E se Portugal tivesse uma equipa de F1?

Por a 25 Maio 2020 16:49

O projeto foi cancelado, mas João Correia (engenheiro) e Rui Pinto (comercial) tentaram por de pé um plano para fazer nascer uma equipa portuguesa de Fórmula 1. A ideia surgiu, desenvolveu-se e concluiu-se que era possível desenvolver um programa nacional, se a totalidade dos apoios fossem encontrados. Mas não foi desta. Aqui fica a história para memória futura.

De repente, só me lembro de duas formas de ter uma equipa de Fórmula 1: Uma delas é cara, a outra é caríssima. Mas o sonho comanda à vida e é assim que ‘ele’ pula e avança. Numa altura em que se fala da possibilidade de Portugal voltar a ter um Grande Prémio de Fórmula 1 em Portugal, vamos revelar que Portugal poderia ter tido uma equipa na F1, num projeto iniciado há três anos e que foi cancelado há pouco mais de um ano.

Quanto à F1 vir a Portugal este ano, poderá não acontecer da forma que desejaríamos e também não pelas melhores razões, mas a verdade é que isso é possível. O Autódromo de Portimão está de reserva, e se as coisas não correrem bem aos países em que estão previstas corridas até ao final de 2020, o AIA pode avançar. Não sabemos se voltaremos a ter novo GP, com público e não por causa dos efeitos de um vírus. Já tivemos muitos, desde 1958 até 1960 e depois desde 1984 até 1996.

Mas o que nunca tivemos foi uma equipa de Fórmula 1 portuguesa. O mais perto que andámos foi no tempo da Ocean Racing Technology de Tiago Monteiro, que andou pela GP2, atual Fórmula 2, alguns anos.

E se isso fosse possível? Acha complicado? É, sem dúvida. E se lhe dissermos que já houve quem tentasse, e não há muito tempo.

A última nova equipa a chegar à Fórmula 1, que não passou pelo processo que é mais habitual – a compra de uma existente como sucedeu recentemente com a Force India, que passou a denominar-se Racing Point e mudou para as mãos de Lawrence Stroll e companhia – foi a Haas F1 Team de Gene Haas. O bilionário norte-americano agarrou numa boa maquia, qualquer coisa à volta de 100 milhões de dólares, só para começar, estabeleceu uma parceria com a Ferrari, depois de ter tentado o mesmo com a Mercedes, fez outra com a Dallara para o chassis, e deu início ao seu sonho que ainda dura.

Até hoje, na história da F1, o único privado que construiu os seus próprios carros, guiou-os e ganhou com eles foi Bruce McLaren.

hoje em dia, nada disso é possível. Mas pode começar-se do zero. Mas como?

A ideia…

João Correia é um Engenheiro aeronáutico com doutoramento em aerodinâmica. Especialista em aerodinâmica aplicada a Fórmula 1 com mais de 10 anos de experiência em competição automóvel, desenvolvimento aerodinâmico e mecânico de carros de Fórmula 1 e gestão de equipas. Tem 37 anos, tirou a licenciatura e mestrado em Engenharia Aeronáutica na Universidade da Beira Interior, fez Doutoramento em Aerodinâmica na Universidade de Cranfield. Enquanto terminava o curso na UBI já trabalhava em competição automóvel em Portugal e no último ano de Universidade recebeu o convite para ir para uma equipa de F1, que viria a fechar as portas antes de começar a trabalhar para a equipa. Com as ligações a equipa que fechou foi para a A1GP, passou pela World Series by Renault, Auto GP, American e European Le Mans, como engenheiro de pista ou performance. Em 2013 recebeu o convite para gerir o arranque da Super Aguri Formula E onde geriu a equipa durante a fase de arranque e depois continuou na equipa como Senior Performance Eng do António Félix da Costa.

Esta equipa foi a terceira na qual esteve envolvido desde o primeiro dia e a segunda que liderou a criação. Com o fim da primeira temporada e com a possibilidade de ir para a Fórmula 1 como aerodinamicista, mudou-se para a Manor onde esteve até ao fecho das portas.

Depois disso, passou pela consultoria de um ex-Director Técnico da Formula 1, como Diretor de Aerodinâmica (Head of Aerodynamics) e gestor de projetos, tendo regressado recentemente ao mundo da Fórmula E.

