Ayrton Senna, 30 anos: Seis conselhos para ser campeão, que escreveu no AutoSport

Por a 1 Maio 2024 10:14

Entre as muitas coisas que fez Ayrton Senna na sua carreira, uma delas foi escrever uma crónica no AutoSport, denominada ‘Seis conselhos para ser campeão’, que aqui reproduzimos, 30 anos depois.

Por Ayrton Senna

“Ver um Grande Prémio defronte de uma televisão, é, sem dúvida, mais divertido do que correr dentro do habitáculo de um fórmula 1. Apesar disto, são muitos os jovens que aspiram a tornarem-se pilotos. Compreendo-os perfeitamente: Também eu pensava como eles em tempos… Quem pretenda praticar desporto a nível profissional deve considerar também outras modalidades – por exemplo o ténis – que são mais pessoais, menos perigosas e igualmente gratificantes. Quem joga ténis, pode contar apenas consigo próprio. Quem corre em Fórmula 1, vê-se a braços com muitos fatores externos, sobretudo, com o carro.

De qualquer maneira, correr em automóveis pode dar uma grande satisfação se tem a paixão da velocidade, muito embora correr por hobby seja sempre mais divertido do que fazê-lo por profissão.

Eu comecei a minha carreira de piloto profissional em 1981, o meu primeiro ano de Fórmula Ford em Inglaterra. Até aí corria em karts e fazia-o por hobby, ainda que o empenho que lhes dedicava quase parecesse profissional. Não é fácil dar conselhos a quem procura seguir esta profissão. É preciso examinar-se caso a caso. Todavia, passo a fazer algumas sugestões que, do meu ponto de vista, podem ser válidas para todos.

Primeiro: Começar com o karting.

Este é o melhor modo de se fazer uma primeira abordagem às corridas, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista económico. Não creio que seja de sublinhar todas as potencialidades do karting, pois elas já foram ditas e repisadas centenas de vezes. Quem ande depressa num kart tem as qualidades necessárias para andar depressa num monolugar. Isto é mais do que certo, mas não significa que tenha as qualidades necessárias para se tornar piloto profissional; não basta, de facto, andar depressa para se chegar a piloto profissional, é também necessária estabilidade emotiva, saber escolher a equipa certa e saber mesmo tratar das suas próprias relações públicas.

Segundo: Compreender se se tem ou não vocação para esta actividade.

Nos primeiros tempos pode ser fácil e até divertido correr em automóveis. Mas depois, chega-se à conclusão que para se progredir é preciso um empenhamento a cem por cento. Nem todos estão dispostos a dedicar dias e dias, noites e noites às corridas, renunciando à companhia dos amigos e ás noites passadas em bares e discotecas. É preciso sentir-se com naturalidade o que se está a fazer, achar tudo isto divertido e, sobretudo, fácil, não só no que respeita à condução. Caso contrário, talvez seja preferível parar por aí – ou continuar a correr por hobby – porque quanto mais se progride, maiores são as dificuldades.

Terceiro: Ir correr para o local certo.

Em 1981, transferi-me para Inglaterra para correr na Fórmula Ford. Para mim era quase uma obrigatoriedade, mas para quem vive em Itália ou França, por exemplo, pode contar com campeonatos de promoção igualmente válidos nos seus próprios países. De qualquer modo, quem aspira a correr na Fórmula 1, é quase obrigado a ir correr para Inglaterra. É lá que se encontra a quase totalidade das escuderias de Fórmula 1 e logo nos campeonatos de promoção se deve procurar compreender a mentalidade do meio.

Não me refiro tanto à validade técnica do campeonato, que até é uma realidade. Refiro-me, sobretudo, à necessidade de se aprender a língua inglesa e de se saber viver com os ingleses. Uma pessoa deve habituar-se a ser um estrangeiro que corre perante um público que só tem olhos para os pilotos locais. E deve também ser capaz de suportar o choque psicológico que representa o abandono de amigos e dos anteriores hábitos, para se concentrar unicamente nas corridas. Isto é fundamental. É por isso que vos aconselho a fazerem as malas e a partirem para Inglaterra.

