Morreu Philippe Streiff: conheça a história do Homem de Bercy

Por a 25 Dezembro 2022 16:41

Apenas três semanas depois de Patrick Tambay, a França despede-se doutro dos seus ex-pilotos de F1. Philippe Streiff morreu esta 6ª feira, aos 67 anos. No seu currículo conta com 53 Grandes Prémios, entre 1984 e 1988, tendo conseguido o seu único pódio com a Ligier no GP da Austrália de 1985. O seu terrível acidente de Jacarepaguá, Brasil, em 1989 atirou-o para uma cadeira de rodas.

Philippe Streiff não alcançou os resultados que dele se esperava na Fórmula 1, no entanto, apesar do acidente, a sua paixão pelo desporto motorizado não acabou e, além de se tornar num dos maiores paladinos dos direitos dos deficientes motores, foi também o homem que criou as Corridas de Karting em Bercy, que atraíram os maiores nomes da Fórmula 1 para a despedida da temporada.

Philippe Streiff foi um dos muitos pilotos franceses de talento que chegaram à Fórmula 1 na segunda metade da década de 80. Mesmo não sendo absolutamente genial como um Jean Alesi ou um Yannick Dalmas, é indiscutível que Philippe Streiff era piloto com categoria para ocupar um lugar na Fórmula 1 e, quiçá, prosseguir com uma carreira bem-sucedida nos Sport-Protótipos ou nos GT’s quando terminasse a sua passagem pela categoria rainha do automobilismo mundial. Infelizmente, um grave acidente em testes no Rio de Janeiro na Primavera de 1989, aliada à péssima assistência médica que recebeu, deixou Philippe paraplégico. Mas a paixão pelo desporto automóvel deixou-o ligado à modalidade durante muitos anos, ao mesmo tempo que prossegue com os seus trabalhos ligados à segurança rodoviária e à mobilidade dos deficientes motores.

Desenvolve-se uma jovem promessa

Philippe Streiff nasceu a 26 de Junho de 1955 em La Tronche, nos arredores de Grenoble, e demonstrou interesse por tudo o que era mecânico desde cedo. Assim, no início da adolescência, começou a pilotar karts, mas optou por seguir estudos na École nationale supérieure d’arts et métiers, em Paris, para tirar um curso de engenharia mecânica. Finda a sua carreira académica em 1976, Philippe começou de imediato a Competir nas Coupes de l’Ávenir Simca, ao volante de um Geri RB4, trocando-o por um AILEF 177 em 1977, ano em que conquistou a prestigiosa taça, disputada com viaturas de construção artesanal. Nesse ano, esteve pela primeira vez presente em Le Mans, ao volante de um Porsche 911 Carrera RS, juntamente com Philippe Jaffrenou e Roger Dorchy, mas a tripla não se conseguiu qualificar. No entanto, no final da temporada, Streiff deu um passo decisivo na sua carreira ao entrar na escola de pilotagem de Nogaro para disputar o Volante Motul, conquistando o prestigiado prémio e o apoio da empresa de lubrificantes francesa, decidindo tornar-se piloto profissional.

Em 1978, Streiff decidiu dar o passo decisivo no caminho para a Fórmula 1 ao inscrever-se na Fórmula Renault Francesa ao volante de um Martini Mk20-Renault, apoiado pela Ecurie Motul Nogaro. De imediato, o piloto de 22 anos andou ao ritmo dos melhores e conseguiu lutar pelos lugares cimeiros, conseguindo uma vitória (logo em Paul Ricard, na prova de apoio ao G.P. de França) e mais cinco pódios, para terminar a sua estreia nos monolugares no quinto posto do campeonato. A equipa começou a temporada com motores Renault a equiparem o Martini Mk27, mas acabaria por trocar pelos omnipresentes Toyota depois de um início de época desapontante. Efetuada a troca, Philippe mostrou-se de imediato muito mais competitivo, lutando habitualmente pelos lugares pontuáveis contra adversários do calibre de Alain Prost, Richard Dallest, Philippe Alliot e Jean-Louis Schlesser. É de salientar que a F3 Francesa estava a atravessar um período de grande crise na segunda metade da época de 70, com um calendário reduzido e acomodado na sua grande maioria ao Europeu, por isso este passo, embora útil, não teve o impacto que teria em anos posteriores. O título foi vencido por Alain Prost, que também venceu o Europeu, enquanto Streiff foi um longínquo você-campeão. Pelo meio, voltou a disputar Le Mans ao volante de um Lola T296-Cosworth, mas não conseguiu terminar classificado.

