Mundo motorizado à espera

Por a 11 Abril 2020 18:16

Fábio Mendes e José Luís Abreu

FOTOS Philippe Nanchino/Arquivo Autosport

As medidas de contenção do COVID-19 parecem estar a funcionar na Europa, enquanto os EUA são agora o epicentro da tragédia. Em termos gerais, a pandemia parece estar a enfraquecer, mas a luta ainda vai ser longa até que o mundo em geral, Europa em particular, vençam esta corrida.

Fazendo uma analogia, é como se o mundo estivesse numa longa prova de endurance, duma corrida que começou em Wuhan na China, e tem percorrido os principais ‘recantos’ do mundo. O epicentro desta tragédia já esteve na Ásia, mudou-se para a Europa e agora o ‘furacão’ assola a América do Norte com toda a força. Em Portugal, as medidas de contenção estão a funcionar, mas estamos ainda longe de poder começar a baixar a guarda.

Olhando para os números, os novos infetados em Portugal diminuíram nesta semana, e por isso não andaremos longe de ter cada vez menos mortes diariamente. Como se pode perceber facilmente, isto é resultado direto do isolamento social, que segundo os especialistas, tem de continuar a ser respeitado.

Portanto, é com otimismo que podemos olhar para o que temos pela frente, embora saibamos que muita gente, especialmente grupos de risco, teimam em perceber quão grave a situação ainda se pode tornar. Não podemos permitir que as recentes boas notícias redundem em facilitismo.

Passando para o automobilismo, e começando por Portugal, está tudo na mesma.

Ni Amorim, presidente da FPAK, reafirmou a sua apreensão face ao momento que se vive no desporto automóvel nacional, nomeadamente que a “preocupação é grande porque já se perderam muitas dezenas de provas. Preocupa-me bastante a situação dos nossos associados, dos nossos licenciados que fizeram investimentos para a época, quer em viaturas novas quer em material para essas mesmas viaturas, preocupa-me imenso as equipas que vivem exclusivamente do motorsport e empresas que vivem direta e indiretamente, e portanto a situação é, neste momento, muito complicada”, disse, adiantando que ainda é cedo para começar a traçar cenários.

Lay Off na F1

Na Fórmula 1 a situação não é em nada diferente à generalidade das competições, e até a própria estrutura liderada por Chase Carey, se colocou em ‘lay off’, incluindo o ‘Chefe’, que abdicou de metade do salário num contexto em que a F1 ‘dispensou metade do seu pessoal.

O GP do Canadá de F1 foi a mais recente corrida adiada/cancelada, a nona do ano e os responsáveis das equipas, a FIA e a F1 desdobram-se em reuniões para traçar um caminho. Com nove corridas adiadas/canceladas, a F1 enfrenta potenciais gigantes perdas monetárias e para já continua sem haver garantias de que este ano se realizem corridas. Enquanto as equipas ponderam a forma de abordar esta questão coletivamente, a Mercedes já fabricar 1.000 ventiladores por dia na sua fábrica de motores em Brixworth.

Voltando ao dinheiro, todas as três principais fontes de receita da F1 estão ameaçadas. A TV representa 38% das receitas, os valores pagos pelos promotores são de 30% e os patrocínios, 15%. Com nove corridas de 22 previstas adiadas ou canceladas, aproxima-se o número mínimo de provas em que as TV têm que ser compensadas algo que também deve suceder com os patrocinadores.

Neste momento a primeira corrida agendada é agora o GP de França, previsto para 28 de junho e Chase Carey já disse ter esperança que a F1 possa disputar entre 15 e 18 corridas esta época algo que é totalmente incerto para já. Por exemplo, o MotoGP cancelou mais duas corridas, em Itália e na Catalunha, sendo que seu chefe executivo, Carmelo Ezpeleta, já alertou para a possibilidade de toda a época poder ser cancelada, a menos que seja encontrada uma vacina bem sucedida para a Covid-19: “Até termos vacinas para impedir a propagação do coronavírus, será muito difícil ou impossível organizar provas e outros grandes eventos. Mesmo que a vida volte a normalizar-se um pouco, as proibições de viajar permanecerão em vigor em todos os países”, disse Ezpeleta.

No meio disto tudo, as equipas conversam relativamente à possibilidade de uma maior redução do teto orçamental dos 150 milhões de dólares já aceites. Para já não há acordo.

