O prelúdio de uma lenda: A primeira entrevista do AutoSport a Lewis Hamilton

Por a 7 Janeiro 2024 18:30

Celebra hoje o seu 39º aniversário, mas em 2006 garantia ao AutoSport estar “pronto para a F1”.

A primeira grande entrevista do AutoSporta a Lewis Hamilton aconteceu no ano anterior à sua estreia na Fórmula 1, e logo aí percebeu-se que ‘ali’ havia algo de muito diferente. Na altura, Luís Vasconcelos não demorou a perceber que não se tratava apenas de palavras vãs, ou mera arrogância sem qualquer fundamento, mas sim duma profunda convicção. Dezoito anos depois, é no mínimo curioso ler o que disse Lewis Hamilton e o paralelo que estas palavras encontram na realidade dos factos: “Fernando Alonso poderá ter um estreante como companheiro de equipa em 2007. Lewis Hamilton, apoiado há nove anos pela equipa de Ron Dennis é o principal candidato ao segundo McLaren”.

Em Silverstone falamos com esta estrela que desponta para a Fórmula 1, para vos darmos a conhecer o homem que dará muito que fazer a Alonso, Raikkonen e companhia nos próximos anos. A confiança de Lewis Hamilton é quase desarmante. A forma como se diz preparado para a Fórmula 1, pronto para se bater com Fernando Alonso no seio da mesma equipa, sem dúvidas quanto à sua capacidade para competir com o Campeão do Mundo, é impressionante.

É claro que muitos pilotos dizem o mesmo que o jovem britânico, mas na maior parte dos casos vê-se bem que se tratam de palavras vãs, de mera arrogância sem qualquer fundamento de verdade.

Mas quando Lewis Hamilton fala, transparece uma enorme convicção, uma confiança sem limites numa capacidade que temos vindo a acompanhar ao longo da temporada da GP2, que tem a maior parte do seu campeonato integrado no programa dos Grande Prémios. E quando, duas horas depois desta entrevista, Hamilton passou Piquet e Piccione, duma assentada, na velocíssima entrada de Becketts, quaisquer duvidas que pudemos ter sobre o seu futuro ficaram dissipadas: quem faz o que Hamilton fez, num campeonato monomarca, só pode ser um piloto de eleição, daqueles de que só aparecem dois ou três por geração!

Pronto para tudo!

Pergunta-se a Hamilton se se sente pronto para a Fórmula 1 e a resposta é pronta: «Estou pronto para tudo. Para correr com a McLaren, para ser terceiro piloto da McLaren ou para correr com uma equipa mais pequena. Só não quero é ir perder o meu tempo para uma equipa do fim do pelotão, porque não vou aprender muito, nem testar muito. De resto, estou pronto para tudo!»

Mesmo para suportar a enorme pressão de fazer a estreia em Grande Prémios com uma equipa de ponta e ter Fernando Alonso como companheiro de equipa? «Tenho de estar preparado para suportar a pressão. Não sou o tipo de pessoa que se deixa afectar por pressão ou por questões politicas e, por isso, não acredito que vá ter problemas se entrar na Fórmula 1 como piloto da McLaren. Já mostrei este ano, em Barcelona, como lido com questões complicadas, por isso acredito que não terei problemas na F1»

Na pista espanhola, relembre-se Hamilton liderou desde o início, para ser posto fora de pista pelo seu companheiro de equipa, Alexandre Prémat, a quatro curvas do final. Um pião e 20 segundos mais tarde o inglês terminou em segundo lugar, mas comportou-se no pódio como nada de anormal se tivesse passado: «É claro que liderar desde o principio e perder a corrida por uma manobra incorrecta do meu companheiro de equipa não é bom, mas não havia razão nenhuma para perder o controlo. Penso que 99 por cento do sucesso no desporto vem do controlo mental e esse é o meu forte. Mantive a compostura e no dia seguinte deixei-o bem para trás. Foi a melhor resposta e a melhor demonstração de que não há nada que me afecte.

Uma ligação fundamental Lewis Hamilton é o primeiro produto duma academia que a McLaren iniciou há dez anos a ter acompanhamento de Ron Dennis do

karting à Fórmula 1. Nico Rosberg fez parte desse grupo por apenas dois anos, antes do pai Keke recuperar o controlo sobre a sua carreira, mas Hamilton sabe que deve quase tudo a Ron Dennis: «Eu tinha apenas 13 anos quando ele telefonou ao meu pai a perguntar se aceitava que a McLaren gerisse a minha carreira. Foi a nossa salvação, pois não tínhamos meios para progredir muito mais, pois não somos ricos.»

Na equipa de Woking o jovem Hamilton tem encontrado apoio a todos os níveis: «Eles são excepcionais comigo e o Ron dedica-me todo o tempo de que posso necessitar. Eles não se limitam a dar apoio financeiro, pagando ou encontrando patrocinadores. Apoiam-me na minha preparação física e mental, até nos meus estudos – que só abandonei por falta de tempo quando já estava na Fórmula 3 – e em tudo o que eu necessitar. É claro que eles têm controlo

absoluto sobre a minha carreira mas até hoje nunca fui para uma equipa ou uma categoria contra a minha vontade. Eles chamam-me sempre, com o meu pai, para decidirmos qual o passo a dar para o ano seguinte, ouvem as minhas opiniões e, depois, decidem. Mas respeitam sempre as minhas opiniões e isso é muito importante.»

