Entrevista a Ricardo Teodósio: A viagem rumo ao topo

Por a 23 Fevereiro 2020 15:32

A 25 de fevereiro de 1990, um jovem algarvio viajava até Matosinhos e ao histórico Kartódromo do Cabo do Mundo para disputar a sua primeira prova no Campeonato Nacional de Karting. Trinta anos depois, Ricardo Teodósio entra na nova época como campeão nacional de ralis, mas sabe que para defender o título terá de usar todos os trunfos num dos melhores campeonatos da Europa.

Por Ricardo S. Araújo

Fotos: Zoom Motorsport / António Silva

Case study. A popularidade de Ricardo Teodósio entre os adeptos dos ralis dava um estudo sociológico sobre o que realmente motiva a multidão de aficionados da modalidade em Portugal e no estrangeiro. Durante anos, o piloto algarvio encantou as massas com um estilo exuberante e pouco dado a ‘gestões’, a mesma postura sem filtros que demonstra em frente aos microfones, estejam eles a gravar ou não. Em 2018, na sua primeira época completa de R5, surgiu a primeira vitória absoluta, no asfalto de Castelo Branco. Mas foi verdadeiramente em 2019 que o talento natural reconhecido a Teodósio se encontrou no espaço-tempo com a maturidade competitiva que molda os campeões, seja em que modalidade for. Um processo que, contudo, não aconteceu da noite para o dia e que não envolveu apenas o piloto da Guia. O processo começou com outro pilar fundamental deste sucesso dentro e fora do carro, o navegador José Teixeira, continuou depois com a experiência e know how da ARC Sport (estrutura que acompanha a dupla algarvia desde 2018) e que terminou no grupo restrito de colaboradores mais próximos de Ricardo Teodósio, que aumentaram o profissionalismo noutras vertentes da sua carreira (como a Comunicação e o Marketing) e foram, aos poucos, operando uma mudança na abordagem de Teodósio aos ralis e aos campeonatos.

A essência está lá. Em muitos aspetos, Ricardo Teodósio não mudou desde essa primeira corrida de Karting na pista do Cabo do Mundo, há 30 anos. Que ninguém duvide que Teodósio continua a ser um animal competitivo, daqueles que se remói em silêncio quando não vê a mesma centelha na geração millennial imersa em smartphones e redes sociais. Só que, como qualquer diamante, Ricardo Teodósio teve de ser lapidado pelo tempo, pela persistência e pelo trabalho. O produto final é um dos principais candidatos à vitória num dos campeonatos mais apetrechados e disputados da Europa. Esta é a história de uma viagem de lado… mas a alta velocidade.

AutoSport: Há quem diga que tiveste de mudar um pouco o teu estilo de pilotagem para seres mais eficaz e chegares a campeão nacional. Isso é verdade?

Ricardo Teodósio: É verdade que fui um pouco pressionado pela equipa, tanto pela ARC como pela minha equipa, a equipa Ricardo Teodósio, para fazer pequenas alterações na minha forma de conduzir, para andar menos de lado e ser mais eficaz. Posso até ser mais eficaz agora, mas continuo a não ser a melhor pessoa para gerir andamentos. O que eu gosto, e o que todos gostamos, é de ralis como o Vidreiro do ano passado, em que tivemos de andar muito próximo do limite do primeiro ao último quilómetro do rali. Perdemos a prova por 0,6s com duas costelas partidas, mas fiz um rali como eu gosto, sempre com a obrigação de andar em maximum attack, até ao último troço.

Mas no Rali Casinos do Algarve, por exemplo, essa já era a obrigação da nossa concorrência, o que até pode ser melhor porque não tens outra alternativa. Nós tivemos que gerir o rali e ao mesmo tempo descobrir um carro novo, que é sem dúvida superior ao anterior, mas que exige uma certa habituação no asfalto, principalmente para encontrarmos o limite da travagem. Cumprimos na íntegra o nosso plano e fomos campeões. Ganhámos dois ralis em oito, o que mostra que para se ser campeão é preciso ter sempre um andamento vivo mas sobretudo ser consistente. É verdade que passámos por experiências novas, de gerir alguns ralis, algo que eu não gosto, mas que fizeram parte do nosso título.

Eu diria que nenhum piloto gosta de gerir. Até os adeptos normalmente tendem para os pilotos com um estilo mais espetacular, sejam eles campeões ou não. Mas o Ricardo Teodósio em 2020 é o produto de todo um amadurecimento, toda uma aprendizagem ao longo de anos, desde os tempos dos karts?

Ainda hoje gosto muito de andar de kart. Porque o karting é instinto. Mas atenção que não é só piloto, máquina e asfalto. A máquina tem que estar bem afinada para aquilo ter piada. Tu sentes a pilotagem de um kart com o rabo e com o tronco, qualquer mudança mínima, seja na pressão dos pneus, no eixo que estás a usar, na cremalheira, tu vais sentir isso no teu corpo e no tempo por volta. O karting ensinou-me isso, deu-me esse instinto.

Comecei a correr nos karts com 14 anos, se calhar hoje os miúdos começam muito mais cedo. Mas altura apanhei uma concorrência fortíssima, na então categoria Júnior (motores de 100cc com 25cv de potência), apanhei o Gonçalo Gomes, Jaime Correia, Nuno Barros, Nuno Dinis, Sandra Barros, Francisco Guedes, Tiago Rodrigues e outros. No meu terceiro ano de karts, em 1992, subi para a categoria Fórmula A e fui campeão nacional, onde o meu principal adversário era o Charles Flores.

Sei que às vezes vais andar de kart e fazes uma acrobacia, tipo um pião de 360º na reta da meta, e os miúdos vão-te perguntar como é que fizeste aquilo. Se calhar a resposta é isso… instinto.