Em 2017, João Correia teve uma ideia e pensou criar uma equipa portuguesa de Fórmula 1. Fizeram apresentações, planos de recrutamento, projeto, logística, cash-flows e reuniram com potenciais parceiros. Não conseguiram a totalidade da verba necessária, mas asseguraram o retorno e as empresas ofereceram-se para organizar eventos de business-to-business para que os seus parceiros e clientes pudessem apoiar o projeto. Por isso, e para ver até onde conseguiam ir, avançaram para a segunda fase, mas foi aí que tudo terminou e tiveram de cancelar definitivamente o projeto.

Mas a experiência e os passos dados ficaram e são essas que vamos contar: “Tal como a Copersucar foi usada para demonstrar ao mundo que o Brasil tinha capacidade de desenvolver projetos de ponta, queríamos demonstrar que Portugal também tem, e que não somos os pobrezinhos, esquecidos no canto da Europa que muitos portugueses pensam que são. Há capacidade de sonhar e voar mais alto, basta tentar e ser persistente”, começou por nos dizer João Correia, que explicou como surgiu a ideia e como e porquê nasceu: “Em tom de brincadeira o Rui Pinto (Diretor Comercial) perguntou-me quanto seria necessário para criar uma equipa de Fórmula 1. Apresentei-lhe um orçamento. O Rui, com a sua atitude empreendedora e aventureira disse: “Vamos tentar. Se não tentarmos temos o não garantido”. Como eu já andava nas corridas há alguns anos e sei das dificuldades que envolvem a criação de uma equipa disse que sim, mas relutante. Para o conseguirmos realizar, a única forma seria ter um projeto diferente e pioneiro de modo a garantir a atenção dos media e gerar retorno necessário para os nossos parceiros”.

Aqui um parêntesis: Rui Pinto tem 53 anos, é Licenciado em Gestão de Recursos Humanos e Mestrado em Psicologia do Trabalho. Foi durante mais de 20 anos, responsável de vendas e trade marketing na indústria farmacêutica, em Portugal na Pfizer, J&J, etc. Atualmente, é responsável pela Logística de Supply Chain em Oxford, no maior grupo privado de Saúde no Reino Unido, com mais the 30 hospitais e 200 ginásios.

Juntos, decidiram dar os primeiros passos na tentativa ciclópica de colocar de pé uma equipa de Fórmula 1 portuguesa.

Mas afinal, que passos são necessários à criação de uma equipa de F1 em que o orçamento inicial seria de cerca de 80 milhões de euros sendo necessário contratar à volta de 135 funcionários.

Nascer, sim, crescer é difícil

Como se pode perceber pela história, criar do zero uma equipa e levá-la a integrar-se bem no plantel da F1 demora tempo, e os exemplos de equipas que falharam após algum tempo são bem mais das que tiveram sucesso. Nos últimos anos, a mais bem sucedida é sem dúvida a Haas, e neste caso, muitos dos passos que são necessários para criar uma equipa, foram dados “dentro de casa” pois Gene Haas não só tinha os meios, como o suporte financeiro para arrancar. E quatro anos depois os ‘baixos’ são ainda maiores que os ‘altos’.

Não é fácil! No atual plantel da F1, a Haas é mesma a única que nasceu do zero, no século XXI, que se tem vindo a aguentar mais tempo. A Manor nasceu em 2010 como Virgin, passou a Marussia de 2012 a 2015 e ‘morreu’ como Manor após o final de 2016. A Lotus ‘renasceu’ em 2010, deu lugar `à Caterham em 2012, mas só durou até 2014. a HRT nasceu em 2010, durou três anos. Há bem mais exemplos de equipas que ‘nascem’ a partir de outras, e entre altos e baixos se vão solidificando na F1. O exemplo de maior sucesso recente será talvez a Racing Point, que nasceu Jordan em 1991, passou a Midland em 2006, Spyker em 2007, Force India de 2008 a 2018 e finalmente Racing Point o ano passado e este. Para o ano, será Aston Martin.

Avançar por fases

João Correia explica-nos os passos que deu para tentar colocar de pé uma equipa de F1, projeto que acabou por ser cancelado em 2018, mas é todo o trabalho que ficou para trás que lhe vamos dar a conhecer agora: “Há duas coisas essenciais para criar uma equipa, em primeiro lugar financiamento, e em segundo lugar o aval da FIA. Para receber o aval da FIA uma equipa tem de demonstrar, entre outras coisas, que tem um ‘business case’ que permita a criação da equipa, e que garanta de forma sustentável a presença da equipa em competição. Outro dos pontos que a FIA analisa é a capacidade técnica que a equipa tem para projetar e construir um carro, quer seja através de uma parceria com um construtor ou fazendo tudo internamente.

