GP da África do Sul de 1979: Triunfo de Villeneuve, dobradinha Ferrari

Por a 12 Junho 2023 09:22

Gilles Villeneuve ganha o seu segundo Grande Prémio. Jody Scheckter completa uma impressionante dobradinha da Ferrari. Jean-Pierre Jarier subiu ao terceiro degrau do pódio, na frente de Mario Andretti e Carlos Reutemann.

Em março de 1979, há 44 anos, a temporada de Fórmula 1 já tinha cumprido as suas duas primeiras corridas, na Argentina e no Brasil. Duas provas onde a Ligier dominou, com Jacques Laffite a ser o líder destacado, graças às suas vitórias em Buenos Aires e Interlagos – esta última em dobradinha com o seu companheiro de equipa Patrick Depailler – provas do ano e ter 18 pontos no seu pecúlio, a concorrência esperava por Kyalami para começar a reagir, antes que os carros azuis de Guy Ligier começassem a ficar inalcançáveis.

Nesse dia 3 de março, a Fórmula 1 estava em Kyalami, terceira prova do calendário. E se a competição era bem disputada em pista, nos bastidores, começava a surgir uma disputa pelo poder entre a entidade reguladora, a FISA, e a Associação de construtores, a FOCA. A primeira tinha ressurgido no final do ano anterior, com a eleição do francês Jean-Marie Balestre, e este queria regulamentar certos aspetos técnicos, e uma delas era o banimento das “saias laterais” no final de 1979, algo que a FOCA, que desde o final de 1978 era liderada pelo patrão da Brabham. Bernie Ecclestone, não estavam pelos ajustes…

Mas o que os espectadores mais queriam ver nessa corrida eram os novos chassis que iriam rolar. A Ferrari, Copersucar e a Ensign iriam mostrar novidades, mas o fim-de-semana ficou dominado pela surpreendente pole-position do Renault de Jean-Pierre Jabouille, no seu RE01. O primeiro de um motor Turbo na Formula 1.

FERRARI OK, COPERSUCAR KO

Em Kyalami, Jody Scheckter e Gilles Villeneuve tinham finalmente a sua nova montada. A versão T4 do seu chassis 312 era um carro desenhado por Mauro Forghieri, onde o carro se transformava num efeito-solo, onde se esperava que fosse um pouco mais eficaz do que o modelo anterior. Contudo, não podia fazer muitas modificações no chassis por causa do motor flat-12, pois quando a primeira versão do chassis fora desenhada, em 1974, nunca tiveram em mente os desenvolvimentos na aerodinâmica como o efeito-solo.

Contudo, apesar dessas limitações, o carro conseguiu ser competitivo e funcional, e os testes em Maranello indicaram isso. Mas agora, o teste era a sério, especialmente numa altura em que os carros eram cada vez mais a ver com a aerodinâmica e nem tanto com a potência, mas esperavam que funcionasse.

Em contraste, a Fittipaldi estava em maus lençóis. O seu novo chassis, o F6, tinha sido apresentado no inicio de janeiro em Interlagos com pompa e circunstância perante a imprensa local e mundial. Desenhado por Ralph Bellamy, um dos homens que ajudara a desenhar o Lotus 78, em 1977, tinha custado três milhões de dólares á equipa, o mais caro de sempre até então. Wilson Fittipaldi, irmão de Emerson, tinha pedido “um Lotus pintado de amarelo” e parecia ser um vencedor no papel, pois o bico era elegante e tinha entradas de ar a meio do chassis.

As expectativas eram bem altas, sobretudo por causa do que tinham feito com o F5A na temporada de 1978, que lhes dera 17 pontos e um pódio em Jacarepaguá, e tinham começado bem o ano com um sexto lugar em Buenos Aires. Contudo, quando Emerson se sentou no carro para fazer o seu “shakedown”, bastou uma volta ao circuito para ele descobrir que era simplesmente inguiável, devido à sua pouca rigidez torcional em curva.

Nas boxes, Emerson disse ao irmão o que achava do carro:

“Não anda e não vai andar nunca, jogamos três milhões de dólares no lixo. O carro parece uma banana assada de tanto que torce quando tenta fazer curva.”

E depois acrescentou: “Agora, você leva tudo embora que eu não piloto mais esta encrenca”.

De facto, o primeiro a suspeitar que havia algo errado tinha sido Ricardo Divila, que tinha desenhado os primeiros quatro chassis da marca. Quando ele fez alguns cálculos sobre a rigidez torcional do carro, descobriu o defeito. Após o testes, e quando Emerson confrontou-o, Bellamy respondeu que não havia nada errado com o carro e Fittipaldi apenas não estava acostumado a andar num carro-asa. Obviamente, ele contestou.

Os irmãos Fittipaldi decidiram que não queriam levar o chassis novo e continuar com o F5A, mas Bellamy exigiu que o carro embarcasse para Kyalami. No final, eles cederam, talvez para mostrar a ele que o carro era um verdadeiro fracasso. No final das duas sessões de qualificação sul-africana, Fittipaldi não foi além de um dececionante 18º posto na grelha, em 24 qualificados.

Quem também trazia um chassis novo para a África do Sul era a Ensign, o N179. Com o irlandês Derek Daly ao volante, o carro aparecia em paragens sul-africanas com uma frente estranha, toda coberta de radiadores para poder arrefecer o carro de maneira mais eficaz. Infelizmente, o carro era bem lento e não se qualificou.

TURBO-POLE!