Pois, mas o instinto ganha-se por exemplo a andar à chuva de slicks e dar voltas e voltas, a compreender o grip, a aprender como é que se domina o kart a meio da curva quando a traseira já foi embora. Hoje, quando começa a chover eu vejo os miúdos que estão treinar a recolherem à box, eu pergunto-lhes porquê. E eles dizem-me, “Ah, o kart vai ficar todo sujo, eu vou ficar todo molhado”, e respondo logo “Todo molhado? Mas isto por acaso é ballet??”. Porque os miúdos aprendem muito nessas condições, ganham esse instinto de que tu falas, mais até do que se dessem 100 voltas em seco.

É essa a famosa escola do karting de que toda a gente fala?

Nem toda a gente passou por aí, mas para mim foi muito importante. Aquilo que sou hoje começou aí, há 30 anos. São muitos anos a virar frangos! (risos) Nem todos sabem mas nos campeonatos da Europa e do Mundo de karting eu corria com pilotos que chegaram à Fórmula 1, como o Giancarlo Fisichella, o Jarno Trulli ou o Giorgio Pantano. Eu rodava muito os motores e os karts para o Fisichella, que na altura já fazia Fórmula 3. O dono da fábrica, a PCR, pedia-me para ir para a pista e rodar o kart do Fisichella antes de ele chegar. E eu percebia logo que aquele material não tinha nada a ver com o meu! Mas partilhámos muitas vezes a tenda nos Europeus e Mundiais, o Fisichella era um tipo simples. O Trulli corria noutra marca, a Tonykart. O Pantano corria de CRG mas quando foi andar de fórmula pela primeira vez eu fui o coach dele. Todos eles tinham um grande talento mas era preciso trabalhar a sério.

Depois passaste para os fórmulas. Para ti era como se fosse um kart maior?

Não. Eu nunca andei num Fórmula 1 mas acho que esse deve ser o único fórmula realmente parecido com um kart. Todos os outros ou têm mais chassis do que motor, ou vice-versa. Se calhar é por isso que hoje pilotos como o Verstappen têm carreiras tão curtas nos fórmulas de promoção, saltam quase dos karts para a Fórmula 1.

Até agora só fizeste duas épocas completas de R5 e não chegaste a correr com os S2000. Ganhaste um rali no primeiro ano de Skoda e foste campeão no segundo ano. A que se deveu essa rápida adaptação aos R5?

É verdade que o Skoda foi desde sempre o melhor R5, o que facilita, e gostei ainda mais do novo Evo no teste que fizemos em terra, onde já deu para perceber que o carro é muito eficaz. No asfalto, ainda temos trabalho a fazer e já o começámos a fazer com a Skoda Motorsport. Lá está, são os pormenores que fazem a diferença e só consegues melhorar esses pormenores com trabalho e dedicação. Quando chegarmos à fase de asfalto vamos melhor preparados do que no Algarve em 2019.

Podemos dizer que temos hoje um Campeonato de Portugal de Ralis ultracompetitivo, com vários pilotos a querer discutir a vitória em cada rali. O que esperas para 2020?

Acho que vai ser um cenário parecido com o do ano passado em termos de candidatos ao título, mas com a diferença de o Armindo (Araújo) agora correr com um carro igual ao nosso. Todos os nossos adversários diretos são campeões nacionais. O Zé Pedro (Fontes), o Bruno (Magalhães), o Armindo e o (Pedro) Meireles são pilotos muito experientes e que têm os seus argumentos, tal como nós. Vamos tentar fazer bem o trabalho de casa e começar o campeonato com um bom resultado em Fafe e Felgueiras, se possível com uma vitória como no ano passado.

Em breve vais ser pai outra vez. Vão ser menos uma horas de sono, mais umas décimas por quilómetro…

Vou ter que me reeducar outra vez. Fui pai pela primeira vez há 18 anos, e o meu filho mais novo tem oito. Por isso, vou voltar a passar pelas mesmas rotinas que tinha nessa altura, porque eu gosto de ser um pai presente, daqueles que muda fraldas, que dá banho, faz o que for preciso para ajudar. E pode ser que seja a Isabela a seguir os passos do pai, porque os meus filhos não querem saber de corridas! No início custava-me um pouco não ver neles essa paixão que o pai tem, eles até gostam de andar de kart, nota-se que têm algum jeito, mas não gostam muito de concorrência. E isso é fundamental. Em qualquer corrida eu chego e pergunto quem é o mais rápido. A partir daí o meu único objetivo é ser ainda mais rápido, é ganhar a esse piloto. E essa faísca, essa garra… ou tens ou não tens. Não é algo que se ensina.

Plantar árvores para minimizar pegada ecológica

Uma das novidades no projeto de Ricardo Teodósio e José Teixeira para 2020 é uma iniciativa de caráter ambiental, que pretende compensar a pegada ecológica da equipa na sua atividade desportiva. “Ao longo do ano vamos ter uma empresa especializada a medir a nossa pegada ecológica”, explica José Teixeira, um dos grandes responsáveis pela iniciativa. “No final do ano, vamos calcular o impacto total da nossa época em termos de emissões poluentes e vamos plantar um número de árvores que permita pelo menos anular esse valor, para tentar compensar o efeito da equipa sobre o ambiente. Sabemos que, hoje em dia, estas questões são muito sensíveis e foi muito gratificante ver a adesão de todos os nossos parceiros e patrocinadores à iniciativa, incluindo os três municípios do Algarve que nos apoiam, Lagoa, Albufeira e Vila do Bispo”, destacou José Teixeira.

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