Assim sendo, o primeiro passo foi procurar apoios e investimentos que conseguissem satisfazer os requisitos da FIA. Assim, definimos um conjunto de fases para o processo de angariação de apoios e candidatura da equipa que delimitavam entre outras coisas o intervalo de tempo e a percentagem do orçamento que precisávamos de ter garantido para avançar para a fase seguinte. Ao chegarmos ao fim da fase 3, já teríamos orçamento para avançar com o projeto” começou por explicar João Correia, que depois detalhou as diversas fases do projeto: “Na 1ª fase, temos um Objetivo Orçamental, traçamos objetivos e a duração. Em termos percentuais, nesta fase temos que apalavrar 25-30% do orçamento total com a discussão a limitar-se a um grupo pequeno de potenciais parceiros. Aqui visamos garantir retorno igual ou superior a 40% do orçamento em três meses.

Na segunda fase, tem que se alcançar 60 a 70% do orçamento e aqui alarga-se a discussão a outros potenciais parceiros. Aqui é necessário garantir retorno de 100% do orçamento, a duração desta fase é de nove meses. A terceira fase tem como objetivo encontrar-se 85-90% do orçamento e se for conseguido, pode-se iniciar a discussão com FIA & Liberty Media. Nunca antes.

Se tivessemos chegado aqui, daríamos início a discussões com possíveis fornecedores de unidades motrizes, Mercedes, Ferrari, Renault e Honda. Procuravam-se potenciais parceiros técnicos ou de serviços, iniciava-se a discussão com potenciais fornecedores. Nesta fase teria de se garantir um retorno que valesse mais de 200% do orçamento, isto em nove meses. A quarta fase, já com mais de 90%, já seria possível avançar. Começava-se por concluir o contrato com o fornecedor da unidade motriz”, explicou João Correia.

Nesta altura, era o momento da formalização da candidatura à FIA e como se pode calcular, a federação internacional é muito exigente, pois a Fórmula 1 trata-se do pináculo do desporto motorizado. A FIA vai muito para lá da capacidade financeira de um nova estrutura, e olha também muito para a capacidade técnica de concretizar um projeto e construir um carro. Neste apeto, ter um carro parcialmente desenhado, e já com alguns testes de CFD – Dinâmica de Fluidos Computacional – concluídos têm mais probabilidade de ter a candidatura aceite do que outra sem nada.

“O projeto inicialmente começou sem uma data definida para quando seria o primeiro ano de competição. Nos bastidores já se falava de uma restruturação dos regulamentos e a implementação dos mesmos e isso tornou-se como o nosso objetivo. Assim sendo, 2021 passou a ser o objetivo (neste momento os regulamentos já foram adiados para 2022). Quando nos reunimos com os nossos parceiros acordámos que, talvez 2022 seria uma melhor altura de modo a permitir que as alterações regulamentares fossem implementadas e pudéssemos desenvolver o nosso carro tendo como referência as soluções e performances das outras equipas. A proposta veio da minha parte de modo a minimizar o risco de ter uma situação como a Mastercard Lola. Nós não teríamos dados históricos que pudéssemos utilizar para efetuar a análise e definir aos tempos/performances alvo em cada pista com os novos carros, assim sendo haveria um grande risco de errarmos e ficarmos numa situação complicada, e como se percebe, bastante cara”, disse João Correia.

Como se ‘monta’ uma equipa de F1

Todo o processo de criar do zero uma equipa para correr nos desportos motorizados é complicado, agora imagine-se uma equipa de Fórmula 1. Ainda por cima portuguesa, como foi a ideia inicial. Depois da ideia inicial tudo começa com a fase de preparação de apresentações, planos de recrutamento, planos de projeto, planos de logística, cash-flows, etc: “O primeiro passo que tomamos foi definir o número mínimo de pessoas necessárias para operar uma equipa, tendo em conta que o projeto apenas teria interesse por potenciais parceiros portugueses se o carro fosse desenhado em Portugal. A estrutura da equipa foi definida, assim como o plano de projeto e desenvolvimento do carro, com estes dois documentos ficamos com um calendário de atividade e necessidade de recursos humanos e computacionais. A partir dai começou-se a criar o orçamento e o cash-flow necessário. Tendo sido responsável pela parte de aquisição em vários projetos relacionados com corridas tinha os contactos e o conhecimento do preço dos vários componentes. Os planos de desenvolvimento foram definidos com base no que é comum uma equipa pequena desenvolver aerodinamicamente durante o ano (carro de lançamento, carro para a primeira corrida, carro para a primeira corrida europeia, update a meio da temporada e possivelmente um pacote para Monza). O plano de logística nesta fase inicial foi necessário para colocar a informação no orçamento, assim definiu-se o número de camiões, motorhomes, carrinhas de apoio que se envia para cada corrida, assim como o custo da carga marítima e aérea para algumas corridas”, disse João Correia.

