Jacques Villeneuve: Campeão em nome do pai

Por a 13 Fevereiro 2024 16:48

Jacques Villeneuve tinha uma missão secreta: conseguir aquilo que o seu pai, Gilles, o imortal, não tinha conseguido: sagrar-se campeão do Mundo de F1. Por isso, dois anos depois do seu pai morrer, em Zolder, pediu autorização à sua mãe para lhe seguir as pegadas. A resposta foi positiva – e Jacques, aos 26 anos, tinha conseguido o desiderato. Depois disso, a sua estrela empalideceu, quase até à escuridão total…

Jacques Joseph Charles Villeneuve nasceu a 9 de abril de 1971, em Saint-Jean-de-Richelieu, o feudo familiar no Québec, único filho varão de Gilles, piloto de automóveis e de Joann, a esposa de uma vida. Jacques teve ainda duas irmãs: Melanie e Jessica, sendo lendárias as fotos da família completa, acompanhado o pai de pista para pista, num retrato fiel de apoio incondicional à paixão nutrida pelo chefe do clã. Por isso, não é de estranhar que, embora tendo nascido no local de onde a ‘tribo’ veio, o Canadá, o jovem Jacques tenha crescido e sido criado no Mónaco. Quando tinha 11 anos, o pai morreu nos treinos para o GP da Bélgica de F1, quando colidiu com o seu Ferrari contra o March de Jochen Mass – e isso veio a marcar a sua vida.

Uma carreira de altos e baixos

Em 1984, dois anos após a morte do pai, Jacques, então com 13 anos, pediu autorização à mãe para seguir as pisadas do pai no automobilismo de competição. A mãe prometeu-lhe que iria ajudá-lo a pilotar um kart, caso ele conseguisse boas notas a matemática, o sue pior pesadelo na escola. Jacques alocou-se como nunca e depressa ultrapassou os valores exigidos pela mãe, que teve que cumprir a promessa – um ano mais tarde, estava a vê-lo correr com um kart de 100 cm3 no kartódromo de Imola. Os donos da pista, Luigi e Massimo Buratti, ficaram impressionados com as capacidades do jovem canadiano, a tal ponto que, primeiro, lhe deram um kart mais potente, com 135 cm3 e, no final do dia, o deixaram correr na pista de GP ao volante de um monolugar de Fórmula 4, competição de promoção que então se corria em Itália.

Foi então que, ao saber das proezas do sobrinho, o seu tio da América, também chamado Jacques, o inscreveu na filial de Mont Tremblant, no Québec, da Jim Russell Racing Driver School. O curso demorou apenas três dias, durante os quais o jovem de 15 anos demonstrou uma concentração muito superior à sua idade. No final, recebeu o diploma e o instrutor, Gilbert Pednault, declarou-o como tendo sido o melhor aluno que jamais tinha visto até então na escola. Mas, depois desta estreia bem sucedida, Jacques queria mais e participou num curso mais intenso, custeando-o com trabalho temporário nas oficinas da escola. Porém, com 17 anos era demasiado novo para conseguir, no Canadá ou em Itália, as licenças desportivas necessárias para correr oficialmente; por isso, com uma ‘mãozinha’ da federação canadiana, conseguiu as licenças na Andorra.

Em 1988, inscreveu-se na Coppa Alfa Romeo. Na primeira jornada, lutando contra pilotos de F1 como Johnny Cecotto ou Mauro Baldi, terminou em 10º as duas mangas; duas semanas mais tarde, em Monza, fez o mesmo, mas agora contra Riccardo Patrese e Nicola Larini.

