Uma longa entrevista com Stirling Moss

Por a 19 Abril 2020 11:46

Por Francisco Santos

Fotos Arquivo Francisco Santos, Bernard Cahier e Jim Houlgrave

Stirling Moss: O melhor dos não-campeões! Como o jornalismo e as edições mudaram em 47 anos. Na maioria dos casos para melhor. Graças aos ensinamentos colhidos de bons profissionais também o meu texto se transformou. Ficou mais conciso e direto. Mais fácil de ler.

Em 1973, diretor da precursora revista “Máquina”, entrevistei Stirling Moss em sua casa londrina. O texto então publicado é – imaginem – oito vezes mais longo que este. E, dava ao leitor a mesma informação que aqui estou a dar. Uma seca. De jornalismo ultrapassado.

O campeão que não foi

Ele foi o piloto mais brilhante dos anos cinquenta. O menino prodígio, do automobilismo inglês, entre uma geração de notáveis, como Hawthorn e Colins. Foi ainda o primeiro dos verdadeiros profissionais, como Jackie Stewart o classificou.

Ele foi na sua época o que Jim Clark e Stewart seriam mais tarde. A sua glória não terá sido tão grande pela falta de poder da media do automobilismo dessa época..

Moss foi o piloto não Campeão do Mundo com maior número de vitórias. Foi vice nos mundiais de F1 em 1956, 1957, 1958 e 1961. Ainda me recordo de, ainda garoto, assistir no Circuito da Boavista, em 1958, à terceira das suas quatro vitórias nesse ano. Seria vice de Hawthorn que, com uma vitória, se sagraria Campeão devido a um erro e a um gesto de gentleman de Moss no Porto.

Um piloto espetacular

Um dos seus rivais resumiu o seu talento: “Nós conseguimos fazer bem uma de cada dez curvas. Stirling fá-las todas bem, em todas as voltas.”

E, eu, que o vi – aos meus 12 anos – lutar com Juan-Manuel Fangio, em Monsanto, e quatro anos depois ganhar no mesmo circuito o GP de Portugal, e no ano seguinte repetir a vitória no Circuito da Boavista, fui sempre seguindo de perto a sua carreira, como em Crystal Palace – perto de onde eu morava no sul de Londres – a domar um Jaguar de Turismo em luta com Graham Hill.

E, eis que, mais de cinco décadas depois venho – como promotor dos primeiros Historic Festivals na Península Ibérica, passo a conviver com ele e sua mulher Susie.

Por tudo isso, como admirador dele desde criança, e há mais de cinco décadas como jornalista de automobilismo, escrevo mais do que esse seu rival: no maravilhoso e difícil traçado do Circuito do Algarve, Stirling, aos 80 anos, deixou Alfieri Maserati, a meu lado, boquiaberto com os tempos que o “velho” Moss fazia com o seu Osca (com motor de apenas 1.500cc, se não estou em erro), marca que pertencera à família do meu amigo italiano (fora criada pelos tios de Alfieri). Sir Stirling deixou para trás na grelha de partida dessa prova no AIA para carros de sport históricos, máquinas de muito maior potência e mais recentes, pilotados por pilotos com menos 20 a 30 anos.

Esse foi, recordo agora, um dos grandes feitos nesse Algarve Historic Festival, que a quase totalidade dos meus colegas jornalistas nessa altura deixou passar desapercebido. E, noto, os Historic Festivals têm esse enorme interesse: vermos carros e/ou pilotos por vezes terem performances tão inesperadas como fantásticas.

Um profissional

Ele era cem por cento profissional, mantendo uma forma física e mental em todas as provas. Era muito raro ter um dia mau, o que é vulgar até em grandes pilotos. Para ele, correr era uma verdadeira profissão. Quando não estava sentado num carro de corrida considerava que estava a perder tempo e dinheiro.

O fim da carreira profissional

Era terça-feira de Páscoa de 1961 e eu estava a tomar o pequeno almoço num café em Bayonne, junto com o meu amigo Brian Scovell, jornalista de futebol e de cricket no Daily Sketch, na nossa viagem de regresso a Londres depois das férias em Lisboa.

