Michael Schumacher, 12 anos
Lembro-me perfeitamente, estava na Amadora, num parque infantil com a minha mulher e filha mais nova, ela estava no baloiço. Era um domingo frio de dezembro, o ano estava quase a mudar, o telemóvel na mão mais por vício do que por necessidade, e o Hélio ligou-me. “O Schumacher teve um acidente grave…”
Senti primeiro um vazio no estômago, como se alguém me tivesse puxado o tapete por baixo dos pés. A minha mulher percebeu logo que se passara alguma coisa, e a minha cabeça já estava presa numa única frase: “grave acidente”. O site do AutoSport estava, como sempre, “ligado” 24 horas por dia, mesmo quando eu tentava desligar.
“Outra vez não…”, pensei. A memória puxou logo por Senna em 1994, pelas imagens das Torres Gémeas em 2001. Lembrei-me exatamente onde estava em cada uma dessas datas. Agora tinha mais um carimbo na cabeça: 29 de dezembro de 2013, Meribel, Alpes franceses.
“Que se passa?”, perguntaram-me. Senti a cara a ficar mais séria, a voz a enroscar-se na garganta: “O Schumacher teve um grave acidente.” O passeio acabou. Fui rapidamente para casa, a cabeça já estava no site, nas atualizações. Começou a típica maratona informativa: abrir fontes, conferir detalhes, tentar perceber o estado clínico, filtrar o ruído. A cada refresh do PC, o mesmo cenário: muita especulação, pouca certeza. Mas o trabalho fez-se. Era o Michael Schumacher…
Passaram-se dias. Depois, semanas. E, de repente, passaram-se anos. Hoje, já passaram uma dúzia. E a sensação estranha é essa: como é que um episódio tão presente na memória já está tão longe no calendário?
Michael Schumacher fará 57 anos a 3 de janeiro. Doze anos depois do acidente em Meribel, o que sabemos é menos do que aquilo que gostaríamos, mas a família assim o quer, e respeitamos. Não sabemos se ainda está acamado, sabemos que não precisa de apoio respiratório permanente. Sabemos que esteve meses em coma no Hospital Universitário de Grenoble, que foi operado duas vezes, que foi depois transferido para Lausanne e, mais tarde, para casa, na Suíça. O resto é quase tudo silêncio. Um silêncio escolhido.
A casa da família transformou-se num pequeno hospital, com equipas médicas, equipamento especializado, rotina clínica diária. Corinna, a mulher com quem Schumacher casou em 1995, ergueu uma muralha discreta à volta do marido. A palavra de ordem é proteger: proteger a intimidade, proteger a memória, proteger o que resta da vida em família. E faz bem. Assim podemos recordar o que Michael Schumacher fazia em pista sem ser preciso tentar imaginar como ele vive hoje em dia…
Quem o viu, não fala. Quem queria ver, foi travado à porta. Rubens Barrichello contou que lhe recusaram uma visita com a frase crua de quem conhece a realidade por dentro: o encontro não faria bem a nenhum dos dois. Em contraste, Sebastian Vettel pôde entrar. Fez o que se esperava dele. Saiu e nunca disse uma palavra.
Há uma frase que ressoa sempre que o assunto volta à tona: “Schumacher não anda”. Foi o que o seu advogado confirmou em tribunal, em 2016. Mais do que isso, nada de concreto. Em 2019 surgiram relatos de que estaria consciente, mas com limitações severas. Em 2025, falou-se de um gesto “positivo”: um capacete autografado por todos os campeões de F1 vivos, com a ajuda de Corinna Schumacher.
Entre estes pequenos sinais, houve também um episódio negro: um membro da equipa de transporte que acompanhou a transferência de Schumacher de França para a Suíça roubou documentação médica, tentou vendê-la e acabou preso. Pouco depois foi encontrado enforcado na cela. Um choque adicional numa história que já era pesada o suficiente.