Entretanto, a F1 e a FIA também concordaram em alargar o atual período de paragem de 21 para 35 dias. O encerramento, normalmente efetuado nas férias de verão, foi agora implementado devido ao coronavírus, devendo estender-se entre os meses de março, abril e maio. Contudo, os projetos relacionados com a assistência ao trabalho contra o vírus podem continuar. De resto, discussões adicionais sobre este tópico (prolongamento do fecho) permanecem em aberto, à luz do impacto global em curso da Covid-19.

Entretanto, depois da Williams, Racing Point e McLaren, também a Alfa Romeo e Renault colocaram funcionários em ‘lay off’. A Alfa Romeo colocou o seu pessoal em licença temporária e vai tentar beneficiar de um programa similar ao do Reino Unido, para poder cortar em salários durante a crise. A Renault F1 decidiu colocar em licença temporária a grande maioria dos seus funcionários, reduzindo parcial ou totalmente as atividades nas suas instalações Viry-Châtillon e Enstone, as duas fábricas da equipa francesa. Em Enstone, a Renault Sport Racing decidiu candidatar-se retrospetivamente ao Job Retention Scheme criado pelo governo britânico. Na Williams, apenas parte do staff da equipa ficará em casa, e também os altos quadros da estrutura receberão cortes no salário, tal como os pilotos George Russell e Nicholas Latifi. O mesmo sucedeu na Racing Point, com parte do staff a ser colocado em licença temporária e com os pilotos Sergio Pérez e Lance Stroll a aceitarem cortes nos seus salários. Como se percebe, é algo que se vai generalizar.

Lutar para baixas custos

Noutro âmbito, e com o ‘filme’ que se antevê pela frente, a F1 luta para baixar custos. Ross Brawn explicou que foi preciso uma crise como a pandemia coronavírus para que conseguissem avançar decisivamente na questão dos elevados custos. Brawn diz que agora as equipas reconhecem que devem ser mais agressivas com o teto orçamental: “Lutámos muito para chegarmos ao teto orçamental. Ficou mais elevado do que estávamos à espera, mas tivemos de equilibrar perante todas as equipas. Esta crise veio criar uma oportunidade para que as pessoas olhassem em termos realistas para o orçamento. Fez com que pudéssemos renegociar com ainda mais determinação.”

O CEO da McLaren, Zak Brown, concorda: “Há muito tempo que sabemos que o modelo de negócio da F1 não é sustentável. Foi preciso um evento destes para as pessoas começarem a perceber que não podemos ter os luxos do passado. Precisamos de tomar decisões agressivas para dar a todos os intervenientes confiança e razão para se empenharem. Sem dez equipas ou pelo menos nove equipas, não temos F1. Algumas equipas devem ter muito cuidado, porque acho que estão a brincar com o fogo. É preciso uma grelha completa para se ter um desporto; portanto, se eles continuarem com o desporto insustentável e duas equipas perderem o interesse ou se não puderem mais participar financeiramente, então correrão contra si mesmas. E isso não vai funcionar. Acho que a Daimler está a fazer um excelente trabalho, reconhecendo a situação em que estamos. Então podem deduzir quem são as outras equipas. Sei que a F1 é uma enorme plataforma de marketing para elas, e entendo por que querem manter tudo como está agora. Mas no desporto queremos pensar que todos podem lutar de maneira justa e que o melhor vença”, disse Brown.

Fica assim claro que é a Red Bull e a Ferrari que estão a ‘emperrar’ as negociações e que não querem baixar o limite orçamental, mas Mattia Binotto explica o seu ponto de vista ao propor um plano em que as equipas que produzem tenham um maior orçamento do que as equipas clientes: “Estamos a par de todas as dificuldades das equipas. Precisamos de rever os custos da F1, para um futuro melhor. Continuamos em discussões, mas não nos podemos esquecer que cada uma tem diferentes estruturas. Se calhar a resposta não é um orçamento único. Existem equipas de construtores, por exemplo a Ferrari, que desenha, desenvolve, homologa cada um dos seus componentes. Outras apenas compram algumas partes, por isso não têm a mesma estrutura. Acho que devíamos discutir um teto orçamental diferente, porque são situações diferentes.”