A primeira página do Daily Express estava cheia com as fotografias do desastre de Stirling Moss em Goodwood, onde fazia a sua estreia europeia do ano. O seu estado era muito grave. Não se sabia se voltaria a correr. Nem sequer era possível nessa altura prever se sobreviveria a este estúpido acidente de causas para sempre desconhecidas. Stirling Moss abandonaria a alta competição aos 31 anos.

Também nos momentos das mortes de J. F. Kennedy, de A. Senna, dos meus entes mais queridos, ou dos milhares no “9/11” sei bem onde me encontrava. A nossa memória, por muito desgastada que se torna com a idade,retém o mais marcante. Que recordaria com Moss 12 anos depois, em sua casa, para a entrevista que publicamos à parte..

O “meu Moss” de fevereiro 2012

Trinta anos depois conheço muito melhor Sir Stirling e Lady Susie. Moss, piloto de históricos, deixou de ser ídolo, para ser admirado como extraordinário piloto que, octogenário, continua a ser capaz de bons tempos com um Osca no desafiante AIA. O fervor pela competição continua.

Quando, há oito anos, Susie me deixou entrar no quarto de hospital onde Stirling recuperava de uma queda de dois andares, (quando em sua casa abriu a porta do elevador não viu que o elevador não estava lá). Stirling falava ao telefonem a comprar, um Porsche raríssimo que achara num leilão na Califórnia. Por isso o acidente gravíssimo da queda pelo fosso do elevador, da altura de dois andares, pois distraiu-se ao telemóvel.

A paixão pelos automóveis continua apurada. Como profissional tem refinado o seu apego ao dinheiro.

Oito anos depois, o adeus

Tudo isso é agora apenas memória dos muitos milhões de “jovens” de mais de sessenta anos que o viram correr, como eu, no seu tempo de vice-campeão mundial, ganhar nos Circuitos e Monsanto e da Boavista, este que ajudei a ressuscitar 54 anos depois.

Apesar da enorme simpatia de Lady Susie, Sir Stirling nunca foi o gentleman que, por exemplo Sir Jackie tem sido ao longo das cinco décadas que nos conhecemos. Personalidades diferentes, o mesmo talento, embora Moss sempre tenha sido mais arrojado. De novo um fim-de-semana de Páscoa volta a ser fatal para ele. Só que desta vez, partiu para sempre dos circuitos terrenos.

Francisco Santos: A entrevista

Fui encontrar Stirling Moss bastante mais velho, já com pouco cabelos e brancos, no seu pequeno escritório, em sua casa, em Belgravia Suare, num dos melhores bairros londrinos. Numa parede, dois volantes de madeira completamente retorcidos. Nas duas placas respetivas apenas Spa, 1960, Lotus e Easter Monday 1962, Goodwood, Lotus…

Tinha-o visto correr cinco vezes, em Monsanto, com um Porsche Spyder; no Porto, a ganhar o GP de 1958 em Vanwall; novamente em Monsanto, atrás de Fangio, e mais tarde em Silverstone e Crystal Palace. Ficou-me uma grande admiração, que se transformaria em enorme.

Como compara o automobilismo de hoje com o de há 12 anos?

Continua a ser um desporto, mas agora é praticado com muito menos paixão e mais negócio.

Os pilotos são melhores e os carros são obviamente mais sofisticados, mas não acredito que os pilotos de agora tenham o mesmo prazer na condução. O dinheiro todo que tem sido trazido para o automobilismo, tornou-o muito mais comercial, e o comércio e a indústria exigem muito mais respeito do que antigamente e que na realidade merecem. Se uma companhia patrocinar um piloto com 100.000 ou 150.000 libras, esse piloto fica em grande dívida para com ela. Acho que para “pagar” essa dívida, se perde a descontracção que o automobilismo costumava ter. E, perdeu-se o prazer puro de competir. Pela pressão comercial, até porque os pilotos estão agora mais conscientes das suas obrigações profissionais.