Procurar parceiros para #F1MadeInPortugal

Uma das questões mais complicadas em todo um processo destes passa por quando se te apenas uma ideia, passá-la com sucesso aos potenciais parceiros.

No papel, uma ideia até pode ser acolhida com entusiasmo, mas do outro lado é necessário que haja gente de mente totalmente aberta, pois quando se começa a falar de números, estes assustam muito. Neste processo do contacto com as empresas, algumas, provavelmente, até mostram algum entusiasmo, o pior vem depois. Mas afinal, que tipo de empresas se abordam, qual é a estratégia numa apresentação a um possível parceiro? “Há duas coisas que nós quisemos garantir na primeira fase do projeto. Em primeiro lugar, 20 a 30% do orçamento. Depois encontrar forma de gerar retorno superior a 40% do orçamento. O nosso plano foi sempre garantir um retorno que não incluísse o retorno gerado pelas transmissões oficiais da F1. Queríamos garantir a todos os parceiros que o retorno gerado nas corridas era a cereja no topo do bolo e que mesmo que não aparecêssemos nas transmissões os parceiros obtinham o retorno desejado pelos parceiros.

Assim a seleção das empresas iniciais (um grupo muito restrito) focou-se em empresas que tivessem uma capacidade financeira que permitisse avançar, assim como uma empresa que desse confiança a outros potenciais parceiros para apoiarem (i.e., a “Retrosaria da Esquina” até podia ter o dinheiro, contudo não sendo um nome reconhecido não inspiraria confiança a outros potenciais parceiros). E empresas que tivessem capacidade de nos auxiliar a divulgação do projeto, pois se ninguém souber quem somos ninguém iria querer a apoiar.

Um dos pontos que fizemos sempre questão de frisar aos parceiros foi que nenhum seria visto com um patrocinador, mas sim como parceiros. O objetivo comum era mostrar ao mundo que Portugal tem capacidade para projetos de ponta. A ideia era fazer uma espécie de #F1MadeInPortugal”, uma equipa que seria uma família maioritariamente portuguesa, todos unidos por uma bandeira. Trabalhar como uma família sobe o tal lema “#F1MadeInPortugal”.

Na nossa relação com os parceiros e como numa história por trás de qualquer projeto é muito importante, não apenas dizer “quero o seu dinheiro para ir as corridas”, mas sim ter claramente como objetivo criar ao parceiro benefício de forma a que se sintam parte do projeto.

Os parceiros que conseguimos acreditaram no nosso projeto e propuseram a organização de eventos com os seus clientes e fornecedores de modo a colocar o projeto no meio do mundo empresarial e assim tentar atrair mais apoios.

Este ponto torna-se sempre bastante importante visto que muitos parceiros que entram na Fórmula 1 tem o objetivo de fomentar negócios com outros parceiros, por isso, quando eu e o Rui definimos os parceiros com quem pretendíamos falar nas fases mais avançadas do projeto já tinham em mente o que iríamos propor a cada parceiro.

A título de exemplo imaginemos a empresa A e B, ambas apoiam o projeto com 10 euros, e recebem 10 euros de retorno mediático. Ambas estão satisfeitas! Contudo se a empresa A vender um produto que a empresa B precisa, podemos juntá-las de modo a que a empresa A venda à empresa B o produto por um preço mais favorável do que aquele que a empresa paga ao seu fornecedor habitual. O exemplo que costuma dar é os patrocínios que a DHL e a Ford fizeram à Jordan F1, ou a Castrol à Jaguar nos anos 80 em Le Mans.

