A história da March

Por a 6 Abril 2024 14:34

No final de 1969, quatro pessoas decidiram construir chassis a preços acessíveis, sediando-se em Bicester. A aventura durou menos de 25 anos, mas durante esse tempo revolucionaram o automobilismo, quer na categoria principal, a F1, quer nas categorias de acesso, fazendo chassis para a Formula 3, Formula 2 e mais tarde para a IndyCar, acolhendo nomes como Adrian Newey. A March revolucionou no seu tempo, mas essa aventura andou sempre na corda bamba, com alguns salvadores inesperados pelo meio…

March são as iniciais de quatro homens: Max Mosley, Robin Herd, Alan Rees e Graham Coaker, e todos tinham origens bem interessantes. Mosley, nascido em 1940, era filho de Oswald Mosley, o fundador do Partido Fascista Britânico, no início dos anos 30, e tinha tido uma curta carreira automobilística, pouco depois de se ter licenciado em Direito. Robin Herd era um projetista que no inicio da década tinha estado na aviação, a projetar o Concorde, para em 1965, aos 26 anos, se ter mudado para a McLaren, onde desenhou o seu primeiro chassis de Formula 1, o M2A, feito em maalite, um compósito de madeira, leve e muito resistente, usado em barcos de competição. Herd tinha estado na McLaren até 1968, passando para a Cosworth para construir o chassis de quatro rodas motrizes, para um eventual projeto de F1.

Um dos grandes amigos de Herd era Alan Rees, também projetista e com uma carreira como piloto de Formula 2, o qual se cruzou com Mosley em algumas corridas em 1968 – estavam juntos a 7 de abril desse ano em Hockenheim, na prova onde Jim Clark encontrou a morte – e se juntou ao projeto. Por fim, Graham Coaker, o mais velho dos quatro, também piloto amador, engenheiro e gestor, que tinha uma garagem na zona, onde poderiam construir os seus chassis com calma, até encontrarem um lugar melhor.

A decisão de avançar com a March aconteceu depois de Mosley ter combinado as coisas com Herd. Dividiram tarefas: Mosley seria o angariador, Herd arranjava o local, recrutava os mecânicos e projetava os chassis, auxiliado por Rees, que era o gestor, auxiliados por Coaker. Decidiram-se por Bicester, na “motorsport valley”, num lugar com três mil metros quadrados, e avançaram a fundo com a construção do 701, o primeiro chassis de Formula 1. A ideia era apresentá-lo em fevereiro de 1970, 12 semanas depois de começarem a trabalhar.

Um prazo que Herd achou muito apertado. Numa entrevista ao Motorsport em 2010, contou a reação ao anúncio do seu sócio: “O Max disse-me que teríamos um lançamento para a imprensa em Silverstone a 6 de fevereiro, com os carros de Formula 1. Na altura isso estava a 12 semanas de distância, com a primeira corrida em Kyalami a acontecer quatro semanas depois disso. Eu pensei, ‘oh f***’. Nós limitámo-nos a ter de continuar com tudo, trabalhando noite e dia, madrugada dentro. Eu perdi nove quilos no processo.”

Entretanto, Mosley recrutava o seu primeiro piloto, para o chassis de Formula 3 que tinha sido construído. O escolhido tinha sido o sueco Ronnie Peterson, que tinha talento na categoria, na equipa oficial da Tecno. O chassis, que tinha sido construído na garagem de Coaker, estava pronto para a primeira corrida, no circuito de Mothlery, nos arredores de Paris, e acabou virado de cabeça para o ar e em chamas. Peterson foi salvo “in extremis” por um dos mecânicos da marca.

ENTRADA DE LEÃO

Em fevereiro de 1970, em Silverstone, a equipa estava pronta para a primeira corrida do ano, no circuito de Kyalami, na África do Sul. Mosley tinha conseguido bons clientes: a Tyrrell, que que tinha largado os Matra por não quererem abdicar dos motores Cosworth, e com o campeão do mundo, Jackie Stewart, ao volante; a aventura europeia de Mário Andretti, inscrito pela Andy Granatelli Racing, e que era patrocinada pelos lubrificantes STP, e que também tinham virado o patrocinador pessoal da marca, e uma equipa oficial, constituida pelo neozelandês Chris Amon e pelo suíço Jo Siffert. Este último era pago pela Porsche para que não corresse pela Ferrari, sua rival na Endurance. Mais dois chassis 701 foram fabricados, um para Ronnie Peterson, que faria a sua estreia na Formula 1, e outro para a Ford Alemanha, que era para ser usado por Rolf Stommelen, mas acabou nas mãos de Hubert Hahne, sem resultados.

