As 10 vidas de Jari-Matti Latvala

Por a 22 Julho 2013 12:38

Jari-Matti Latvala correu este fim de semana no Rali da Estónia Histórico, aos comandos de um Audi Quattro, mais um marco numa carreira que tem apenas mais alguns meses para lá da década de ralis que comemorou o ano passado. Nessa altura, numa longa conversa, o finlandês olhou para trás e reconheceu o que fez mal, mas também para a frente para perceber o que lhe reserva o futuro…

Em 1985, a maior parte das crianças gostava de brincar com carrinhos. No ano em que nasceu Jari-Matti Latvala, era dos livros: meninas brincavam com bonecas; meninos com carrinhos! Oito anos depois, em 1993, não era muito diferente. Sem vislumbrar ainda no horizonte o advento da era dos jogos eletrónicos, uma boa prenda de Natal, para um miúdo de oito anos, seria sempre uma miniatura, um carro telecomandado ou um fato de piloto em miniatura. Pois… mas não para o pequeno Latvala! Enquanto as crianças organizavam as suas corridas e ralis nos tapetes de qualquer sala de jantar, o minúsculo Jari-Matti preferia brincar num tapete… gelado! Com essa tenra idade, aquela criança finlandesa de óculos deliciava-se ao volante de um Ford Escort, à escala 1/1, (antes de passar para um mais potente Sunbeam Avenger adquirido à família Henri Toivonen) nos lagos gelados, descobrindo as maravilhas da contrabrecagem e do controlo absoluto de um automóvel. Se já existisse a massificação da Internet, Latvala seria, por certo nessa altura, aquilo que é hoje, Kalle Rovanpera (filho de Harri Rovanpera): um fenómeno do Youtube. A mistura de ousadia, coragem e talento com os genes dos finlandeses voadores só podia, mais tarde ou mais cedo, atirar o piloto nascido em Toysa para a ribalta. Pisar o trilho do sucesso era uma questão de tempo…

Primeiro rali do WRC sem carta

…O mesmo tempo que viu crescer o piloto que, há uma década, então com 17 anos, fazia a sua primeira aparição no Campeonato do Mundo de Ralis. Como não tinha ainda 18 anos, nem carta de condução, Latvala teve que se estrear no WRC no Network Q Rali da Grã-Bretanha de 2002, o mesmo rali que, uma década depois lhe permitia assegurar a sétima vitória da sua carreira. A história dos últimos 10 anos, recheados de aventuras dramáticas começa assim, na voz do próprio Jari-Matti Latvala: “Quando começamos a correr fora de portas, não tínhamos um plano específico de 10 anos para o sucesso, mas, certamente, que a minha família já tinha em mente tornar-me um piloto de fábrica. O primeiro objetivo foi tanto concentrar-me nos resultados, mas sim em ganhar experiência, especialmente nos ralis do Campeonato do Mundo disputados em pisos diferentes. Só depois disso é que começamos, mais seriamente, em tentar chamar a atenção das equipas oficiais que, em 2006, me deram uma oportunidade, nomeadamente, a Stobart M-Sport que me resolveu contratar”… É difícil manter uma conversa no ritmo certo com Latvala. A forma como explica o seu passado é tão rápida como a forma como anda na estrada.

Temos que o travar e voltar a fazer entrar na ‘máquina do tempo’ para percebermos como se constrói um piloto oficial falível, mas sempre muito, muito rápido. “Desde 1981 que o meu pai era piloto de ralis. Foi o melhor piloto ‘Júnior’ em 1983 e ganhou o campeonato finlandês em 1984 num Grupo N, ganhando dinheiro suficiente na sua empresa para correr patrocinado por ela, sem mais nenhum apoio. A sua paixão rapidamente passou para mim e o seu incentivo foi grande quando percebeu que eu também gostava de ralis. E tudo começou então a acontecer na minha carreira de forma muito rápida. Timo Jouhki arranjou-me uma sessão de testes, na Finlândia para jovens pilotos, em setembro de 2001 quando soube os meus bons resultados nalgumas provas ‘caseiras’, chamados ‘rallysprints’ que temos na Finlândia. O selecionado nesse teste foi… curiosamente, Mikko Hirvonen (que é cinco anos mais velho que eu), mas o Timo ficou bastante entusiasmado comigo. Quis também dar-me uma oportunidade, apesar de nunca ter trabalhado, até então, com alguém tão novo. Foi assim, que me enviou para Inglaterra para conhecer o Pentti Airikkala e evoluir a minha condução na sua escola de pilotagem. Pentti estabeleceu-me em Inglaterra e, assim, pude tirar a carta de condução lá e iniciar-me nos ralis britânicos.

Ele arranjou-me um navegador (Carl Williamson) e uma equipa. Começou a tratar da minha carreira e a ‘construir-me’ como um piloto de fábrica. Colocou-me num Renault Clio, mas o Timo disse que me queria rapidamente ao volante de um carro de quatro rodas motrizes e o Pentti não perdeu muito tempo e arranjou-me um Mitsubishi. O Pentti foi o início de tudo na minha carreira. Ele tinha os contactos certos, o que se revelou muito importante, depois do bom resultado conseguido logo na prova de estreia do WRC, no Rali da Grã-Bretanha de 2002”, explicou Latvala que só precisou de pouco mais de seis meses, depois dessa prova para se sentar ao volante de um World Rally Car. Efetivamente, a segunda prova no WRC (Grécia 2003), do finlandês já foi disputada num Ford Focus WRC cedido pela Ford. “ E isso foi um momento muito especial porque estava a representar um construtor aos 18 anos!”, recorda, antes de mergulhar novamente no tempo e lembrar que “foi um rali muito quente e eu não estava habituado aquelas temperaturas pelo que fiquei incrivelmente cansado. Naquele tempo, não precisávamos de usar fatos de três camadas ignífugas. Bastava uma t-shirt. Cada vez que chegava ao Parque de Assistência a minha t-shirt estava totalmente encharcada. Terminei em 10º, o melhor resultado que alguém já tinha feito ao volante de um WRC com a minha idade. Acho que foi um recorde na época mas hoje já deve ter sido batido. Mais importante que isso foi o facto de ter batido o Didier Auriol por um segundo, num troço!”…