Em 1980, a Ecurie Motul Nogaro decidiu apoiar Streiff num programa duplo, no Europeu e no Campeonato Francês de F3, á imagem de Alain Prost no ano anterior. Foi, sem dúvida, uma boa decisão, permitindo ao piloto crescer muito. Ao volante do Martini Mk31-Toyota, Streiff venceu uma prova e foi terceiro em França, batido por Alain Ferté e Pascal Fabre mas, no Europeu, a adaptação ao vetusto campeonato foi bem mais lenta, e a primeira metade da época foi passada a lutar no meio do pelotão, com exceção de um quarto lugar em Magny-Cours. No entanto, à medida que ganhava conhecimento dos circuitos e se media contra os jovens valores presentes, Streiff evidenciou todo o seu talento e terminou a época com uma grande vitória em Zolder, o que lhe garantiu o sexto lugar no campeonato. E, em 1981, a opção da equipa foi a mesma, agora com um Martini Mk34-Alfa Romeo. No campeonato francês, Streiff mostrou-se claramente o mais forte, vencendo por duas vezes ao longo da época para conquistar o título, e no Europeu o ano de aprendizagem produziu muito bons resultados, já que se viu um Streiff muito mais maduro e consistente, conseguindo pontos em quase todas as rondas do campeonato, pese um péssimo começo com uma não-qualificação em Vallelunga. Desta vez, não venceu mas, com cinco pódios, terminou o campeonato em quarto com 36 pontos. E, em Le Mans, foi convidado para pilotar para a Rondeau, que havia vencido surpreendentemente em 1980, pilotando um dos Rondeau M379C-Cosworth oficiais com Schlesser e Jacky Haran, terminando num excelente segundo lugar e primeiro da categoria GTP!

Apesar desta performance na Endurance, era a Fórmula 1 que constituía o grande objetivo de Streiff e em 1982 assinou pela pequena AGS, equipa tradicionalmente apoiada pela Motul. O AGS JH19-BMW não era, nem de perto nem de longe, o melhor carro do pelotão mas, tal como acontecera em temporadas anteriores, a equipa tinha conseguido produzir um monolugar equilibrado que permitia aos seus pilotos andar regularmente na luta pelos pontos. Melhor do que isso, Streiff evidenciou a sua excelente adaptação à antecâmara da Fórmula 1 com dois pódios, em Vallelunga e Mantorp Park, para terminar o campeonato em sexto com 22 pontos. Para uma equipa com poucos meios, foi um excelente resultado, e Philippe foi convidado para ser piloto de testes da Renault na F1 em 1983, ao mesmo tempo que disputava nova temporada com a AGS na F2.

