Henri Toivonen: “Após sete classificativas comecei a pensar que podia vencer…”

Por a 2 Maio 2023 13:50

Já lá vão 37 anos da sua morte, mas Henri Toivonen ainda continua, e continuará a ser lembrado pelos adeptos, tal foi a marca que deixou no Mundial de Ralis. Por isso, hoje, relembramos uma entrevista publicada no AutoSport, feita por Fernando Petronilho, depois do Rali de Monte Carlo de 1986, três meses antes da sua morte, na Córsega…

Henri Toivonen é, sem dúvida, o piloto do momento: depois da sua vitória no RAC, no final do ano passado, que muitos pensaram ter surgido por acaso, o finlandês acaba de se consagrar a nível internacional com as repercussões que um êxito em Monte Carlo sempre representa. Adorado por muitos, criticado por outros, Henri Toivonen tem, até ao momento, passado ao lado de uma grande carreira, uma vez que as desistências e os despistes sido em número superior aos resultados conseguidos.

No entanto, 1985 parece ter sido um momento importante na sua vida como piloto, pois se nas provas do Europeu que disputou os resultados foram desastrosos – acidente na Costa Esmeralda que lhe causou bastantes problemas de coluna e despiste na Catalunha onde destruiu um 037 no Mundial as coisas passaram-se de forma diferente, culminando com um excelente finai de época, com o terceiro lugar no Rali de Sanremo e a vitória no RAC. Agora, em 1986, Toivonen entrou com o pé direito, conseguindo o triunfo de maior prestigio e que qualquer piloto deseja inscrever no seu palmarés – o Rali de Monte Carlo.

Apesar da sua rápida adaptação Lancia Deita S4, Henri Toivonen esteve longe de constituir uma peça importante no seu desenvolvimento como se pode verificar peias palavras do próprio piloto: -A primeira vez que me sentei no Lancia Deita S4 foi um mês antes do meu acidente no Rali Costa Esmeralda. Nessa altura, o carro não era mais do que um veículo de tração às quatro rodas que apenas tinha feito 60 voltas à pista de Ia Mandria. Voltei a ter contacto com o S4 no asfalto ainda na pista de ensaios da Fiat, onde fiz mais quilómetros em Setembro, e depois fui logo ao RAC.

Para o RAC, Toivonen acabou por descobrir um carro praticamente novo, depois das diversas fases de que o Lancia sofreu: O sistema de transmissão tinha sido alterado e na altura senti que o carro era muito mais fácil de guiar, tendo nítida sensação de estar no volante de um carro completamente novo: os diferenciais davam novas possibilidades ao piloto, bem como os autoblocantes, do ponto de vista aerodinâmico o Delta S4 era completamente diferente, o motor tinha sido mudado, o compressor era maior, pelo que tive de descobrir quase 60 por cento de novidades no veículo. Nesta fase de desenvolvimento do carro, Toivonen esteve em permanente contacto com o seu colega de equipa Alen, ele sim, o grande ‘implicado’ em toda a fase de desenvolvimento do Lancia: Só que as coisas com o Markku nem sempre são fáceis pois ele não tem uma visão muito otimista das coisas.

Pelo que me dizia, era mais o que estava errado no carro do que propriamente as facetas positivas. Creio, no entanto, que tanto Alen, como Giorgio Pianta fizeram um trabalho notável de setembro até ao RAC, pois o carro estava muito melhor, depois de terem trabalhado sobretudo a nível dos autoblocantes. Antes do RAC, Toivonen apenas tinha guiado a última versão do Delta S4, aquela com que iria disputar a prova britânica, dois dias antes do rali se iniciar, num circuito improvisado no Autódromo de Donington, numa pista mista, com cerca de 60 quilómetros.

Não pensava ganhar o RAC

Para Toivonen, o RAC parecia mais um rali de aprendizagem do que propriamente uma prova onde ele pudesse desde logo lutar pelo primeiro lugar; Depois do que o Markku disse sobre o modo como o carro andou no Algarve e pela experiência que hoje tinha do Delta, sempre pensei que a Lancia pudesse vencer em Inglaterra, mas com o Markku. Com um veículo com aquelas características, senti que só uma condução agressiva e com um sentido positivo, poderia impor o Lancia, e devo confessar que sentia um certo receio à partida. Nas retas, que se faziam em quarta ou quinta velocidade, sentia a frente mexer bastante, não conseguia ter o carro a andar de lado nas curvas largas, mas talvez que as características do RAC me tenham sido úteis pois se optar por uma condução segura e regular, acaba por se estar sempre entre os homens da frente.