O Marquês de Portago e Harry Schell eram grandes figuras que, sendo bons pilotos, emprestavam ao automobilismo uma auréola de divertimento, de desporto e de “joie de vivre”. O automobilismo era muito mais amador. Por isso, perdeu-se muito daquele ambiente.

Se tivesse de viver de novo a minha vida como piloto e pudesse escolher a era, optaria pelos anos cinquenta e nunca pelos anos setenta. Divertíamos-nos muito mais.

Mas, para si o que é, ou foi, mais importante?

A minha filosofia no automobilismo sempre foi de preferir perder uma corrida por guiar suficientemente depressa para a ganhar, a ganhá-la por ter que guiar a um ritmo lento que habitualmente ma faria perder. Esta não é a atitude certa pois deve-se tentar ganhar uma prova à velocidade mais baixa que se puder. Se se puder ganhar uma prova a 150 Km/h, em vez de 180 Km/h, deve-se tentar pois esse é sem duvida o modo inteligente de o fazer.

Penso que se tivesse a mesma linha de pensamento de Jackie Stewart, teria conquistado muito mais títulos. A minha preferência de correr para me divertir roubou-me títulos. Por isso corri para Rob Walker a partir de 1959. Divertia-me e fazíamos uma equipa alegre. Claro que teria feito melhor em correr pela Ferrari ou pela Lotus ou ainda pela Cooper.

Por que não fazia parte da equipa de fábrica, a Cooper não me vendia o último modelo. O mesmo aconteceu com a Lotus que só me oferecia o último carro se eu guiasse pela equipa deles e não por Rob. Por isso tive que guiar modelos antigos contra os últimos da equipa oficial. No caso da Cooper tivemos que mandar fabricar a nossa própria caixa de velocidades que não provou muito bem e nos deu inúmeros problemas em várias provas.

Durante a minha carreira competi em 496 corridas de todos os tipos. Entre 1948 e 1962 fiz 494 provas, só acabei 366 e destas ganhei 222,e fui segundo em 65.

A razão pela qual os carros se avariaram tantas vezes, foi porque nem sempre eram tão bons como deviam ser. Claro que eu também puxava por eles, mas essa é a essência do automobilismo – competir.

Eu corria para ganhar mas não para ser primeiro, o que é diferente. Pode-se guiar para chegar em primeiro lugar, mas eu guiava para competir com outros pilotos. Se alguma coisa acontecia, paciência. Nunca fui o piloto profissional ideal na minha filosofia do automobilismo.

O piloto ideal da sua época?

O maior piloto de todos os tempos foi Fangio. Não só era o mais rápido como tinha a qualidade única de manter essa velocidade durante muito tempo. A um piloto não basta ser muito rápido e conseguir fazer a volta mais rápida. Claro que isso é importante pois demonstra que tem as qualidades para o conseguir. Fangio fazia a volta mais rápida uma vez e podia-a facilmente repetir ou melhorar 10,15 ou 20 vezes! Nisto é que se vê um grande piloto de competição.

Jackie Stewart: Como comenta a decisão dele se retirar?

Para Jackie foi acertado.Para mim, teria sido uma decisão errada. Bem vê, somos duas pessoas muito diferentes, com filosofias e ideias diferentes.

Jackie tem mulher e filhos. Neste ponto penso ser mais acertado um piloto ser solteiro. As pressões do casamento e da existência de crianças são muito grandes. Eu agora já o posso avaliar pois já tenho uma criança, e se ainda estivesse a correr essa seria uma responsabilidade que eu teria achado muito difícil de suportar e suplantar.

Em automobilismo apenas se deve ter uma ideia fixa – ganhar e que se “lixem” as consequências. Esta é a diferença base. Creio que Jackie é muito mais equilibrado na sua visão geral como piloto profissional; penso que ele equilibra muito bem tudo o que faz e acho-o um piloto excepcional, talvez o segundo a seguir a Fangio… Classifico-o à data da sua retirada certamente igual a Jim Clark, a Alberto Ascari, a Nuvolari, a Caracciola. É muito difícil comparar pilotos de épocas diferentes. Não se pode realmente afirmar que Stewart fosse melhor que Nuvolari pois as condições em que ambos correram foram bastante diferentes.