A equipa de Gonfaron optou por uma evolução do modelo tão bem-conseguido do ano anterior, o JH19B-BMW, e pareceu ter acertado com esta opção, pois o carro herdou a maioria das características do monolugar do ano transato e ao longo da temporada Streiff foi uma presença constante nos pontos, para terminar a época com uma impressionante sequência de pódios e conseguir um fabuloso quarto lugar no campeonato, com 25 pontos. Nesse ano, Streiff regressou a Le Mans, pilotando novamente um Rondeau inscrito pela Ford France, ao lado do vencedor de 1978 e 1980, o popular Jean-Pierre Jaussaud mas, infelizmente, a dupla foi forçada a desistir muito cedo com uma fuga de óleo. Com a F2 a caminho de uma morte anunciada e dispondo de parcos recursos, a AGS optou por produzir um monolugar usando de novo a base de 1982. Se esta contínua evolução costuma deixar de funcionar, principalmente na Fórmula 1, no caso da AGS funcionou em pleno, já que o JH19C-BMW foi, provavelmente, o melhor modelo da equipa desde o carro de 1980. Aparte os Ralt-Honda de fábrica, que estavam numa liga aparte, o AGS conseguia andar ao mesmo ritmo que os Martini e os March, conseguindo uma série de pontos, que incluiu pódios em Thruxton, Pau e Misano, que compensaram, de certa medida, alguns problemas de fiabilidade. E, para terminar a época em pleno, perante uma chuva torrencial em Brands Hatch, Streiff não cometeu um único erro e dominou a prova – os AGS ficaram sempre famosos por serem carros muito fáceis de pilotar à chuva – conseguindo a sua primeira vitória na categoria e terceira da AGS na última prova da história da Fórmula 2 original! E, mais uma vez, Philippe foi a Le Mans, desta vez ainda mais bem-equipado com um Porsche 956 da John Fitzpatrick Racing, dividido com o lendário David Hobbs e Sarel Van der Merwe, terminando novamente no pódio, desta vez em terceiro lugar.

Finalmente a F1 (com alguma F3000 pelo meio)

Depois de dois anos como piloto de testes da Renault, Gérard Larrousse decidiu oferecer a Streiff a sua estreia na Fórmula 1, ao volante do terceiro Renault RE50, na última prova do campeonato, o G.P. do Estoril. Foi a penúltima vez que um terceiro carro foi inscrito e, obviamente, não contava para os pontos, mas o importante era estar presente e aprender, e Streiff qualificou-se num fabuloso 13º lugar, rolando consistentemente no meio do pelotão até que a transmissão falhou a meio da prova. Sem dúvida que, depois de todos os resultados na F2 e Endurance, aliados à inestimável experiência de dois anos a testar para uma equipa de topo, Streiff estava mais do que apto para conseguir um lugar na F1 em 1985. Infelizmente, apesar do apoio da Motul, Philippe não conseguiu budget para garantir a presença no pelotão da categoria, e resignou-se a mais um ano como piloto de testes da Renault, ao mesmo tempo que renovava contrato pela AGS para competir na nova antecâmara da F1, a F3000.

O novo AGS JH20-Cosworth não era tão bom quanto os últimos carros de Fórmula 2, e debatia-se com sérios problemas de afinação, mas também alguma falta de fiabilidade. A época começou de forma bastante apagada, até que Streiff conseguiu dois quintos lugares em Vallelunga e Pau. Não raras vezes, Philippe até conseguia andar próximo dos lugares da frente, mas alguma coisa acabava por o atirar para fora dos pontos ou da corrida, como na prova disputada no Österreichring, em que Streiff chegou a passar pela liderança e destacar-se após uma excelente recuperação, apenas para que o fundo plano começasse a soltar-se e desgastasse os pneus do AGS, atirando-o para um inglório quinto posto. Ainda assim, a segunda metade da época correu melhor e, com um pódio em Zandvoort e mais alguns pontinhos, Streiff conseguiu terminar a época inaugural de F3000 em oitavo, com 12 pontos. Mas, por esta altura, já era piloto efetivo de Fórmula 1.