Mas no final da prova e pela forma como tudo se passou a sensação de Toivonen é que terá sido ele a ganhar o rali ou, pelo contrário, terá sido Alen a perdê-lo? “Sem dúvida que foi o Markku que perdeu a prova. É verdade que no momento em que capotou apenas tínhamos 30 segundos de diferença, mas o Markku conhecia o carro muito melhor e foi ele que deitou tudo a perder quando se despistou. Toivonen conseguia no RAC a sua segunda vitória mundial, cinco anos depois de ter triunfado também no Reino Unido. Era o final de um longo jejum, o que teve grande importância para o piloto:

“Para mim, foi bastante importante em termos de confiança própria. Depois do meu acidente na Sardenha, regressei nos 1000 Lagos, mas ai não estava ainda a cem por cento e os maus tempos ressentiram-se disso, ora fazendo um excelente troço, ora perdendo bastante tempo para os da frente. Em Sanremo, as coisas foram um tanto melhores, mas só na última etapa me senti bem, depois de ter tido medo de fazer alguma asneira nos troços de terra; no asfalto, pode-se andar mais depressa, mas também é mais seguro, pois bem onde travar, onde curvar, enquanto isso, por vezes, é traiçoeiro na terra.

No entanto, em Itália senti que tinha perdido um tanto o sentido de improviso que caracterizam a minha condução e isso recuperei com o RAC, talvez porque a prova britânica é diferente, sem um navegador que perturba a concentração do piloto com as notas, uma vez que o Neil Wilson apenas me auxiliava com o seu conhecimento dos troços para me avisar onde deveria andar mais devagar ou onde poderia ir mais depressa. Enfim, creio que o RAC foi o meu primeiro momento de grande tranquilidade que tive ao longo de 1985. Foi sobretudo Importante em termos de confiança na Finlândia, que é uma prova sempre disputada sob grande pressão, pois é o ‘nosso’ rali e temos sempre de fazer bem. Sentia-me já mal antes do rali e o primeiro troço acabou por destruir qualquer intenção de fazer um bom 1000 Lagos. Esse acidente fez-me ter medo em Sanremo, pelo que só no RAC me senti à vontade.

O defeso foi um oportuno conselheiro para Toivonen que harmonizou todos os problemas que não lhe permitiam uma grande tranquilidade até antes do RAC. Agora, com a cabeça fria, disposto a encetar uma nova vida, Henri Toivonen pôde desfrutar de um excelente ambiente em torno de si para fazer frente a uma nova temporada.

“Creio que hoje em dia com carros tão potentes, com os pneus a terem cada vez mais aderência, a andar-se cada vez mais depressa, um piloto tem que estar emocionalmente equilibrado à partida de cada prova, para poder suportar o que Ihe é exigido em termos de condução. E creio que agora estou em posição de encarar cada rali com a calma, com a tranquilidade de espírito indispensáveis.”

No entanto, se Toivonen parecia mentalmente preparado para Monte Carlo, a verdade é que as coisas começaram por correr bem, tantos foram os problemas que o finlandês encontrou durante os reconhecimentos: “Problemas? Foi um nunca mais acabar. Dos todos os troços cronometrados, em sete apenas conseguimos passar duas vezes, uma para tirar notas e outra para as corrigir. Ora, para um caráter finlandês, fazer estes troços de montanha em condições tão difíceis não é o melhor, pois partimos com a sensação de não estarmos devidamente preparados para o que nos vão exigir. E como gostamos de andar sempre a cem por cento, isso é muito difícil nestas estradas dos Alpes, com mais de 1000 curvas por cada classificativa, onde o conhecimento é indispensável. Sinceramente, não me sentia à vontade à partida do rali, pois só de pensar que mal o carro arranca já estamos a 150 quilómetros por hora naquelas malditas estradas estreitíssimas onde não sep ode cometer qualquer erro… Mas o mais incrível é que os meus melhores troços acabaram por ser aqueles onde tinha treinado menos, onde improvisei mais e onde me tinha entregue totalmente à condução. Na verdade parti com receio mas depois as coisas recompuseram-se: sentia-me mais adaptado ao carro, com um navegador novo, cheio de vontade de vencer e ainda com um programa para a temporada, o que me motiva, não me obrigando a ter de mostrar quase tudo numa prova.”

Com Sérgio Cresto a adaptação foi fácil?

Muito fácil pois ele é extremamente profissional, cuidando com imenso cuidado de todos os problemas que dizem respeito ao piloto, pelo que sinto que posso confiar nele inteiramente. Creio que formaremos uma excelente equipa ao longo do ano.”  