A grande surpresa desses treinos foi Jean-Pierre Jabouille. Aos 36 anos, mas apenas na sua segunda temporada completa na Formula 1, veterano piloto francês conseguira ser o mais rápido de todos ao longo do fim-de-semana e dava à Renault o seu primeiro resultado de relevo na Formula 1 desde a sua estreia, um ano e meio antes, em Silverstone. Jabouille entrava na história tornando-se no primeiro carro com motor Turbo a conseguir uma “pole-position”. E tudo isto aproveitando o facto do circuito sul-africano ficar a mais de 1200 metros de altitude, onde dada a rarefação do ar, os motores Turbo funcionarem mais eficazmente do que os atmosféricos. Ao seu lado tinha Jody Scheckter, no Ferrari 312T4, também dando uma estria digna no seu GP caseiro.

Gilles Villeneuve era terceiro e partilhava a segunda fila com o Brabham-Alfa Romeo de Niki Lauda, que como a Ferrari, tinha montado um motor V12. Eles estavam na frente dos Ligier de Patrick Depailler e de Jacques Laffite, o líder do campeonato. Didier Pironi era o sétimo no seu Tyrrell-Ford, seguido pelo Lotus-Ford de Mário Andretti e pelo segundo Tyrrell-Ford de Jean-Pierre Jarier. E a fechar o “top ten” estava o outro Renault Turbo de René Arnoux.

Dos 26 carros inscritos, apenas haviam 24 vagas e para além de Daly e o seu Ensign, quem também não se qualificou fora Arturo Merzário, no seu Merzário A1B.

DO COMEÇO CHUVOSO À DOBRADINHA DO CAVALINO

Três de Março, o dia da corrida – que foi num sábado, diga-se – começou nublado, com o céu a ameaçar chuva. Mas na hora do semáforo ligar para verde, a partida foi em pista seca. No final da primeira volta, Villeneuve ultrapassara Scheckter e Jabouille e era o líder. Parecia que iria ser uma dança entre os Ferrari e o Renault amarelo, mas foi de curta duração: na terceira volta, os céus desabaram sobre o circuito africano, numa daquelas típicas tempestades tropicais, e Jean-Marie Balestre apareceu na pista com a bandeira vermelha, anunciando a interrupção da corrida.

A chuva caiu forte nos minutos seguintes, e todos tiveram de trocar para os compostos de piso molhado, e quando se procedeu a nova largada, Villeneuve partiu da pole-position, já que era ele o líder quando a corrida fora interrompida. Mas por essa altura, a chuva tinha parado e a pista começava a secar rapidamente. Tanto que, por exemplo, Scheckter decidiu manter os secos.

Quando a corrida recomeçou, Villeneuve aguentou melhor as pressões de Scheckter e manteve o comando. Atrás, acontecia a primeira baixa de relevo, quando Patrick Depailler sofria um acidente devido ao piso molhado.

Esperava-se que os pilotos mantivessem os pneus de chuva por mais algum tempo, mas o sol africano fez secar rapidamente a pista, e Villeneuve teve que ir ás boxes na volta 15, para colocar pneus secos. Assim, era Scheckter que ficava na frente, para delírio dos locais.

Mais atrás, Jabouille atrasava-se e os que tinham mantido os secos beneficiavam. Patrick Tambay era terceiro classificado, à frente do Brabham de Nelson Piquet, que tinha partido do 12º lugar e tinha mantido os pneus secos na relargada. Mas pouco tempo depois, o brasileiro sofria problemas com o seu motor Alfa Romeo, e perdia tempo e lugares. Perto do meio da corrida, Tambay já era assediado pelo Tyrrell de Jean-Pierre Jarier, pelo Lotus de Mário Andretti, pelo Renault de Jabouille e o Ligier de Jacques Laffite. Na volta 45, o líder do campeonato teve um furo e despistou-se, entregando o quinto posto a Carlos Reutemann., no seu Lotus-Cosworth. Quase a seguir, na volta 47, Jabouille, que ia em busca do quarto lugar, viu uma válvula do motor Turbo a falhar, acabando por abandonar a corrida.

Na volta 52, os pneus de Scheckter começaram a degradar-se e teve que ir às boxes, fazendo com que o comando fosse herdado por Villeneuve. O sul-africano saiu das boxes em fúria, tentando recuperar o comando ao canadiano, mas já não teve tempo de o apanhar.

No final, o Gilles Villeneuve ganhava a sua segunda corrida da sua carreira, dando á marca do Cavalino Rampante a primeira dobradinha do ano, embora os locais provavelmente tivessem preferido ver trocada a ordem de chegada. Mas acima de tudo, era a estreia perfeita do novo chassis da marca de Maranello, pois os seus rivais, a Ligier, não tinham pontuado. A acompanhá-los no pódio estava Jarier, dando à Tyrrell o seu primeiro pódio do ano.

Nos restantes lugares pontuáveis, estavam os Lótus de Mário Andretti e de Carlos Reutemann, e o Brabham-Alfa Romeo de Niki Lauda, á frente de Nelson Piquet. Emerson Fittipaldi, com o F6, ficou a três voltas do vencedor, num 13º e último lugar. O novo carro tinha sido provado como um fracasso, e o velho F5A tinha de sair da reforma para voltar a andar por mais umas corridas. O que só confirmava uma velha frase de Enzo Ferrari: carro bonito é aquele que vence corridas.

Em termos de pontuação, Laffite continuava a liderar o campeonato com os mesmos 18 pontos que tinha ao chegar a Kyalami, mas agora o segundo era Reutemann, com 12 pontos, graças ao quinto lugar alcançado, e Villeneuve era terceiro, com onze.

Agora a Fórmula 1 seguia para paragens americanas, onde em Long Beach se veria se aquilo que Ferrari e Renault tinham feito era apenas um fenómeno local, ou havia algo mais.

Por Paulo Alexandre Teixeira

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