A Ligier estava a recuperar dos anos maus de 1983 e 1984, e contava com uma dupla experiente, composta por Andrea de Cesaris e pelo regressado “filho pródigo” Jacques Laffite. Auxiliados por um chassis claramente melhor que o do ano anterior, a dupla rapidamente começou a lutar pelos pontos, mas o italiano não ajudava muito neste intento devido ao seu habitual hábito para destruir carros (e, como nota pessoal, deixo presente que até aprecio muito o talento de de Cesaris e já escrevi sobre ele previamente para o AS Histórico, mas Andrea, quando tentava extrair mais da máquina do que ela dava, tinha como resultado acabar muitas vezes com o chassis em bastante mau estado). A paciência de Guy Ligier estava a diminuir, e quando de Cesaris se despistou nos treinos do G.P. da Áustria e acabou com uma série espetacular de capotanços, o irascível patrão da escuderia de Vichy não tardou a tratar de assegurar a sua substituição. Andrea ainda correu em Zandvoort, mas à partida do G.P. de Itália, era… Streiff que estava ao volante. É que, ao longo de 1985, Streiff tinha ganho o apoio do Grupo Blanchet Locatop e tinha o patrocínio comum da Gitanes na AGS (aliás, um dos problemas de de Cesaris era correr numa equipa cujo principal apoio era a tabaqueira francesa, mas principal sponsor era… a Marlboro). Pelo meio, há que juntar a recomendação da Renault… Certo é que a conjugação de fatores permitiu ao talentoso piloto conseguir, aos 30 anos, um lugar na F1. Já era tarde para uma carreira de alto nível, mas as primeiras exibições de Streiff ao volante do Ligier deram indicações de uma rapidíssima adaptação ao monolugar e à categoria, terminando as três primeiras provas no top-10, e mesmo conseguindo um espantoso quinto lugar nos treinos do G.P. da Europa em Brands Hatch!!!

Na penúltima ronda do campeonato, o G.P. da África do Sul, as equipas francesas (e não só) optaram por boicotar a prova, devido às sanções cada vez mais rigorosas contra o país devido à política de apartheid. Aliás, vários pilotos, franceses e brasileiros principalmente, foram severamente convencidos a não participar, mas as questões contratuais com as equipas e sponsors, assim como a disputa do campeonato, levaram-nos a competir. A Fórmula 1 era o último desporto à escala global que ainda não tinha banido a África do Sul, mas a indignação cada vez maior da comunidade internacional faria com que até os responsáveis pela modalidade optassem por não regressar até ao fim do apartheid, abolida em 1991. Mas Streiff viria a competir, já que a Tyrrell estava a rodar vários pilotos depois da trágica morte de Stefan Bellof nos 1000Km de Spa, e convidou Philippe para pilotar o segundo carro, mas o francês desistiu na corrida. Porém, na última ronda, o primeiro G.P. da Austrália de F1, em Adelaide, assistiu-se a uma prova marcada por numerosos incidentes, que só deixaram em pista os mais resistentes e, acima de tudo, aqueles que não erraram. Entre estes, encontravam-se os dois Ligier que, no final da prova, rodavam em segundo e terceiro, com Laffite na frente de Streiff!!! O grande problema é que, cientes de um resultado histórico, Guy Ligier ordenou aos seus pilotos para manter posições até final da prova. Só que Streiff estava com pneus mais frescos e não compreendia propriamente esta ordem, ainda por cima estando em posição de conseguir um resultado absolutamente brilhante na sua primeira (meia) época na F1, e na penúltima prova decidiu tentar uma manobra de ultrapassagem. Os dois carros colidiram e, se Laffite sofreu danos menores, Streiff partiu a asa e a suspensão da frente esquerda, mesmo assim rodando uma volta inteira praticamente m três rodas e mantendo o terceiro lugar, tal o avanço que os Ligier tinham sobre o quarto!!! Foi o único pódio da carreira de Laffite, mas a desobediência custou-lhe a hipótese de estar na luta por um lugar na equipa em 1986…

Entre a Tyrrell e a AGS

Apesar dos acontecimentos de Adelaide, um homem estava “de olho” em Streiff – Ken Tyrrell. Fortemente “recomendado” pela Renault, que fornecia os turbo da marca de Ockham, o piloto francês assinou pela equipa britânica para a sua primeira época completa na F1 em 1986, ao lado do promissor Martin Brundle. A equipa começou a temporada com o modelo 014, estrando no Mónaco o chassis 015, mas as dificuldades monetárias da formação de “Uncle Ken” eram ainda muito notórias. A Tyrrell nunca tinha conseguido resultados significativos depois da “bronca” de 1984 e estava num processo de reconquistar patrocinadores, por isso a temporada de 1986 foi apagada, com alguns problemas de fiabilidade e uma luta constante no meio do pelotão. Ainda assim, Streiff lutou de igual para igual com o mais experiente Martin Brundle – que estava com a equipa desde a sua estreia na F1 em 1984 – e conquistou três pontos, graças a um sexto lugar em Inglaterra e um quinto na Austrália, terminando ainda regularmente as provas em que o carro não quebrava no top-10.

