Riccardo Patrese: Carreira marcada pelo destino
Riccardo Patrese foi muito mais que um fiel escudeiro dos seus pares, em especial de Nigel Mansell, a quem secundou na perfeição no caminho para o título, em 1992. No início, era sinónimo de coragem e de irreverência…
No dia em que se celebram 32 anos da vitória do italiano no Autódromo do Estoril, palco do vigésimo Grande Prémio de Portugal, recordamos Riccardo Patrese, que naquele domingo de 1991 aos comandos do seu Williams e no final das 71 voltas da corrida bateu Ayrton Senna (McLaren-Honda) por mais de 20 segundos, enquanto Jean Alesi (Ferrari) terminou no terceiro posto a mais de 53 segundos.
Riccardo Patrese desde cedo teve no sangue o mesmo combustível que corria nas veias dos automóveis de competição. O seu pai Mario e o seu irmão Alberto, lá em casa, só sabiam falar de carros e de corridas. Desportista desde o berço, Riccardo Patrese fez natação e esqui, antes de começar a correr em karts com 14 ou 15 anos: “No verão, íamos a todas as corridas. O meu pai, a minha mãe Elena e o meu irmão faziam de tudo.
Conduziam a carrinha com o atrelado, faziam de diretores de equipa, de managers, de mecânicos, recorda ainda hoje com nostalgia. No inverno, nadava de uma forma intensa, muitas vezes em competições, até perder um amigo chegado num rio: “Entre os dez e os 15 anos, nadava em percursos fechados, cada vez mais rápidos e cada vez mais longos. Foi o meu primeiro desporto a sério e segui-o até aos meus 20 anos”.
A mudança aos 20 anos Então, decidiu definitivamente que queria seguir os desportos motorizados, comprou um kart e, em 1974, venceu o título de Campeão do Mundo. A partir daí, nunca mais parou: a Nettuno Racing propôs-lhe fazer a Fórmula Itália e aceitou… mas teve que convencer o pai a deixá-lo continuar a correr, pois estava a descurar os estudos na Universidade. Não foi difícil; o pior foi a mãe, que apenas concordou quando ele lhe garantiu “que não havia perigo, aqueles carros não andam depressa”.
Ricardo Patrese recorda que “em maio de 1975 fiz a minha primeira corrida de Fórmula Italia e, em maio de 1977, estreei-me na F1”. Pelo meio, foram dois anos muito intensos, em que foi campeão de F3. Estava na F2 quando a Shadow, que tinha perdido Tom Pryce num acidente em Kyalami e ficado sem Alan Jones quando este deixou a equipa após a prova espanhola, convidou Patrese para o lado de Renzo Zorzi. Estreou-se no Mónaco, dias depois de um primeiro e curto teste com o Shadow em Paul Ricard, e terminou em nono lugar deixando impressionados os donos da Shadow. Falhou algumas provas a seguir, mas conquistou um ponto no Japão – o suficiente para seguir alguns dos membros da Shadow, que estava a desagregar-se, para fundarem a Arrows, no ano a seguir. Riccardo Patrese era então um piloto cheio de garra e determinação, com uma condução agressiva, bem ao estilo de Gilles Villeneuve e Ronnie Peterson.
Mas, o acidente em Monza, que resultou na morte do sueco, mudou a sua forma de estar. Na vida e nas corridas. Nunca mais foi o mesmo. Acinzentou-se e a sua passagem por equipa tão competitivas, como a Brabham ou a Williams, para as quais venceu um total de seis GP, quase se tornou despercebida. Ganhou
fama de intratável e de arrogante, mas isso não era verdade. Era, apenas, uma forma de defesa, que alterou também a sua nova forma de pilotar: calma, atenta, fria e por vezes desinteressante. E desinteressada. Mesmo assim, esta paixão fê-lo disputar 256 GP até 1993. E foi dele este recorde, durante muitos anos.
O bravo do pelotão
Riccardo Patrese deixou a F1 com fama de arrogante e pouco destemido, 256 GP depois, o que até nem era verdade. Porém, nem sempre foi assim: No seu primeiro ano completo, 1978, ele era, juntamente com Ronnie Peterson, Gilles Villeneuve, James Hunt e Jody Scheckter, um dos bravos do pelotão. Mas foi
crucificado injustamente, por causa do acidente que vitimou Peterson no GP de Itália. O que se passou contase assim: Patrese largava do 12º lugar da grelha, mas na altura os procedimentos enfermavam de leviandade – foi a partir deste acidente que passou a existir um starter permanente.
