terminando o ano em terceiro na tabela de Pilotos, que foi liderada por… Joaquim Moutinho, que revalidou assim o seu título de Campeã.

Palmarés 1986 (Portugal)

Rali de Portugal/Vinho do Porto – Abandono

(acidente)

Rali da Figueira da Foz – 1º

Rali Rota do Sol – 1º

Rali Vinho da Madeira – 9º (2º Português)

Rali Alto Tâmega – 1º

Rali Lois Algarve – 1º

3º Campeonato Nacional de Ralis (4 vitórias)

O acidente de Marc surer

O Ford RS200 não ficou apenas ligado ao acidente protagonizado por Joaquim Santos/Miguel Oliveira no Rali de Portugal Vinho do Porto. Meses mais tarde, a 31 de maio, durante o ADAC Hessen Rallye, um acidente semelhante quase acabou com a vida de Marc Surer, na altura piloto da Arrows na F1. Gravemente ferido, esteve em coma durante algum tempo e depois disso nunca mais voltou a correr, apesar de ter sido escolhido pela BMW como piloto instrutor, anos mais tarde. O acidente ocorreu quando à saída de uma ‘direita’ de alta velocidade, o suíço, então com 35 anos, perdeu o controlo do Ford RS200, que saiu da estrada e acertou em cheio na única árvore dos arredores, partindo-se em dois e explodindo em chamas. Surer, além de diversas fraturas, sofreu queimaduras graves e inalação de gases tóxicos quase fatal. Pior sorte teve Michel Wyder seu amigo de longa data e que cumpria o seu papel de navegador, que morreu no local.

Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
últimas Autosport Exclusivo
últimas Autosport
autosport-exclusivo
últimas Automais
autosport-exclusivo