Outro conselho para quem quer angariar apoios é ser paciente, pois, as grandes empresas definem os seus orçamentos de marketing no final do ano e consequentemente alinhar a proposta inicial, a negociação, assinar o contrato e receber os primeiros pagamentos, pode levar 18 meses ou mais.

No nosso caso todos os parceiros foram informados que só teriam de avançar com pagamentos quando a FIA confirmasse a entrada no campeonato.

Para além disso, os contactos iniciais passaram por pedir amigos e colegas que nos apresentassem as pessoas com quem precisávamos de falar”, disse João Correia, que explicou ainda o porquê da segunda fase, para a qual ainda decidiram avançar, significando isto que conseguiram ‘apalavrar’ 25% do orçamento.

Contudo, esta segunda fase é a mais difícil: “As maiores dificuldades são obter a credibilidade por parte de um potencial parceiro que é contactado pela primeira vez e em segundo lugar o desconhecimento relativo a relação preço/benefício que a Fórmula 1 e o projeto poderiam oferecer.

Tivemos varias empresas cuja resposta foi: “Não estamos interessados porque a Formula 1 é muito cara”, enquanto outras empresas disseram-nos que “a competição automóvel não se enquadra na nossa estratégia de marketing”….o que nem sempre é verdade (basta ver quem patrocina os pilotos portugueses nas mais variadas categorias) e por fim houve várias empresas que simplesmente não responderam a emails, ou desligavam mesmo o telefone”.

Há mão-de-obra portuguesa para a F1?

A resposta é sim! Mas já lá vamos. Como se sabe, Portugal tem um conjunto de estruturas interessantes nos desportos motorizados, mas tendo em conta que os ralis são hoje em dia mais bem aceites em Portugal do que as pistas, essas estruturas estão mais viradas para as provas de estra. Mas nem sempre foi assim, e apesar da ASM Team hoje em dia trabalhar mais com os Clássicos, a estrutura fundada em 1997 por António Simões, antigo piloto de Formula Ford e Formula 3 Inglesa, tem no seu currículo diversas participações nas 24h de Daytona, 24h de Le Mans, onde participaram seis vezes, e a equipa era quase totalmente portuguesa. Hoje em dia, e partindo do princípio que havia tudo o resto, e mesmo tendo de haver um conjunto de estrangeiros para cargos chave, pois não existem em Portugal, será que há potencial para preencher a maioria dos cargos. É verdade que temos engenheiros no WRC, mecânicos por todo o lado, temos gente na Fórmula 1 em várias equipas, haveria portugueses suficientes em quantidade e qualidade para formar uma equipa de F1? “Em primeiro lugar temos de ter em consideração o potencial do projeto. Olhando para as dificuldades que algumas equipas passam com o staff e experiência que tem, assim como as performances e outcome da HRT, Virgin/Marussia/Manor e Lotus/Caterham. Assim não podemos considerar que iríamos ganhar ou andar na frente, na realidade o mais provável seria estarmos sempre cá para trás.

O plano sempre foi de um projeto a três e continuar mais tempo se chegados a esse momento se sentíssemos que havia capacidade de continuar. Muitas das soluções técnicas são descobertas, não por um crânio, mas sim por um esforço comum por várias pessoas e por vezes por ‘engano’ ou coincidência, visto que o engenheiro fica responsável por uma parte pequena do carro e no caso do aerodinamicista, pode desenhar e testar mais de 200 versões do mesmo componente durante o ciclo de desenvolvimento do carro.

Assim, os chefes de departamento seriam pessoas com experiência na Fórmula 1, mas os restantes não necessitariam de ter experiência numa área particular. Não há muitos aerodinamicistas por aí, especialistas a desenhar sistemas de arrefecimento de travões, mas sim engenheiros com conhecimento em aerodinâmica e transmissao de calor. Quem desenha uma mola ou a geometria de suspensão para um carro de estrada sabe os princípios para fazer o mesmo para um monolugar de F1.

A qualidade do ensino superior em Portugal é muito boa e a maioria dos estudantes de engenharia saem das universidades muito bem preparados para o mercado de trabalho. Embora por vezes digam que não há conteúdos práticos nas aulas, na realidade a componente prática aprende-se na vida profissional e o ensino superior dá-nos as ferramentas para entender o porquê de fazer as coisas de uma maneira ou doutra”, disse João Correia, convencido que Portugal tem, ams precisa de mais, jovens com grande potencial. O mesmo sente Ivan Ismael, Aerodinamicista da Alfa Romeo Racing na Fórmula 1, que em entrevista recente ao AutoSport deixou uma mensagem: “Portugal precisa de mais engenheiros no desporto motorizado em geral e na Fórmula 1 em particular”.