Quarto: Não dar passos em falso

Quando se pretende chegar à Fórmula 1, existe uma estrada a percorrer, rápida e bem definida: Fórmula Ford 1600, Fórmula Ford 2000 e Fórmula 3. O piloto que percorra bem este caminho de três anos – isto é, vencendo – tem óptimas possibilidades de ingressar na Fórmula 1 no quarto ano. Se no decorrer desta caminhada se dá um passo em falso, se tem uma época menos feliz, então, está tudo acabado. Fazer uma época boa, assim-assim, depois outra boa, é algo de bastante normal. Mas para alguém se fazer notado não se pode desperdiçar qualquer oportunidade e deve fazer uma progressão contínua.

Caso contrário, a estrada a percorrer tornar-se-á muito mais dura. Uma pessoa nunca se deve esquecer quanto cansaço é preciso para se ganhar fama e basta um minuto para se lançar tudo às urtigas. De início, portanto, nunca cometer erros: uma vez na Fórmula 1, a menos que se tenha uma época menos feliz, arrisca-se menos de que quando se corre numa fórmula de promoção. Em três anos em Inglaterra disputei cinco campeonatos. Venci-os todos e quando cheguei à Fórmula 3, ganhei as primeiras dez corridas de enfiada. Com estes resultados, as equipas de Fórmula 1 acabaram por se interessar por mim. Mas se eu tivesse falhado na última época, a da Fórmula 3, tudo quanto tinha feito antes de nada serviria e ninguém se lembraria de mim.

Quinto: Ter os meios para correr

Por “meios” entendo também e, sobretudo, o dinheiro. Quando se está no início e não se é ninguém, é quase impossível encontrar um sponsor. A única possibilidade que um jovem pode ter é o recurso à ajuda da família ou de amigos que estejam dispostos a apoiá-lo. Pode contar-se com alguma ajuda exterior – mas não é fácil consegui-la – apenas quando se tem um “palmarés” para se mostrar. Não existe nenhuma solução mágica para quem não tenha um centavo para gastar. É triste, mas é mesmo assim: um jovem pode conseguir entrar neste meio desportivo, mas se não arranja um suporte financeiro inicial, então cai num círculo vicioso. Correr com pouco dinheiro não lhe permitirá ter meios competitivos para emergir. É também por esta razão que é bom começar pelo karting, onde se pode ganhar alguma experiência sem se arriscar a reputação, para depois se apresentar às portas da Fórmula Ford 1600 com uma bagagem técnica suficiente e, tanto melhor, com um currículo que convença alguém a conceder uma ajuda. Mas é sempre bom uma pessoa não se iludir muito, porque os casos de pilotos que chegaram à Fórmula 1 sem disporem inicialmente de um importante suporte financeiro são por certo muito poucos. Tabém há quem tenha conseguido arranjar este “suporte” vendendo a casa, mas honestamente não aconselho esta solução a ninguém…

Sexto: Tirar proveito dos próprios resultados.

Desde os tempos da fórmula Ford 2000 que tenho uma pessoa que se ocupa da “utilização” dos meus resultados, para proporcionar uma certa imagem e para “a vender” bem. Este é um ponto importantíssimo, porque quando se obtêm bons resultados, mas nada se faz para os utilizar com vista ao saldo seguinte, tudo quanto antes se fez não serve para nada. Quantos pilotos não vimos já, vencerem campeonatos de promoção e ficarem por ali?

Pois o seu erro talvez tenha sido não terem sabido “vender” os seus próprios resultados.

Se depois de tudo quanto escrevi ainda está convicto que quer ser piloto profissional, acho que deve experimentar. Mas não se esqueça também do que eu escrevi no início: defronte de uma televisão uma pessoa diverte-se mais.

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