Cada chassis custava três mil libras para produzir e Mosley queria vendê-los a seis mil libras. Mas Walter Hayes, o presidente da Ford Europa, e financiador da Tyrrell, queria pagar nove mil libras pelos chassis que tinha encomendado para Stewart e para o francês Johnny Servoz-Gavin, porque, dizia ele: “Se venderes por esse preço, vais à falência”. E tinha alguma razão: o patrocínio da STP, de dez mil libras, não era o suficiente para manter a equipa à superfície e cedo começaram a ter problemas de tesouraria. A meio de 1970, uma injeção de 17 mil e quinhentas libras, do meio-irmão de Mosley, salvou a equipa de uma falência inevitável.

Mas entretanto, na pista, a March tinha uma entrada de leão: em Kyalami, cinco carros tinham sido inscritos, e na qualificação arrasaram: Stewart fez a pole, com Amon a seu lado, enquanto Siffert foi nono, Andretti 11º e Servoz-Gavin o 17º. Apenas o escocês chegou ao fim, no terceiro posto, conquistando o seu primeiro pódio. Depois, vitórias na Race of Champions e no GP de Espanha, com Stewart ao volante – e Andretti no terceiro posto, dando novo pódio à marca -, o que indiciava que se avizinhavam tempos prósperos para a marca. Mas não foi assim. As vitórias cedo acabaram, a Lotus apresentou o 72, que arrasou a concorrência, e a Tyrrell decidiu investir no seu próprio projeto, que apresentaria no final desse ano.

E tudo isso causava atritos nos fundadores: Coaker saía da marca em agosto desse ano, e acabaria por morrer no ano seguinte, vítima de um acidente numa prova de Formula Libre em Silverstone.

UM SALVADOR INESPERADO

Apesar das dificuldades de tesouraria, a March acabava a temporada de 1970 no terceiro lugar no campeonato de Construtores, atrás de Lotus e Ferrari, com 48 pontos, uma vitória, três pole positions e sete pódios.

Em 1971, Herd projeta o 711, um chassis invulgar pela sua colocação da asa dianteira, e emagrece a sua equipa, contratando Peterson e abrindo o segundo lugar a um piloto pagante, no caso, o espanhol Alex Soler-Roig. Outro chassis é comprado por Andrea de Adamich, onde é colocado um motor Alfa Romeo, mas não tem resultados. Apenas Peterson pontua, com cinco pódios e o vice-campeonato. No final do ano, andavam a contar os tostões. Para piorar as coisas, mais um fundador sai de cena: Alan Rees, que vai para a América ajudar no projeto da Shadow.

Em 1972, Peterson mantém o lugar, mas a segunda vaga é para um piloto pagante. O salvador é inesperado: um jovem austríaco, então com 23 anos, injeta 35 mil libras para poder correr no lugar, e dá mais oito mil libras extra para poder ter um chassis de Formula 2. O mais espantoso é que o dinheiro desse piloto pagante veio de um… empréstimo bancário. O nome desse rapaz era Niki Lauda.

Apesar do dinheiro os permitir respirar um pouco melhor, e Peterson ter conseguido quinze pontos, o 721 é um fracasso total. “O primeiro carro de 1972, o 721X, foi terrível. Este carro tinha a caixa de velocidades adiante do eixo traseiro, para obter um momento de inércia mais baixo. Mas a primeira coisa que temos que fazer com um carro de corridas é manter os pneus em bom estado, e o 721X não permitia isso. Nas curvas, subvirava loucamente, e nós os dois (ndr.: Peterson e Herd) queríamos que ele funcionasse, o Ronnie tentou bastante, e então o Niki envolveu-se no seu desenvolvimento. Disse imediatamente: ‘Isto é uma m****’. E estava absolutamente certo. Nós substituímos o carro pelo baseado no F2, a que chamámos de 721G. G para Guinness, porque em desespero produzimo-lo em nove dias, o que achamos que era bom o suficiente para o Livro dos Recordes”, conta Herd, na entrevista de 2010.

No final do ano, o sueco vai para a Lotus e o austríaco para a BRM. Reduzem as vagas, de duas para uma, que é paga por Jean-Pierre Jarier, que corre enquanto os seus compromissos na Formula 2 o permitem. Quando não acontece, pilotos como Henri Pescarolo e o britânico Roger Williamson preenchem o lugar. Vendem também chassis para outros, como a Hesketh Racing, que alberga um jovem britânico chamado James Hunt, que lhes dá dois pódios e duas voltas mais rápidas, num chassis que começa a ser transformado por Harvey Postlethwaithe, que tinha trabalhado na March antes de ter uma carreira por sua conta.

Em 1974, o alemão Hans-Joachim Stuck e o italiano Vittorio Brambilla são pilotos oficiais, e no ano seguinte junta-se uma mulher, Lella Lombardi, que consegue a sua única presença nos pontos, um sexto lugar no infame GP de Espanha, em Montjuich. Mas em agosto, no chuvoso GP da Áustria, em Zeltweg, Brambilla consegue uma grande demonstração à chuva e vence o Grande Prémio, que comemora… com um pião! Contudo, essa foi a corrida onde outro piloto que tinha chassis March, o americano Mark Donohue, sofreu um despiste mortal.