«Quero sempre mais!»

Tanta conversa sobre Hamilton e a Fórmula 1 e, afinal, a experiência do inglês com os McLaren não passa de 20 voltas em Silverstone, há dois anos, e de três testes em linha recta. Nada que impeça o britânico de querer dar o salto já no final deste ano: «Sinto-me preparado agora para ascender à Fórmula 1, mas estarei ainda melhor preparado depois de terminar esta temporada e passar o Inverno a testar um Fórmula 1. No ano passado fiz três testes em linha recta, para aprender como funcionavam todos os controlos no habitáculo – muitos mais dos que temos na GP2 – e achei aqueles ensaios muito interessantes.

Mas agora já não tenho qualquer interesse em voltar as fazer testes em recta. Quero é testar um McLaren num circuito a sério, pois as 20 voltas que fiz em Silverstone, para compensar não ter competido no Prémio McLaren/Autosport, para evitar confusões, foram feitas quando ainda não tinha experiência para aproveitar bem o carro que tinha nas mãos.»

Mas o lider da GP2 não parece ter demasiada pressa em testar um McLaren mais a sério: «O importante agora é dominar a GP2, ganhar corridas e garantir o título, porque se isso não for suficiente para a McLaren contratar para 2007, deverá bastar para ser chamado por outras equipas. Testar só por testar não me interessa e foi por isso que ainda não pedi para testar – mesmo sabendo que não me negariam um teste. Acredito em ganhar numa categoria antes de passar para a seguinte e foi o que fiz no karting, na F. Renault e na F. 3. Falta-me a GP2 e depois falaremos da F. 1.»

A julgar pelos resultados mais recentes, o campeonato de GP2 vai decidir-se bem mais cedo que no ano passado e o mais provável é Hamilton iniciar a sua preparação para 2007 antes do final de Setembro. Tomem nota, que este é dos que vai dar que falar: Lewis Hamilton, britânico de origem toboguenha e primeiro piloto negro a competir num Grande Prémio. Tem a palavra Ron Dennis.

Histórias de um predestinado

Para Lewis Hamilton as portas do automobilismo abriram-se de forma pouco auspiciosa, devido ao divórcio dos seus pais, como ele nos explicou: «Depois dos meus pais se separarem, fiquei apenas com os fins de semana para estar com o meu pai e ele fez tudo o que pôde, claro, para nos divertirmos ao máximo e aproveitarmos bem o pouco tempo que tínhamos juntos.

Quando eu tinha seis anos ele interessou-se nos mini-modelos e comprou-me um que funcionava a gasolina e era extremamente veloz. Foi com esse carro que competi durante dois anos, contra adultos de 30 e 40 anos, terminando o campeonato do primeiro ano em segundo lugar e conquistando o título no segundo ano. Isto com apenas seis e sete anos, contra adultos cheios de experiência!»

Os resultados espantosos do pequeno Lewis levaram o seu pai a decidir-se pela passagem para o karting: «A ideia não era chegar à Fórmula 1, nem nada que se parecesse, mas já tinha ganho nos mini-modelos e o meu pai pensou no karting como nova forma de divertimento. Ele viu que eu tinha uma excelente coordenação olhos-mãos e pensou que isso poderia tornar-me muito competitivo no karting.

E tinha razão, pois ganhei as primeiras seis corridas em que participei, no nosso campeonato local, que ganhei com grande vantagem. A partir dai era evidente

que o automobilismo era o meu desporto de eleição.

DETERMINAÇÃO À PROVA DE CHOQUE

Foi numa dessas primeiras seis corridas de Lewis Hamilton no Karting que ficou patente a sua enorme determinação, como ele nos contou: «Numa das eliminatórias outro piloto bateu-me por trás e eu sai de pista a alta velocidade, pois estávamos numa zona bastante rápida. Bati forte, acertando com a cabeça no volante e danifiquei bastante o kart. Fiquei a sangrar imenso, pois tinha batido mesmo com o nariz e estava em estado de choque, pois aquela foi a minha primeira experiência dum impacto violento. É claro que o meu pai entrou em pânico, ao chegar ao pé de mim e ver todo aquele sangue a escorrer do capacete, mas quando o vi a única coisa que lhe disse foi, “papá, conserta-me o kart; conserta-me o kart para eu correr amanhã.” Ele bem me perguntava como é que eu estava, mas eu só queria que ele arranjasse o kart para correr no dia seguinte. Foi o que ele fez e eu ganhei a corrida. Penso que foi nesse dia que ele percebeu até que ponto eu estava determinado a vencer sempre, pois um miúdo de oito anos ignorar a dor e o sangue que está a perder para garantir que vai poder ganhar no dia seguinte não é normal e ele continua a considerar que esse foi um dos momentos-chave da minha carreira».

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