Stewart é mais frio do que muitos pilotos, incluindo-o a si?

Jackie é menos apaixonado. O exemplo típico de um piloto cheio de paixão a ferver dentro de si passou-se em 1950 quando Nino Farina foi segundo ou terceiro no GP da Holanda. A prova tinha acabado e ele encostava lentamente à box quando um mecânico veio a correr ao seu encontro para lhe dizer que tinha sido penalizado num minuto. Nino levantou-se, fechou o punho e com um murro bem forte despedaçou o painel de instrumentos, saltou do carro e deixou-o a rolar boxes fora. Ele estava transtornado.

Se isso tivesse acontecido hoje, o piloto teria levado a mão à algibeira, tirado uma nota de dez libras e teria protestado.

É nisto que eu penso que o desporto automóvel mudou muito nos últimos anos. A paixão desapareceu, mas a teoria continua a ser a mesma.

Segurança: Como compararia a preocupação atual com a do seu tempo?

Não há comparação possível! No passado a segurança quase não existia. Foi aumentando desde que eu comecei a correr. As minhas primeiras corridas foram em 1946/47 e eu era dos poucos que usava capacete. O meu pai insistia que eu o usasse, o que me fazia sentir um pouco “mariquinhas”, porque os pilotos rápidos dessa altura como Chiron, Somer e Ascari, e todo esse grupo, nunca usava capacete. Até Fangio no princípio dos anos cinquenta usava apenas um capacete de pano ou de cabedal.

Nessa altura ainda não tínhamos macacos ignífugos e costumávamos até guiar de camisas de manga curta. Era uma grande parvoíce. Em toda a minha carreira nunca usei um cinto de segurança e mesmo que continuasse a correr não usaria cintos de segurança. Pelo medo de incêndio. De qualquer modo o perigo de incêndio hoje é muito menor do que era antigamente, graças aos novos depósitos de combustível.A segurança começou a desenvolver-se quando abandonei. A segurança é ótima mas não a castração dos circuitos. É uma vergonha vermos circuitos como Mónaco totalmente ladeados de rails de protecção. Acho que se faz desaparecer todo o encanto de um circuito, mas eu devo ser suspeito pois sou um amante de provas de estrada e não de pista.No campo da segurança o mais importante é salvaguardar o público. Aí não se devem tomar soluções de compromisso. Mas os pilotos sabem o perigo do automobilismo e até um certo ponto devem saber viver com eles. Há uma maneira de aumentar a segurança de um piloto: é não o deixar correr.Riscos e perigo são inseparáveis.

Como compara circuitos actuais com as pistas do seu tempo?

Acho ótimo o aumento da segurança, mas não terão esses circuitos perdido um pouco do seu carácter, como por exemplo Nurburgring que eu reputo um circuito maravilhoso. No meu tempo o piso era irregular, cheio de altos e baixos, de lombas; era necessário uma grande precisão de condução para se guiar ali depressa. Fazer agora 9 minutos em Nurburgring seria francamente mau, mas nessa altura era preciso guiar-se com grande precisão e fazer compromissos. Agora o piso é muito melhor, há muito mais rails, tudo é mais seguro, mas acho que agora exige muito menos de um piloto.

Conselho a um piloto principiante?

A coisa mais importante é saber guiar um tudo nada mais devagar do que aquilo que se pensa poder. É muito fácil dar tudo por tudo e muito mais difícil ir um pouco mais devagar. Quando se guia no máximo não se tem tempo para estudar porquê e como se fez isto ou aquilo nesta ou naquela situação e não há tempo para aprender. E, para se evoluir e melhorar em automobilismo, como em tudo, o melhor caminho é a prática. Claro que as aptidões naturais podem ajudar, mas o importante será investigar os fortes e os fracos de cada um. Se tiver um forte estude-o. Eu por exemplo costumava travar muito tarde. Se conseguir o mesmo veja por que razão e como o consegue e ainda como o pode utilizar da melhor forma. Se for lento numa determinada curva é necessário descobrir por que razão o carro sobrevira a partir de certa altura, se começa a acelerar tarde demais.

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