Grande Prémio da Bélgica de F1: As decisões de uma corrida que não aconteceu

Por a 30 Agosto 2021 13:37

Tudo apontava para que tivéssemos um GP da Bélgica de grande emoção num dos circuitos mais selectivos do mundo, mas acabámos por ter uma não-corrida que embaraçou a F1 e deixou praticamente toda gente insatisfeita.

Tudo parecia estar no lugar certo para assistirmos a uma corrida clássica, como Spa-Francorchamps tende a oferecer-nos – condições climatéricas difíceis, candidatos ao título por perto, uma surpresa na qualificação (George Russell) e um piloto fora do seu lugar que prometia recuperar, depois de um violento acidente no sábado (Lando Norris).

No entanto, a inclemência do tempo das Ardenas no domingo à tarde desde cedo deixava a ideia de que dificilmente teríamos uma corrida digna desse nome no majestoso circuito belga até a luz se esconder por detrás das ameaçadoras nuvens que se mantinham a forrar o céu.

As condições da pista estavam bem patentes no despiste protagonizado por Sérgio Pérez na sua volta da saída das boxes para se dirigir para a grelha de partida.

Dificilmente se verificaria à hora marcada um arranque para uma corrida de quarenta e quatro voltas e foi então que se iniciaram uma sequência de eventos que nos levou a uma prova que, oficialmente, teve apenas uma volta, tendo sido interrompida na terceira e sempre com o Safety-Car em pista.

Entretanto, começara já a contagem decrescente de três horas para que o Grande Prémio da Bélgica pudesse terminar, como está no regulamento que aponta que uma prova de Fórmula 1 tem de ser concluída até três horas depois da hora marcada para o seu início.

As condições da pista eram verdadeiramente complicadas, não tanto no que diz respeito à água em pista, que ainda assim criava algumas situações de “acquaplanning”, mas antes à visibilidade, tendo todos os pilotos se queixado de dificuldades em ver o carro que estava à sua frente, excepto Max Verstappen, que no comando do pelotão, tinha apenas de lidar com o spray levantado pelo Safety-Car.

Para além das condições serem verdadeiramente impossíveis para uma corrida de Fórmula 1, havia ainda a pairar os acidentes que se verificaram nos dias anteriores no Radillon, que enviaram para o hospital seis pilotos da W Series e Lando Norris, remetendo estes para o incidente que ceifou a vida a Anthoine Hubert em 2019.

A disposição para arriscar algo numa situação difícil era, evidentemente, muito fraca.

Ao invés, a chuva continuava forte, e todos passavam por uma penosa espera por acção em pista, tendo os espectadores que ser enaltecidos pela forma estoica como se mantiveram ao longo do circuito sob chuva intensa e com temperaturas que estavam longe de ser confortáveis – os termómetros rondaram os 13ºC.

O prazo para que a corrida que, nem sequer tinha começado, terminasse estava a esgotar-se, sendo cada vez mais claro que não haveria melhorias climatéricas no horizonte, o que colocava em questão a realização do Grande Prémio da Bélgica.

No entanto, a Meteo France, parceira da Fórmula 1, apontava para uma melhoria do tempo para cerca das 17h00, Hora de Lisboa, parecendo haver uma abertura para que uma corrida pudesse ser efectuada.

Os comissários desportivos, através do Código Desportivo, pararam a contagem decrescente de três horas, dando a Michael Masi a possibilidade de levar a cabo uma corrida de uma hora.

Às 17h17, Hora de Lisboa, a corrida foi formalmente iniciada atrás do Safety-Car, mas não era visível qualquer melhoria relativamente às duas voltas que foram realizadas no início da tarde. Na verdade, Max Verstappen, que da primeira vez que se fez ao circuito achou que havia condições para haver uma corrida, agora considerava que não era possível continuar em pista.

Quando os pilotos realizavam a terceira volta, voltavam a aparecer as bandeiras vermelhas e, com a luz natural a diminuir drasticamente, os carros não regressariam à pista.

Com três passagens pela linha de meta, o exercício a que assistimos qualificava-se como corrida de acordo com os regulamentos, exigem duas voltas, apesar de termos visto o ritmo do pelotão ditado pelo Safety-Car e sem que fossem permitidas quaisquer ultrapassagens.

Foi realizado um pódio e, como não foram completados 75% da corrida, foram distribuídos metade dos pontos,

O que poderia ou deveria ter sido feito?

Este foi um cenário que não agradou a ninguém, nem pilotos, nem fãs, nem público, devendo estes ser alvo de maior respeito, dado que se mantiveram no circuito sob condições dificilíssimas, e embora muito estivesse contra a organização do Grande Prémio da Bélgica, a coerência deveria ter prevalecido.

Face à meteorologia, era quase impossível, senão mesmo impossível, realizar uma corrida de Fórmula 1 em Spa-Francorchamps no passado domingo.

O circuito belga tem contra si a sua natureza, de alta velocidade, criando com facilidade situações potencialmente perigosas, e com o maior perímetro do calendário, que impede que os carros de Fórmula 1 munidos dos seus poderosos pneus de chuva de secar a pista, uma vez que demora tanto a completar uma volta – mais de três minutos com o Safety-Car em pista no domingo passado – que, a chover, quando voltam a passar pelo mesmo sítio, a água que tiraram do asfalto já foi reposta.

Ainda assim, se esta fosse a abordagem, a melhor janela de oportunidade terá sido mesmo quando foram realizadas as duas voltas de apresentação. Talvez, e este talvez é muito grande, se os carros fossem mantidos em pista conseguissem tirar água suficiente do asfalto para que fossem realizadas algumas voltas sem Safety-Car, daí para a frente foi tornando-se cada vez mais difícil, uma vez que a chuva foi caindo insistente e consistentemente e a inexistência de vento e as baixas temperaturas contribuíam para que a pista não secasse e o spray, quando os carros estiveram em pista, não se dissipasse com a rapidez desejada.

Uma possibilidade, que nunca o foi, era adiar a corrida por vinte e quatro horas, mas diversas questões se levantavam – garantir comissários de pista, que são voluntários e que têm os seus compromissos profissionais, e todo o funcionamento do evento é assegurado por voluntários, isto sem entrarmos sequer nos aspectos comerciais – não tendo sido levada em consideração.

A outra e a exequível, tendo em conta as circunstâncias vigentes em mente, seria enviar os carros para a pista às 17h17, Hora de Lisboa, como foi feito, procurando aproveitar a aberta apontada pela Meteo France, e caso não fosse possível realizar a prova, como se verificou, simplesmente cancelar a corrida.

Sim, claro que haveria dinheiro perdido para a FOM e para a organização do Grande Prémio da Bélgica, mas a Fórmula 1 teria sido coerente, uma vez que ninguém pode chamar de corrida a um conjunto de duas voltas atrás de Safety-Car, sem que os pilotos pudessem bater-se por posições.

Evitava-se assim a cerimónia ridícula do pódio realizada, desprovida de qualquer valor e sentido, e respeitava-se os espectadores que pagaram para ver uma corrida que nunca aconteceu, que, com um cancelamento, teriam o direito de receber o dinheiro que pagaram pelos bilhetes.

Para além disso, evitava-se «uma situação em que os campeonatos possam ser decididos pelos pontos somados no passado domingo, o que deixará uma mancha nos campeões.

Ao invés, a Fórmula 1 preferiu esconder-se nos regulamentos para poder rechear os cofres, compreende-se até num momento em que passa por dificuldades criadas pela COVID-19, mas no Grande Prémio da Bélgica perdeu a oportunidade para traçar uma linha clara entre os negócios e o desporto e foi uma pena

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