Entre 1989 e 1991, Jacques Villeneuve correu na F3 italiana, mas sem grandes resultados. Procurando provar que tinha, de facto, talento, o jovem emigrou para o Japão, ganhando três corridas e terminando o ano de 1992 como vice-campeão de F3. Então, aos 21 anos, as portas abriram-se-lhe de forma inesperada – atento, Craig Pollock convidou-o para fazer a corrida de Fórmula Atlantic em Trois Rivières; Villeneuve acabou-a em terceiro lugar, deixando verdadeiramente impressionado Pollock, ao ponto de ter conseguido arranjar forma de o pôr a correr no resto da temporada daquela competição.

Como peixe na água, Jacques Villeneuve descobriu ser aquela a sua praia: as corridas do outro lado do Atlântico, com as temíveis e alucinantes ovais a tentarem a sua coragem. Em 1993, em 15 provas, ganhou cinco e assinou sete poles – mas uma série de erros não lhe permitiram ir além do terceiro lugar no campeonato.

A sua equipa, a Forsythe-Green, uma das mais competitivas da época, não teve dúvidas em lhe permitir subir o degrau para o campeonato principal, a IndyCar. No seu primeiro ano, 1994, Jacques Villeneuve venceu o troféu do Melhor Estreante (Rookie of the Year), classificando-se em sexto lugar do campeonato, a 131 pontos do campeão, Al Unser Jr. Pelo meio, ficou o segundo lugar na sua estreia nas temíveis Indy 500 e a sua primeira (e única, nesse ano) vitória, em Road America – a mesma pista em que, nove anos antes, o seu tio Jacques se tinha tornado o primeiro canadiano a ganhar uma prova no campeonato.

1995 foi o ano da sua consagração: na mesma equipa (mas com novo nome, Team Green), começou a ganhar, em Miami e, até ao fim da temporada, venceu mais três corridas, entre elas as 500 Milhas de Indianapolis, mesmo após ter sofrido uma penalização de duas voltas a meio da corrida! O título ficou garantido, apesar de uma ponta final menos bem conseguida, com um total de 172 pontos. As suas performances, bem como o nome de família, atraíram as atenções de Frank Williams, que rapidamente assinou um contrato a tempo inteiro, válido para 1996. Antes do final de 1995, Villeneuve fez o seu primeiro teste ao volante de um Williams de F1. Estava lançada a pedra para cimentar uma outra carreira –a  de piloto de F1.

F1: descer desde o Olimpo

A sua carreira na F1 foi, basicamente, o contrário da de outros campeões: começou diretamente no Olimpo e, depois, foi a descida até aos infernos. Por vezes, alucinante; sempre, atribulada.

De facto, logo na sua prova de estreia, deixou toda a gente estupefacta, ao rubricar a pole position, a 0,138 segundos do seu bem mais experiente colega de equipa na Williams, Damon Hill. E só não ganhou, porque uma fuga de óleo o impediu, depois de ter dominado e liderado durante a maior parte da prova. Mas a vingança serve-se fria e a subida ao lugar mais alto do pódio aconteceu logo pela quarta prova, o GP da Europa, no Nürburgring. Até ao final da temporada, Jacques Villeneuve terminou sempre no pódio (exceto em Monza, em que foi 7º) e ganhou ainda mais três provas, secundando o campeão do Mundo, Damon Hill, num ano totalmente dominado pela Williams. Para a história, ficou a sua ultrapassagem a Michael Schumacher, por fora, em plena Parabólica do Autódromo do Estoril, a caminho do triunfo naquela que foi a última edição do GP de Portugal.

Em 1997, Jacques Villeneuve conquistou enfim a coroa que seu pai não conseguiu jamais conquistar (na verdade, nem para isso teve tempo…), sendo Campeão do Mundo de F1 com sete triunfos, um 3º, um 4º e dois 5º lugares. A partir daí, a sua carreira foi sempre em fase descendente: nunca mais venceu uma corrida de F1 e, depois de mais um ano na Williams, embarcou na aventura da British American Racing (BAR), equipa de que se tornou um dos proprietários. Um fiasco enorme, que começou logo no primeiro ano, em que nem sequer pontuou e que durou longamente, até 2003. A teimosia em apostar num projeto fadado para falhar arruinou a sua reputação e, depois de três corridas, no final da temporada de 2004, com a Renault, no lugar de Jarno Trulli, assinou um contrato de dois anos com a Sauber, com início em 2005. Porém, no final desse ano, sucederam mudanças drásticas a equipa suíça – foi comprada pela BMW e, depois de cinco pontos em 12 corridas, Villeneuve foi afastado e substituído pelo promissor e bem mais jovem piloto de testes, Robert Kubica.

