Fórmula 1: Sabia que a Fórmula 1 esteve perto de ter uma caixa única?

Por a 21 Abril 2020 17:38

Por José Manuel Costa

A FIA ‘namorou’ a ideia de implementar na Fórmula 1 uma caixa de velocidades igual para todas as equipas e houve mesmo um especialista que se chegou à frente, mas acabou tudo em águas de bacalhau. Será que o estrago financeiro que segue de mão dada com o Covid-19, irá recuperar esta ideia?

Quando desenhavam os novos regulamentos para a segunda geração híbrida, a FIA e a Liberty Media queriam levar as regras para a utilização de elementos comuns. Dizia Jean Todt que isso ajudaria a conter os custos, os americanos da Liberty olhavam para essa medida como uma forma de alimentar o espetáculo. Logo a maioria torceu o nariz e atiraram ao “coração” da Liberty: como é que a normalização de algumas peças iria oferecer mais espetáculo?!

Umas das maiores peças que estava na calha para passar a ser normalizada era a caixa de velocidades. E porquê? Simples: as equipas gastam milhares de milhões de euros a desenvolver as suas caixas de velocidade, com ganhos marginais em termos de performance, logo, uma transmissão igual para todos seria uma poupança assinalável!

Rasgaram-se vestes entre as equipas e no meio da gritaria, a ideia de ter uma caixa de velocidades única na Fórmula 1 foi emoldurada e colocada a apanhar pó na prateleira dos projetos falhados.

A teimosia da Liberty Media levou os americanos, com Ross Brawn a ser o dínamo principal, a auscultar o mercado e encontrar alguém que pudesse materializar a ideia dos donos da Fórmula 1. Potenciais fornecedores foram sendo identificados e foi lançada uma auscultação do mercado, com os britânicos da Ricardo a chegar-se á frente, desenhando uma transmissão “igual para todos” para a Fórmula 1.

Um tiro no escuro

Quando a FIA lançou esta consulta, não impôs nenhuma especificação técnica, apenas algumas linhas de orientação que permitisse aos potenciais candidatos encontrar as especificações que servissem o orçamento.

Dizia a FIA que a nova transmissão igual para todos deveria reter os atuais níveis (na época) de performance da caixa em todos os carros, mas com um custo de desenvolvimento e de produção mais barato para as equipas. E a ideia da FIA e da Liberty era que o projeto fosse multianual eliminando, também, a parcela transmissão do orçamento de pesquisa e desenvolvimento das equipas.

A forma e o volume deveriam ser semelhantes e ficou estipulado que a caixa teria sete velocidades, e não as oito que hoje os Fórmula 1 têm, mas com todas as engrenagens compactadas numa cassete. Isto para que fosse possível usar o ‘miolo’ nos carteres de cada equipa. Ou seja, a FIA e a Liberty queriam uma caixa comum, mas com o exterior a ter desenho livre de acordo com as necessidades aerodinâmicas de cada equipa.

Ou seja, a caixa seria única, mas os custos do desenvolvimento dos cárteres manter-se-ia. Uma forma de dar “uma no cravo outra na ferradura” e tentar contentar as equipas.

A Ricardo Performance Products esbarrou logo num problema: nem todas as equipas usavam caixas desse tipo, antes integravam tudo, incluindo a cascada de engrenagens. E as formas de refrigeração da caixa era, também, muito dispares.

Isso não era problema da FIA e da Liberty que no projeto de regulamento colocaram a alínea “caberá ás equipas e aos fornecedores das unidades de potência fabricar as peças necessárias para acomodar a engrenagem comum a todos e fazê-la funcionar corretamente”.

A Ricardo chegou-se á frente na perspetiva de ficar com um negócio onde já nadava ao fornecer componentes específicos para as transmissões feitas à medida da maioria das equipas. E para que os custos não se atirassem para valores estratosféricos, a Ricardo entendeu por bem condicionar a sua proposta à necessidade de começar com uma base de excelência, ou seja, aquilo que já exista nas diversas equipas. Até porque como alguns responsáveis da Ricardo disseram na época, não eram arrogantes ao ponto de pensar que sabiam fazer tudo.

Portanto, o que a Ricardo fez foi tentar agregar o maior número possível de equipas e os seus contributos para o arranque do processo, para que a proposta final fosse o mais competitiva possível.

Das poucas indicações quantitativas dadas pela FIA estava o peso do miolo da caixa (14 quilos), o que desde logo colocou problemas ao se desconhecer o ambiente em que o produto final iria funcionar. Por exemplo, a caixa deveria durar quantas corridas? Essa diferença influi, muito, no peso final. Quer isto dizer que para se fazer a caixa com este alvo dos 14 quilos e ter uma fiabilidade alargada, seria uma verdadeira dor de cabeça.

O desenvolvimento prosseguiu, mas sobre um enorme desconhecido, pois todos sabem que na Fórmula 1 o trabalho dos engenheiros é procurar aquilo que outros não vêm e os regulamentos nem sempre conseguem controlar isso. E se depois de feita a caixa, um engenheiro com carta branca dentro de uma equipa descobre uma forma de a fazer funcionar melhor que nos outros carros? O regulamento para lidar com isso seria um pesadelo.

Contas feitas, a ideia da transmissão comum não foi em frente, era um passo demasiado radical para a Fórmula 1 e ninguém estava preparado para isso. Eventualmente a ideia caiu e o articulado do regulamento que agora só vai entrar em vigor em 2022, não tem sequer a leve menção a peças comuns na transmissão.

Mas a FIA e a Liberty não ficaram nada convencidas e a federação internacional do automóvel não se coibiu de explicar que a decisão foi tomada tendo em conta a informação, técnica e financeira, disponibilizada pelas equipas e seus fornecedores. Porque em termos técnicos, os dados fornecidos pela Ricardo revelaram que a tecnologia desenvolvida convergia em larga margem com as transmissões da época. Ou seja, havia pouca diferenciação em termos de performance.

Ficou evidente que a FIA não gostou de ser derrotada neste particular e se abdicou de impor uma caixa única, avisou logo que “a complexidade da caixa de velocidade e a sua sensibilidade no que toca á fiabilidade, será algo alvo do escrutínio por parte da FIA” e que nas novas regras haverá forte limitação na introdução de evoluções à transmissão entre 2022 e 2025.

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