No meio deste cenário clínico, a vida em volta não parou. Gina-Maria, a filha, continuou a destacar-se na equitação, casou e já é mãe. Mick Schumacher, o filho, cresceu sob o peso de um apelido que vale mais do que qualquer currículo. Tentaram escondê-lo nos primeiros tempos, correr sob o nome “Betsch” nos karts, mas foi impossível manter o anonimato.
Mick avançou degrau a degrau: campeão europeu de Fórmula 3, campeão de Fórmula 2, 43 Grandes Prémios pela Haas, um sexto lugar na Áustria em 2022 como melhor resultado. Depois, a saída da F1, o papel de piloto de reserva da Mercedes e, mais recentemente, a integração no programa Hypercar da Alpine no Mundial de Resistência. Agora a IndyCar. Em todas estas etapas, a mesma ausência: nunca falou publicamente sobre o estado do pai.
Contou, sim, um momento íntimo: o dia em que Michael lhe perguntou se queria correr como hobby ou como profissão. “Quero ser profissional. Quero comparar-me aos melhores, e o meu pai é o melhor. E também é o meu ídolo.” A frase tem o peso de tudo o que veio depois. Um ídolo que continua presente, ainda que fisicamente distante.
Em 2007, Schumacher disse algo que, à luz de tudo o que aconteceu, soa quase profético: “Sempre acreditei que nunca se deve desistir, e devemos continuar sempre a lutar, mesmo que exista somente uma pequena hipótese.”
Dessa ideia nasceu o movimento #KeepFighting uma forma de devolver aos adeptos a mesma energia positiva que eles sempre lhe deram, agora canalizada para a sua própria recuperação e para inspirar outros.
Sabine Kehm, a porta-voz que se tornou guardiã da fronteira entre o público e o privado, tem repetido a mesma linha, ajustada ao tempo: “O melhor presente para o Michael e para a família é as pessoas lembrarem-se dele como o piloto que é: um vencedor e recordista.”
Quando olho para trás e volto àquele domingo, vejo uma sequência muito clara: o toque frio do telemóvel na mão, o telefonema do Hélio, o corpo a ‘travar’ no meio do parque infantil, os ombros a descerem ligeiramente, a respiração a ficar mais curta. A frase “O Schumacher teve um grave acidente” a sair seca, sem adornos, precisamente porque o cérebro ainda não tinha conseguido embrulhar a notícia em emoção.
Hoje, a notícia já não é nova. O acidente não é quebra de última hora, é capítulo de uma história longa, feita de esperança paciente e silêncio disciplinado. Mas o reflexo continua o mesmo: sempre que surge uma linha sobre Michael Schumacher, há um pequeno desvio interno, como se o tempo recuasse àquele 29 de dezembro de 2013.
É um daqueles momentos que se cola à memória coletiva. Como Senna em Imola. Como o 11 de setembro. Momentos em que nos lembramos exatamente onde estávamos, o que estávamos a fazer, o que sentimos.
E, tal como então, a sensação hoje mistura preocupação e respeito. Preocupação por não sabermos até onde pode ir a recuperação. Respeito por uma família que escolheu fechar a porta e, ainda assim, manter o mundo inteiro do lado de fora a torcer.
No fim, sobra uma certeza simples, quase teimosa: enquanto houver alguém a escrever “#keepfighting Michael”, a luta continua. Mesmo que seja travada, em silêncio, entre quatro paredes numa casa na Suíça, ou onde quer que seja que esteja agora.
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Canam
29 Dezembro, 2025 at 13:34
Sempre teve uma vida de risco, até mais fora das pistas do que nelas. Uma queda de mota que o deixou maltratado e esta calamidade na neve, que sucedeu porque ele inadvertidamente saiu da pista sinalizada e meteu-se por neves obviamente perigosas.Teve azar em bater com a cabeça numa pedra má, mas se tivesse permanecido na pista assinalada, nada teria sucedido.