Uma secreta esperança

Se Toivonen estava com algum receio à partida, a verdade é que nestes pilotos reside sempre uma secreta esperança na vitória, em que tudo corra bem:

“Depois dos testes que faremos em St. Jean-en -Royans, onde praticamente aprendi a guiar o carro na neve, pois consegui encontrar limite nessas condições, um limite que é claramente diferente daquele que se define em asfalto. Nessa altura, falei com o Sérgio e pensámos que se tivéssemos as condições normais de Monte Carlo podíamos aspirar a fazer um bonito… Foi a partir dai que ganhei a verdadeira confiança e se esperava que o Markku Alen voltasse a ser mais rápido, queria pelo menos fazer um bom lugar e isso era pelo menos nos quatro primeiros. Mas mais do que jogar para qualquer lugar, a minha preocupação fundamental era a de conseguir um bom começo em termos de Mundial, deixando para segundo plano a discussão de um segundo ou terceiro lugar. Dai que tenha dito ao Sérgio logo de início que iria andar depressa, mas sem correr qualquer risco. Só a partir de Gap, a meio do percurso comum, é que poderia começar a fazer planos. Depois, comecei a ficar surpreendido e muito agradavelmente, com os tempos, muito regulares, não com um primeiro lugar e depois com um décimo, mas com uma extrema regularidade, o que permitiu estar no comando. E após sete classificativas, comecei a pensar que ainda poderia ganhar este rali.

O acidente

Se Henri Toivonen começou por pensar numa hipótese séria de vencer esta edição de Monte Carlo, o seu moral foi altamente abalado pelo estúpido acidente sofrido a seguir ao troço do Burzet; Quando partimos de Grospierres, tinha combinado com o Sergio adoptar o andamento semelhante ao do dia e tudo estava a bastante bem. Aliás, devo referir que o ambiente antes era bastante sério dentro do automóvel, quase nunca afiávamos nos troços, mas agora estamos mais à vontade e chegamos mesmo a trocar impressões durante certas classificativas. Estávamos verdadeiramente a gostar da forma como as coisas se passavam quando surgiu aquele maldito acidente. Aí o moral foi totalmente abaixo.”

“Aliás, uma das coisas que mais gostei da minha atuação foi da forma como reagi ao acidente: depois desse momento, teria sido bastante fácil cometer um erro, pois o carro, apesar do excelente trabalho dos mecânicos, ficou longe de se encontrar perfeito. A coluna da direção abanava, as rodas não estavam alinhadas, tudo isto depois de quase ter chegado a pensar que a minha prova tinha terminado naquele momento! Na verdade, os mecânicos da Lancia são daquele tipo de nunca desistirem e começaram a trabalhar no carro, apesar de eu nunca ter acreditado que aquela suspensão pudesse ser recuperada. Mas s mecânicos continuavam a chegar, havia cada vez mais gente a trabalhar e quando Um eles começou a tentar montar um amortecedor, dei comigo a pensar se seria ideia deles que eu voltasse a conduzir aquela “coisa”. Cinco minutos mais tarde o Sérgio disse para me sentar ao volante, perguntei-lhe se ele achava que o deveríamos fazer ao que me respondeu que eu me deveria limitar a estar sentado e a guiar…

“É claro que os primeiros metros foram um susto, pois o volante mais parecia um comando de um avião de feira, pois a coluna movia-se cinco centímetros para cada lado, e cheguei a pensar que para mim chegava. Foi uma ligação terrível até ao controlo seguinte e apenas peço desculpa aos espetadores se assustei algum até chegar ao troço seguinte.”

Para Henri Toivonen foi uma chegada quase de loucura ao controlo horário, o que acabou por provocar a Iesão de Cresto que, na ânsia de entregar a carta, acabou ele também por se ‘despistar’ junto da mesa, lesionando-se no joelho. Bem, foi uma verdadeira Ioucura, quase ‘comemos’ os carros que estavam parados junto ao controlo. O Markku depois que apenas ouviu um barulho, teve a certeza de que iria haver um grande acidente, mas nem sequer teve tempo de tirar os cintos, pois eu já tinha passado…”