Em Monza, que não era nada como é hoje, o encarregado de dar a partida era o italiano Gianni Restelli, que fazia de diretor de prova. Apressado, não esperou que os pilotos mais atrasados ficassem imóveis e libertou o pelotão, pelo que os que ainda estavam a rodar nem sequer travaram, limitando-se a carregar no acelerador a fundo. Isso gerou uma enorme confusão: Patrese ‘furou’ pelo lado direito, usando uma faixa de cimento paralela à pista para ganhar lugares. A coisa até funcionou bem… até essa faixa estreitar, afunilando para a pista. O italiano quis ‘entrar’, mas James Hunt não o permitiu… e o toque entre ambos foi inevitável. Vítima inocente disso, o sueco Ronnie Peterson, que estava a discutir o título com o seu colega de equipa na Lotus, Mario Andretti, embateu de frente, com violência, contra os rails do lado direito da pista. O Lotus ricocheteou para o meio do asfalto, explodindo em chamas. O piloto foi retirado dos destroços, consciente, com as pernas fraturadas, mas acabaria por morrer no hospital. Também Vittorio Brambilla, que levou com uma roda na cabeça, ficou por muito tempo em coma, mas sobreviveu e tentou mesmo regressar à F1, antes de deixar as corridas por incapacidade, meses depois.
Quanto a Riccardo Patrese, foi de imediato acusado por Hunt de ser o causador da carambola. Loquaz e bem visto junto dos outros pilotos, estes acreditaram no que o Campeão do Mundo de 1976 dizia, em especial Lauda, Emerson Fittipaldi e Scheckter. A GPDA (a associação dos pilotos de F1) reuniu-se e decidiu banir Patrese da prova seguinte, o GP dos Estados Unidos, em Watkins Glen. Na prova seguinte, no Canadá, Patrese não se intimidou e conquistou um 4º lugar. O caso chegou mesmo aos tribunais, prolongando-se até 1981, quando tanto o piloto como Restelli foram absolvidos. Nessa altura, quem o acusou, como Scheckter, veio junto do piloto desculpar-se. Mas o mal já estava feito e Patrese nunca mais foi o mesmo. Deprimido, chegou a considerar abandonar as competições, logo em 1979. Como piloto, na verdade, passou a ser uma sombra dos primeiros tempos. De agressivo, tornou-se passivo, ganhando apenas seis GP em 256 corridas – mesmo quando, como em 1992, teve entre mãos aquele que era o melhor carro do momento, que deu um fácil título a Mansell.
O seu nome voltou outra vez às bocas do Mundo, quando, no GP de Portugal, a 27 de setembro de 1992, tocou com a roda da frente direita do Williams na roda traseira esquerda do McLaren de Gerhard Berger, ao não se aperceber de que este queria entrar nas boxes. O Williams levantou voo, quase fez um looping e quase acertou na passagem pedonal superior que então ali existia. Seguia então a cerca de 250 km/h e o carro caiu no solo junto ao muro das boxes, arrastando-se até parar, em três rodas, mais de uma centena de metros. O piloto ficou ileso, mas em choque, saindo do cockpit e olhando para trás incrédulo. Foi na volta 43 e tinha saído do segundo lugar da grelha. Berger acabou eventualmente em segundo, atrás de Mansell, que dominou a corrida.
No meio de tudo isto, as pessoas esqueceram com alarmante facilidade o seu sensacional triunfo no México, em 1991, em que trucidou o seu colega de equipa, Nigel Mansell, em carros iguais. Ou o pião que fez na última volta, a caminho da sua primeira vitória na F1, o GP do Mónaco de 1982, recuperando
com frieza da situação inesperada e embalando para a bandeira de xadrez, sem medos ou hesitações. Ou, ainda mais cedo, a primeira vez que liderou um GP, na África do Sul, em 1978, com o medíocre Arrows – que subiu ao incrível segundo lugar do pódio, pouco depois, na Suécia. Mas a vida é assim mesmo: as pessoas tendem a esquecer o bem e a fixar o mal…
Um dos homens da Lancia
Riccardo Patrese, para lá de um dos mais longevos pilotos de F1, deixou a sua imagem associada aos Lancia LC1 e LC2, dois dos mais fabulosos e bonitos protótipos que a marca italiana jamais construiu. Equipados com motores Ferrari, em especial o LC2 ainda hoje está nas nossas memórias, associado às cores da Martini Racing. Lutou pelo título de Campeão do Mundo de Sportscar entre 1983 e 1986 e, depois disso, o LC2 continuou a ser usado por equipas privadas até 1991. Ricardo Patrese foi um dos seus primeiros pilotos, fazendo equipa com compatriotas como Michele Alboreto, Teo Fabi, Alessandro Nannini, Piercarlo Ghinzani ou Mauro Baldi ou com o alsaciano Bob Wollek. Venceu duas corridas com o LC1 e outras duas com o LC2, batendo o Porsche 956 que era então o carro mais competitivo e quase impossível de desfeitear nesse campeonato.