No ano seguinte, a equipa vê Ronnie Peterson de regresso, depois de uma saída em litígio com Colin Chapman, da Lotus. Apesar da velocidade que ele traz e uma vitória inesperada no GP de Itália, em Monza, aquele resultado torna-se na última vitória da marca na sua história.

HERD, O SOBREVIVENTE

Por esta altura, Mosley estava cada vez mais envolvido nas atividades da Formula 1, graças à sua amizade com Bernie Ecclestone, e pensava em vender a sua parte na marca. Tal acabou por acontecer em 1977, mas não sem antes terem feito um projeto ousado, o 2-4-0, com duas rodas traseiras. Espantados pelo sucesso no Project 34, o Tyrrell de duas rodas dianteiras, Mosley e Herd decidiram construir um carro com duas rodas traseiras, que acharam ter uma melhor tração.

Na realidade, não era mais que um golpe de marketing de Mosley para atrair mais dinheiro para a empresa, pois o carro não era viável. As transmissões e as caixas de velocidades então existentes eram demasiado complexas e frágeis para aguentarem o elevado torque que aquele conjunto produzia. No início de 1978, Herd era o único resistente dos fundadores iniciais, e decidiu retirar-se da Formula 1, vendendo os bens da equipa para a ATS, de Gunther Schmidt, e concentrando-se na Formula 2 e Formula 3, onde dominavam, para além de se aventurar com projetos na Endurance e na América, com a CART. Só voltariam em 1981, com um projeto encomendado por John McDonald, da RAM, e dinheiro da tabaqueira Rothmans, mas sem sucesso.

Contudo, o chassis da RAM foi para a América, com algumas modificações. E se num lado foi um fracasso, no outro lado do Atlântico foi um grande sucesso. Rebatizado de 81C, com contribuições de Georges Bignotti e com motores Cosworth, venceu por quatro vezes seguidas as 500 Milhas de Indianápolis. E ainda construiu chassis para a IMSA, sendo bem-sucedidos na categoria.

Em 1983, Herd conhece um jovem projetista que constrói carros para a CART, transformando-os em vencedores. O seu nome era Adrian Newey, e foram projetos como o 85C que o elevam à categoria de génio. Herd estava feliz na América, mas sempre aberto a qualquer projeto vindo da Europa. E isso acontece um dia em 1985, em Miami, quando aparece um italiano, Cesare Garibaldi, que pretende construir um chassis para a nova Formula 3000, tendo patrocinador, a firma imobiliária japonesa Leyton House, e piloto, o seu compatriota Ivan Capelli. O projeto deu frutos, e dois anos depois estavam todos na Formula 1, tendo consigo Newey.

Por esta altura, a March entra na Bolsa de Valores de Londres, um projeto sobre o qual Herd tinha inicialmente dúvidas a respeito da viabilidade do negócio. Mas em pouco mais de ano e meio o valor da empresa aumentou dos 14,5 milhões de libras para os 35 milhões. E o regresso da March à Formula 1 até se torna num sucesso moderado em 1988, quando, com o modelo 881, desenhado por Newey, Capelli consegue dois pódios e a liderança no GP do Japão, amealhando 22 pontos no Mundial de Construtores.

Este foi a melhor altura para Herd sair de cena, ao vender a equipa a Akira Akagi, o patrão da Leyton House. A marca sobrevive na Formula 1 por mais três anos, já que depois de rebentar a bolha imobiliária no Japão e se descobrir as falcatruas de Akagi, a March teve de sair de cena e fechar portas no início de 1993, depois de 23 anos de bons serviços no automobilismo. Por esta altura, Mosley já era o presidente da FIA e Herd tinha uma segunda vida como presidente do clube de futebol Oxford United, cargo que ocuparia até 1997. Ele acabaria por morrer a 5 de junho de 2019, aos 80 anos de idade.

B.I

Fundadores: Max Mosley – Alan Rees – Graham Coaker – Robin Herd

País: Reino Unido

Primeiro Grande Prémio: África do Sul 1970

Último Grande Prémio: Austrália 1992

Melhor classificação: 1º

Melhor qualificação: 1º

Melhor classificação no Mundial de Construtores: 3º em 1970

Melhor classificação no Mundial de Pilotos: 2º em 1971 (Ronnie Peterson)

197 Grandes Prémios

Palmarés por Grande Prémio

16 temporadas

59 pilotos

20 modelos

3 vitórias

5 pole positions

7 melhores voltas

21 pódios

173.50 pontos

4 Construtores de Motores/GP/Vit./Pole

Ford Cosworth/149/3/5

Judd/32

Ilmor/16

Alfa Romeo/9

Por Paulo Alexandre Teixeira

Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
últimas AutoSport Histórico
últimas Autosport
autosport-historico
últimas Automais
autosport-historico
Ativar notificações? Sim Não, obrigado