No meio disto tudo, há muita gente preocupada com a F1, por exemplo, Nico Rosberg: “Muitas receitas serão perdidas, mas, ao mesmo tempo,a F1 já implementou medidas agora para poupar muito dinheiro. O desenvolvimento foi interrompido e agora discutem outras coisas. Mas o maior problema é a situação financeira de algumas das equipas menores, porque a F1 precisa de todas as equipas para participar. Se duas ou três equipas menores ‘caírem’, então não será mais um grande desporto, porque não há equipas suficientes a competir “.

Mais adiamentos nos ralis

Nos ralis a situação é um pouco diferente, mas não muito. Como sucede em todo o lado o calendário vai sendo ‘empurrado’. Agora foi a vez do Safari. A organização do evento confirmou que depois de conversas com a FIA e o promotor, a prova africana, agendada para 16 a 19 de julho foi adiada. No calendário, segue-se o Rali da Finlândia, previsto para o início de agosto, que está a quatro meses de distância, esperando-se que nessa altura já seja possível realizar provas. Depois do Rali do México ter terminado um dia antes do previsto, e depois dos adiamentos das provas da Argentina, Portugal, Itália e Safari, vamos ver se é possível reiniciar o campeonato na Finlândia e como poderá ser escalonado o calendário. Entretanto, a FIA interditou a realização de testes de equipas do Mundial de Ralis até ao final do mês de maio.

De resto, já há quem aponte caminhos e um deles podem ser ralis mais curtos. Depois do presidente da FIA, Jean Todt, ter publicado uma carta aberta às federações nacionais, exortando as pessoas a “pensar de forma diferente, agir de forma diferente”, o Diretor da M-Sport Ford, Richard Millener disse que tem que haver capacidade do promotor para fazer as coisas de forma diferente e sugere ralis em dois dias: até aqui os ralis começam à quinta-feira com a cerimónia de abertura, uma super-especial em alguns casos, e termina no domingo antes da hora de almoço com a Power Stage, mas o que Millener diz é que talvez fosse bom encurtar drasticamente as provas, de modo a que, pelo menos este ano se possam fazer mais, pois com o tempo a passar e o ano a ficar cada vez mais curto, começa a tornar-se quase impossível realizarem-se todas as provas agendadas e adiadas.

Fórmula E adia Gen2 Evo

A Fórmula E e a FIA confirmaram que irão avançar para a redução dos encargos financeiros das suas equipas, na sequência desta pandemia de coronavírus, através da redução dos custos de desenvolvimento e a medida mais relevante é o adiamento da estreia do novo monolugar, o Gen2 Evo, que irá para as pistas apenas na temporada 2021/2022. No âmbito dos planos de redução de custos, a Fórmula E, a FIA, as equipas e os fabricantes concordaram unanimemente em adiar o lançamento do novo monolugar Gen2 EVO para a época de Fórmula E de 2021/22. O Conselho Mundial da FIA ratificou a decisão de prolongar o período de homologação, só podendo os fabricantes alterar as componentes do grupo motopropulsor uma única vez durante as duas temporadas seguintes. As equipas podem introduzir um carro novo na sétima temporada, durante um ciclo de dois anos, ou continuar a utilizar a tecnologia existente para a temporada seguinte, antes de homologar um monolugar novo no ano seguinte, durante uma única temporada.

Após discussão com os fabricantes, as alterações aos regulamentos técnicos foram feitas tendo em mente a estabilidade financeira a longo prazo dos participantes no campeonato. Isto permitirá reduzir para metade os custos de desenvolvimento dos monolugares nas próximas duas épocas.

Como se percebe, em todos os quadrantes o momento é de expetativa, mas com o que se prevê poder acontecer, já que as principais economias do mundo travaram todas a fundo por algum tempo e isso traz inevitavelmente consequências. Portanto, há que atuar de modo a mitigar os efeitos.

Sendo certo que para a crise passar e a economia reativar-se é preciso que tudo volte à maior normalidade possível, também é um facto que esta é uma boa oportunidade para ajustar todas as competições à nova realidade, pois se isto não for feito é bem provável que muitas delas (competições) passem por problemas gravíssimos. Há uma coisa que não vai mudar, a paixão dos adeptos. Mas essa paixão continua se uma peça de um F1 ou WRC que custa 1000 passar a custar 500 ou 250.

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