Como se projeta um monolugar de F1?

Desenhar um Fórmula 1 é uma tarefa complicada para as equipas existentes na F1, ainda que estas possam aplicar os conhecimentos existentes relativamente ao que torna um carro de corridas rápido, mas imagine-se numa equipa que tem de começar com um folha branca: “O projeto começa pela análise do regulamento e definição dos limites regulamentares e tolerâncias, assim fica-se com uma caixa onde o carro tem de caber para ser legal.

O primeiro passo consiste na criação de um documento de especificação que define a maioria dos parâmetros do carro e os objetivos de performance, sendo que alguns nem sempre estão finalizados nesta altura relativamente às regras de 2022.

Esta especificação regra geral é obtida através da experiência adquirida pelos diretores de departamento e é compilada pelo diretor técnico, e ao longo do projeto é atualizada com nova informação que poderá ser relevante e leve a alterações no projeto.

Um plano detalhado de datas limites para envio dos componentes para produção, assim como lista provisória das corridas onde se pretende fazer upgrades e quais os upgrades. Na fase inicial o departamento de aerodinâmica avança com o projeto inicial do carro e inicia o processo de desenvolvimento e em paralelo o departamento de ‘vehicle sciences’ inicia simulações para otimizar a geometria de suspensão, ter as primeiras previsões de tempos, etc.

A monocoque, regra geral, será o primeiro componente a ser enviado para produção, mas antes disso passa do departamento de aerodinâmica para o departamento de cálculo estrutural e departamento de compósitos.

Ao mesmo tempo o departamento de design mecânico e sistemas começa a concluir o desenho dos seus respetivos componentes. O processo de desenvolvimento é bastante iterativo e quando se descobre uma vantagem num componente novo, e verifica-se a vantagem, este passa a ser a nova referência, e tenta-se melhorá-lo ainda mais ate que se chegar à data limite para o desenho do componente e este ter de ser enviado para produção”, explicou João Correia.

O que se poderia fazer em Portugal?

Uma das dúvidas de todo o este projeto passa pelo que seria possível construir e desenvolver em Portugal. Como sabemos, sete das 10 equipas de F1 estão sediadas em Inglaterra, as outras, Ferrari e Alpha Tauri estão em Itália e a Alfa Romeo, em Hinwill, na Suíça. Entre compontes estruturais e não-estruturais, o que seria feito em Portugal? “O plano consistia em todos os componentes metálicos seriam feitos em Portugal, pois temos essa capacidade. Penso que as jantes e amortecedores seriam os únicos componentes que teriam de ser encomendados no estrangeiro.

De qualquer forma, o plano passava por, no primeiro ano, fazer outsourcing no estrangeiro dos componentes estruturais feitos em material compósito (monocoque, nariz, estrutura de impacto traseira e fundo plano), e com o passar do tempo à medida que a capacidade em Portugal e know-how existisse traríamos esses componentes para Portugal. No caso dos componentes não estruturais em material compósito (sidepods, capots, endplates, componentes aerodinâmicos que não tivessem sobre carga significativa), poderiam ser feitos em Portugal. As asas dianteira e traseira teríamos que analisar melhor” disse João Correia, que tinha em mente várias possível localizações para a fábrica em Portugal: “A seleção da localização da fábrica da equipa apenas seria analisada numa fase mais avançada quando já tivéssemos uma certa percentagem do orçamento garantida, e um grau de certeza que o projeto avançaria. A seleção da localização tinha em conta o seguinte: Acesso a um aeroporto, local apelativo para cativar pessoal estrangeiro para vir morar para Portugal, acesso a infraestruturas para questões de marketing (por exemplo o Autódromo Internacional do Algarve), proximidade da fronteira, e embora esta fosse uma questão em aberto, talvez a ordem de preferência fosse, Algarve, Lisboa e Porto. Outras localidades foram consideradas, contudo haveria compromissos a nível do acesso ao aeroporto e ser um local apelativo.

A ideia passava também ter um escritório de apoio em Inglaterra, junto ao túnel de vento, para que os aerodinamicistas, equipa de apoio e pessoal que tivesse de ir a Inglaterra para reuniões tivesse um sítio para trabalhar quando necessário.

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