Um pensionista consciente
Depois de abandonar a F1, com 39 anos, em 1993, Riccardo Patrese assumiu sem rebuço a sua condição de (quase) pensionista. Poucas vezes voltou a correr. Fez por duas vezes as 24 Horas de Le Mans: em 1995, pilotou um Ferrari 333 SP da Euromotorsport Racing, mas não chegou ao fim, pois o carro parou com problemas elétricos; em 1997, foi um dos pilotos de fábrica da Nissan e, com um R390 GT1, fez o terceiro tempo nos treinos, mas voltou a desistir, quando a caixa de velocidades cedeu.
Em 2002, a Williams, recordando-se que fazia dez anos que o italiano tão bons serviços tinha prestado à equipa, ajudando Mansell a conquistar o campeonato e a casa de Grove a vencer entre os Construtores, convidou-o para testar o último carro de F1 da equipa, o que fez com prazer e surpresa.
Voltou à competição em 2005, na jornada inaugural do efémero Grand Prix Masters, o campeonato para pilotos de F1 na reforma… como era o seu caso. Aos 52 anos, foi terceiro em Kyalami, atrás do seu antigo colega de equipa na Williams, Mansell e de Emerson Fittipaldi. No ano seguinte, apenas conseguiu um 10º lugar no Qatar e um 6º em Silverstone. Depois disso, nunca mais correu. Mas Riccardo Patrese será sempre recordado por ter sido o piloto que mais GP de F1 disputou, durante muito tempo. A sua marca de 257 GP (dos quais correu efetivamente 256) foi, durante anos, um recorde. O primeiro a ameaçá-lo foi
Michael Schumacher, mas o alemão abandonou (pela primeira vez) a F1 quando fez 250 GP.
Finalmente, o recorde de Patrese acabou mesmo batido, quando, no GP da Turquia de 2008, Rubens Barrichello cumpriu o seu 258º GP. Mais tarde, quando Schumacher voltou à F1 com a Mercedes, tornou-se no segundo piloto a bater o antigo recorde de Patrese. Este, a 9 de setembro de 2008, ainda testou um Honda RA107 em Jerez, como prémio de consolação por ter sido ‘batido’ por Barrichello, que então corria para a Honda (no ano seguinte, Brawn) na F1.
PALMARÉS (F1)
1977 – Shadow: 9 GP; 20º CM, 1 ponto
1978 – Arrows: 14 GP; 12º CM, 11 pontos
1979 – Arrows: 14 GP; 20º CM, 2 pontos
1980 – Arrows: 14 GP; 9º CM, 7 pontos
1981 – Arrows: 14 GP; 11º CM, 10 pontos
1982 – Brabham: 15 GP; 1 vitória (Mónaco); 10º CM, 21 pontos
1983 – Brabham: 15 GP; 1 vitória (África do Sul); 9º CM, 13 pontos
1984 – Alfa Romeo: 16 GP; 13º CM, 8 pontos
1985 – Alfa Romeo: 16 GP. Não pontuou
1986 – Brabham: 16 GP; 17º CM, 2 pontos
1987 – Brabham: 15 GP; Williams: 1 GP; 13º CM, 6 pontos
1988 – Williams: 16 GP; 11º CM, 8 pontos
1989 – Williams: 16 GP; 3º CM, 40 pontos
1990 – Williams: 16 GP, 1 vitória (San Marino); 7º CM, 23 pontos
1991 – Williams: 16 GP; 2 vitórias (México; Portugal); 3º CM, 53 pontos
1992 – Williams: 16 GP; 1 vitória (Japão); 2º CM, 56 pontos
1993 – Benetton: 16 GP; 5º CM, 20 pontos
Hélio Rodrigues, In Memoriam
Excelente artigo!
Cumprimentos
Um bom 2º piloto, mas nunca teve classe para aspirar a ser campeão. Quando teve um carro para isso em 92 com o Williams electrónico,foi cilindrado pelo Mansell.