“Mal chegámos à zona de controlo, grande travagem, ainda embalado Sérgio abriu a porta e tentou sair e só me Iembro de ter a sensação de estar a ver um grande ginasta a fazer um espetacular salto, só que ele terminou no chão. Por incrível que pareça, Toivonen acabou por penalizar um minuto apenas por 14 segundos, o que não deixa de ser frustrante, depois de tudo o que passaram. Mas segundo Toivonen, o seu principal problema foi um certo pessimismo que se abateu sobre ele, porque pensava não poder aguentar o ritmo no troço seguinte. Mas Fiorio rapidamente o convenceu: “Se conseguiste chegar aqui, então vais ganhar. Com as afinações logicamente tocadas, o Delta S4 não voltou a ser o mesmo carro, mas Toivonen rapidamente aprendeu: O carro subvirador nas curvas para a esquerda e, de repente, a traseira dava de si, tornando-se sobrevirador nas curvas para a direita. A partir daí, adotei um novo estilo de condução, com o pé sempre em cima do travão nas curvas para a direita, adotando um estilo mais agressivo nas curvas para a esquerda, enquanto Pianta dava maior ‘camber’ à rodada direita.”

Para Toivonen, as coisas agravaram-se com as dores na perna direita, mas segundo o piloto essas dores só surgiam nas ligações pois nos troços esquecia-se por completo. Mas tudo se complicou com um furo, umas escolhas erradas de pneus e finalmente uma troca de pneus em pleno troço que apenas serviu para atrasar mais Toivonen em relação a Salonen. Mas mesmo assim, tudo ficava em aberto para a última etapa e Toivonen sabia isso.

O grande ataque

A vida de um piloto é dura, sobretudo quando este tem vontade de ganhar e quer fazer sempre mais e melhor. Foi o que sucedeu com Toivonen:

“Quando saímos do último troço e nos dirigíamos para a assistência perguntei ao Sérgio o que fazer. Ai ele só me perguntou se eu estava cansado. Respondi que não. Questionou-me se eu estava motivado e queria ganhar. Respondi que sim. De imediato, pegou no microfone do rádio e chamou por Ninni Russo, para que este obtivesse o consentimento de Cesare Fiorio para dispormos de um helicóptero pronto em Monte Carlo e um carro em Puget­Théniers, que mal terminássemos o percurso comum iríamos treinar a última etapa. Ainda parece que estou a sentir o “what?” de espanto do Ninni… Deste modo, mal chegou a Monte Carlo, Toivonen arrumou o Delta S4 no parque fechado e voou de novo a caminho da estrada, para treinar os troços do dia seguinte.”

“Ao princípio da noite, entravam num hotel duas pessoas bastante cansadas, mas felizes. Sentíamos que podíamos ganhar. Mas as coisas não começaram por nos correr bem: logo no troço de abertura, aquele bandido do Salonen ainda nos ganhou tempo… Então, tínhamos perdido todo aquele tempo para nada. Foi uma sensação como se me tivessem tirado o tapete debaixo dos pés. Cheguei a pensar que não havia nada a fazer. Mas tudo mudou no Turini, onde as coisas começaram a correr a nosso favor, até passámos de novo para a frente do rali e quando no último troço da primeira passagem perdi três segundos quando pensava conceder 15, terá sido esse o momento em que me certifiquei de que só dificilmente perderíamos este rali. Na segunda passagem pelos troços, começámos logo pelo de Peille, onde tinha perdido terreno de manhã e quando soube que o piso estava molhado, era o homem mais feliz do mundo. Decidi manter a velocidade, pois, se abrandasse, por certo que perderia a concentração. Veio, então, o momento mais importante desta fase final, o troço de La Couillole, onde praticamente tudo se resolveu: “Quando começámos o troço, sabíamos que o nosso carro era o melhor para as condições em que ele se encontrava. Os dois primeiros quilómetros foram Impressionantes, pois apesar do gelo, quase pudemos manter a mesma velocidade de piso seco.”

“Estava a divertir-me imenso e cheguei mesmo a perguntar ao Sérgio se não estávamos a andar depressa demais. Mas não, parece que aquele deveria ser o nosso andamento. Comecei, então, a olhar para as trajetórias do Timo e senti que estava a ganhar tempo, pois ele estava a ser extremamente cuidadoso, não cortando as curvas, pelo que de imediato me pus a calcular. Aqui ganhei-lhe dois segundos, aqui mais um, travei mais tarde, onde já não havia neve e tinha melhor aderência, mais um segundo. Quando chegámos ao cimo da subida e me preparava para iniciar a descida, ouvi nos altifalantes do meu capacete um grande grito do Sérgio: “Ele ai está…” Quase perdi o controlo do carro e só depois vi as luzes do Peugeot de Salonen. A partir daí decidi ir mais devagar, só que não o consegui fazer na prática. Na verdade quando tudo corre bem e se tem confiança, é melhor manter a velocidade, para não cometer qualquer erro provocado por um certo relaxamento. O rali tinha terminado aqui…”

E a entrevista também!

Fernando Petronilho

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