Depois disso, Jacques Villeneuve nunca mais voltou à F1. Em 2010, o seu nome esteve ligado ao projeto, nunca chancelado pela FIA, da equipa Stefan GP e, no ano seguinte, alguma imprensa deu-o como estando de regresso, através da sua própria equipa designada Villeneuve Racing, o que nunca se confirmou.

Na última década, depois de correr também nas 24 Horas de Le Mans em 2007 e 2008, com a Peugeot (foi 2º classificado em 2008), nas três principais séries da NASCAR (sem nunca ter ganho uma prova) e de uma incipiente carreira na música (em 2007 gravou dois discos, dos quais vendeu menos de um milhar de cópias!) e na TV (teve um papel de piloto de automóveis no filme de ação “Driven”, de Sylvester Stallone, em 2011), Jacques Villeneuve continua por aí, ainda no mundo das corridas. Há dois anos teve uma experiência que durou duas corridas na Fórmula E, sem sequência. Hoje, aos 45 anos (a três dias de fazer 46), anda por aí, manda uma bocas fortes sobre a F1, mas o objetivo que tinha na vida para honrar o seu pai, Gilles, cumpriu-o. O resto é história…

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MiguelCosta
MiguelCosta
7 anos atrás

Grande piloto, a destreza, a coragem e o talento do pai estavam lá, lógico que a F1 era diferente da do pai, mas não tinha só o apelido. A cabeça e a personalidade é que não eram a mesma, mas não há duas pessoas iguais. Acompanhei a carreira dele desde a Indy e sempre gostei do piloto, acho que se distrai com facilidade e isso fez a tal descida ao inferno que fala o artigo. Gosto de o ouvir falar como comentador, não tem papas na lingua nem é politicamente correto, diz o que pensa.

can-am
can-am
7 anos atrás

Na F1 apenas fez uma temporada realmente muito boa, que foi a de 97 onde ganhou merecidamente o mundial em luta aberta com a Ferrari…e a FIA que fizeram tudo para o deitar abaixo,o primeiro com a manobra lamentável de Jerez e a segunda com a desclassificação incrível de Suzuka, “para equilibrar as coisas”. Mas nunca mais fez uma temporada como essa e depois com a vinda dos carros estreitos e com sulcos foi-se apagando progressivamente ( ele e a Williams). Fora da F1 ganhou a Indy 500 e o respectivo campeonato de 95 antes de rumar à Europa. Mas… Ler mais »

old-player
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7 anos atrás

Gilles Villeneuve é e sera sempre para mim um dos Grandes nomes da história da Formula 1 o seu filho ficou um pouco longe de si, mas é também um bom piloto. Lembro outro pai e filho que sendo ambos campeões são bem diferentes . quem se lembra do Finlandês Voador? O único Honen que conseguia guiar um Formula 1 como se fosse um carro de rali e sair das curvas com a traseira

F1 FOR FUN
F1 FOR FUN
2 meses atrás

Ele só teve a culpa das más escolhas que fez, em 1998 a Williams perdeu os motores de fábrica e passou a ser uma equipa mediana. A escolha da BAR foi o grande erro da carreira, diz-se que foi bloqueado pelo Schumacher na Ferrari. Sempre gostei de o ver a correr, foi o meu piloto preferido desde a CART, durante um certo período de tempo, até um certo Finlandês aparecer.

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