Deste modo, apesar de, para 1987, a Tyrrell ter sido a equipa que liderou o regresso aos motores atmosféricos graças a um regulamento que cortava a potência dos motores turbo, Ken Tyrrell optava por manter Streiff, contratando Jonathan Palmer para o lugar de Brundle. Apesar de competir com motores Cosworth, o novo Tyrrell DG016 era um chassis extremamente bem conseguido e a dupla da Tyrrell, além de dominar entre os atmosféricos – que tinham uma taça própria para pilotos e construtores – contava com um carro extremamente fiável, o que os capacitava para aproveitar as falhas dos carros turbo e as vantagens do Cosworth em certos circuitos para entrar no top-10 e até lutar pelos pontos. Streiff conseguiu assim um sexto posto no G.P. de França e um espetacular quarto lugar na Alemanha, para terminar a época com quatro pontos, embora terminando o Troféu Jim Clark – reservado aos pilotos de carros atmosféricos – na segunda posição, batido pelo seu colega Jonathan Palmer. No entanto, tal como em 1986, mesmo que Palmer tenha conseguido mais pontos, as diferenças de andamento entre Streiff e o seu colega de equipa, tanto em qualificação como em corrida, foram quase nulas, justificando assim a manutenção de Philippe no plantel da Fórmula 1. Pelo meio, Streiff foi convidado para pilotar um Ford oficial nas 24h de Spa, ao lado dos conceituadíssimos Pierre Dieudonné e Steve Soper, mas o motor quebrou já no final da prova.

Apesar de estar bem na Tyrrell, Streiff iria mudar de equipa em 1988. A AGS, depois de uma entrada experimental nas últimas rondas de 1986, tinha-se dedicado exclusivamente à F1 em 1987, correndo com motores atmosféricos e contando com Pascal Fabre como piloto. Para 1988, com ainda mais restrições aos motores turbo, esperava-se uma certa equivalência entre estes e os atmosféricos, antecipando o fim dos propulsores turbocomprimidos anunciado para 1989. Depois de uma época de aprendizagem, o novo AGS JH23-Cosworth era significativamente mais leve, e a equipa queria um piloto talentoso para levar a formação de Gonfaron a voos mais altos, por isso fez uma proposta a Streiff que, depois de ter corrido para a escuderia durante quatro anos, decidiu aceitar. O carro até nem era lento, misturando-se facilmente na segunda metade do pelotão, mas era muito pouco fiável, daí que Streiff apenas conseguiu terminar cinco das dezasseis provas em 1988, desistindo maioritariamente por quebra mecânica. Aliás, para provar a capacidade do carro (e do piloto), Streiff lutaria pelo quarto lugar no G.P. do Canadá com… o campeão em título Nélson Piquet (em Lotus-Honda) durante a segunda metade da prova, até que a suspensão do AGS quebrou. A época sem pontos foi compensada pelo regresso ao ambiente, para si familiar, da AGS e pela promessa de melhores resultados que a equipa apresentava, e também por algumas bem-sucedidas passagens pelo WSC/WEC ao volante de um Porsche 962C da Joest Racing, conseguindo Philippe um quarto lugar em Silverstone, partilhando o carro com duas lendas da Endurance, David Hobbs e Bob Wollek.