A irregularidade como inimiga

Mas a seguir a esse grande momento vieram outros piores… e melhores… e piores… e melhores, numa dinâmica comportamental que, muitas vezes, desafia qualquer lógica. Em relação a isso Latvala não avança com nenhuma explicação que, se conhece, guarda para si mesmo. Detém-se antes na contemplação das situações: “em 2004 foi um ano mão e muito difícil quando fiz a Junior WRC. Basicamente, em vez de darmos um passo em frente, demos um para trás. Mas, em 2005, já foi um ano bom ano pois ganhei o Grupo N na Sardenha e na Córsega. Depois em 2006, chegou a oportunidade de guiar para a Stobart e no Rali da Grã-Bretanha terminei mesmo em quarto. Nesse ano, também ganhei a Produção na Austrália e na Nova Zelândia, que foram momentos importantes na minha carreira. Em 2007, a Stobart contratou-me para toda a temporada e alcancei o meu primeiro pódio e na Sardenha também cheguei, pela primeira vez, à liderança de um rali. E depois chegou a minha primeira vitória, no Rali da Suécia de 2008!”. A tal que em que destituiu a honra do seu ídolo de infância, Henri Toivonen, que era, até então o mais jovem piloto a ter triunfado numa prova do Mundial de Ralis.

Esta é apenas a parte boa da história. A má é que, parece haver sempre um ‘diabinho’ nas costas de Latvala a empurrá-lo para momentos menos agradáveis. Desse rol de situações que teimam em perpetuar a reputação de Latvala como duvidosa, o destaque vai, como o próprio reconhece, para “o Rali da Polónia de 2009 onde no último troço perdi o segundo lugar!”. E é aqui que o atual piloto da equipa oficial da Volkswagen abre um pouco o jogo: “entre os desapontamentos que tenho tido, tenho sido até feliz! Tenho tido a oportunidade de ver e analisar muitas coisas. Mas evidentemente que se tivesse sido capaz de aprender coisas sem cometer erros, a minha carreira poderia ter evoluído mais rapidamente. Depois das coisas acontecerem, pode-se sempre dizer ‘mas se’… Em todo o caso, estou satisfeito com o que alcancei até agora, e sedento de mais vitórias”.

Venham mais 10 e o título

Foram oito os triunfos em 124 ralis (até ao último Rali da Sardenha) e resta saber o que ainda aí vem pelo que nada melhor do que perguntar a Latvala quais são os seus planos para os próximos 10 anos, agora que os primeiros 10 no WRC já fazem parte do livro de recordações. “Atualmente sou piloto oficial, mas preciso de manter o meu nível. Há muitos jovens pilotos que gostariam de estar na minha posição! O meu próximo sonho é ganhar o Mundial de Ralis e tornar-me campeão. Entretanto, tenho também que ganhar ralis de asfalto. 10 anos já é muito tempo e espero que daqui a outros 10 ainda possa ser piloto oficial”. Uma questão que, certamente, só se porá em causa se a rapidez inata de um dos últimos decanos da geração de finlandeses voadores decrescer vertiginosamente. É que mesmo sem ter dado todas as provas de maturidade que talvez se esperassem ao final de uma década de presenças no WRC e falhando, por isso, em momentos pouco oportunos, será difícil a um construtor desperdiçar este concentrado de talento em forma de piloto!

Gronholm serviu de exemplo

Apesar de ter Henri Toivonen como seu ídolo de criança, foi a Marcus Gronholm que Jari-Matti Latvala foi buscar a inspiração para se tornar um dos mais rápidos pilotos da atualidade no Mundial de Ralis. O finlandês não esconde que “o Marcus foi um dos principais pilotos que tentei seguir as pisadas. Há 10 anos, era ele e o Colin McRae que cá estavam e era incrível ter a oportunidade de falar com eles durante os ralis. Eu já era fanático por ralis desde criança e era uma sensação incrível estar por dentro daquele mundo. No meu primeiro rali, lembro-me que o Marcus liderou até ter um problema hidráulico e perder, com isso, a concentração e sair de estrada”.

O que mudou em 10 anos?

Uma década no Mundial de Ralis é já muito tempo. O suficiente para Latvala encontrar muitas diferenças desde o início da sua carreira até aos dias de hoje, numa leitura da realidade bastante curiosa. “Acho que 2002 foi uma era de ouro para o WRC. No ano em que me estreei no Mundial de Ralis, no Rali da Grã-Bretanha, era o número 35 e foi o 31º na estrada, num Mitsubishi de Grupo N. Todos os 30 carros que estavam à minha frente eram World Rally Cars. Só havia um WRC atrás de mim que era o do Valentino Rossi! O ano passado este mesmo rali teve apenas 31 participantes! Em 2002, terminei em 17º e todos os carro que ficaram à minha frente eram World Rally Cars. Todos os WRC eram carros de fábrica (à exeção do de Alistair Ginley), numa altura em que havia oito construtores oficiais a correr com World Rally Cars”, foca Latvala. Por outro lado, também refere que “os ralis eram muito longos. As etapas começavam de madrugada e o dia de prova arrastava-se até à noite, sem esquecer que havia muitos mais espetadores e a promoção funcionava muito melhor do que hoje”.

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