Tal como muitas equipas naquele tempo, a AGS não iria começar a temporada com o novo carro, mas sim com uma evolução do ano anterior, o JH23B. E a formação iria também contar com um segundo piloto, que chegava com algum financiamento, Joachim Winkelhock (irmão do malogrado Manfred), logo 1989 apresentava-se como uma época de maior ambição, apesar de ter que passar pelas pré-qualificações. Como habitual, as várias equipas partiram para o Rio de Janeiro para testar os novos carros nas quentes condições do circuito de Jacarepaguá, que abria o campeonato. O novo AGS era uma solução de compromisso, mas parecia mais frágil que o modelo do ano anterior, e durante uma série de voltas rápidas, a suspensão do monolugar francês quebrou a mais de 200 Km/h, atirando Streiff com enorme violência para os rails, voando sob a proteção e capotando várias vezes, para terminar com o chassis partido a meio. Pior que isso, a cobertura de motor e respetivo arco de segurança haviam-se quebrado, o que não augurava nada de bom. Streiff era muito alto e ficou preso debaixo do carro, e os socorros tardaram, já que o piloto ficou fora do perímetro da pista, ferindo mesmo dois operários que trabalhavam à volta do circuito. Quando conseguiu extrair-se, com ajuda, dos restos muito machucados do seu monolugar, Streiff saiu pelo próprio pé, mas rapidamente deu conta de uma laceração no joelho e apercebeu-se de dores nas costas…

Quando os comissários propriamente ditos e os socorros chegaram, tudo dava a entender que Streiff, um piloto extremamente alto, poderia ter sofrido lesões na coluna. A partir daqui, uma sucessão ainda mais desastrosa de socorros acabaria por o deixar paraplégico. Evacuado de helicóptero para o Rio de Janeiro, o hospital não tinha heliporto, obrigando a uma aterragem nos arredores e à transferência do piloto para uma ambulância, que teve que circular num percurso de paralelo, sacudindo ainda mais o piloto. No hospital, não havia equipamento em condições para fazer o exame à coluna, tendo que se chamar reforços de São Paulo. Infelizmente, quando estes chegaram, Streiff estava já a deixar de sentir o braço esquerdo e, mesmo com uma operação de emergência durante a noite, acabaria definitivamente paralisado, perante a incredulidade da sua mulher, que não compreendia tais condições caóticas de apoio a um piloto após um acidente. Na verdade, é uma opinião unânime que Philippe apenas ficou com lesões tão graves na coluna pela negligência dos serviços de socorro, sendo indemnizado. E Jacarepaguá perderia definitivamente o seu lugar para Interlagos em 1990.

E depois da tragédia…

Quando Philippe Streiff recuperou, a sua paixão pelos motores não lhe permitiu ficar afastado muito tempo do desporto motorizado. Em primeiro lugar, juntamente com a sua mulher, Alain Prost e mais alguns pilotos, Streiff iniciou uma campanha pela construção de melhores centros médicos nos circuitos e formação dos comissários para as ocorrências de traumas violentos, algo que só aconteceu em 1991, depois de em 1990 Martin Donnelly ter sofrido um acidente que pôs fim à sua carreira competitiva. De seguida, Philippe abriu um centro de karting indoor em 1991, e em 1993, organizou a primeira corrida das estrelas em karting, o Masters de Bercy, célebre pelo duelo entre… Senna e Prost. Este evento, que juntava pilotos de diversas categorias, realizar-se-ia até 2001, renascendo em 2011 sob a forma de uma competição de karts totalmente elétricos. Ao mesmo tempo, com a ajuda da Renault, projetou um carro especialmente adaptado para as suas limitações e tornou-se num grande ativista dos deficientes motores, tornando-se conselheiro ministerial no governo francês a partir de 2002. Após a derrota de Sarkozy, Streiff manteve-se em funções como consultor técnico na mesma área, assim como na segurança rodoviária, e é presença habitual em palestras e grupos de trabalho sobre o assunto, ao mesmo tempo que continua, na sua capacidade de engenheiro, a ajudar no desenvolvimento de sistemas que permitam a condução por parte de deficientes motores. Sem dúvida, um homem marcante.

Por Guilherme Ribeiro

Subscribe
Notify of
1 Comentário
Inline Feedbacks
View all comments
Pity
Pity
1 ano atrás

O Yannick Dalmas era genial? Mesmo Alesi tenho dificuldade em considerá-lo como tal, apesar de o achar muito bom piloto.
PS: excelente artigo.

últimas AutoSport Histórico
últimas Autosport
autosport-historico
últimas Automais
autosport-historico
Ativar notificações? Sim Não, obrigado