A crise prolongada da Ferrari: porque continua sem ganhar na F1

Por a 14 Dezembro 2025 11:12

A Ferrari enfrenta a maior seca de títulos da sua história moderna. Desde a vitória de Kimi Räikkönen em 2007 e do título de construtores em 2008, a Scuderia acumula 17 anos sem um campeonato mundial de pilotos e 17 anos sem um título de construtores. Durante este período passaram pela equipa pilotos de primeira linha como Fernando Alonso, Sebastian Vettel, Charles Leclerc e, a partir de 2025, Lewis Hamilton. A questão é inevitável: será o problema dos pilotos ou existe um padrão sistémico mais profundo?

A resposta é clara: o problema não são os pilotos, mas sim a estrutura, gestão e decisões técnicas da equipa. A análise dos últimos 17 anos revela múltiplas falhas crónicas que impedem a Ferrari de conquistar títulos, apesar dos recursos e talento disponíveis.

A perda de velocidade na era híbrida (2014-2020)

O ponto de viragem decisivo foi 2014, ano de introdução dos motores turbo-híbridos V6. Enquanto a Mercedes, liderada por Andy Cowell, começou a investir maciçamente na nova regulamentação desde 2011 — criando protótipos de motor e dedicando recursos extraordinários à preparação — a Ferrari só finalizou o seu conceito de motor já em 2014.​

Este atraso traduziu-se numa vantagem sustentada da Mercedes. Não foi uma questão de velocidade de pista momentânea, mas de um ecossistema completo: recuperação de energia, gestão de potência e aerodinâmica construída em torno do motor. A Ferrari levou oito anos (2014-2022) a recuperar este défice, perdendo três títulos mundiais de pilotos (Hamilton 2014-2017 com Mercedes) nesse hiato.​

Vettel, o campeão da era V8, não conseguiu vencer campeonatos com Ferrari entre 2015-2020, não por falta de talento, obviamente, mas porque a velocidade da equipa nunca foi suficientemente consistente ao longo da época.​

Os problemas de fiabilidade: falha estrutural

Entre 2015 e 2023, a Ferrari sofreu episódios cíclicos de problemas de confiabilidade graves:

Vettel (2017-2018): Em 2017, Vettel liderou o campeonato no intervalo de verão, mas problemas mecânicos na Malásia (qualificação) e Japão (elétrica) foram “fatais”. Vettel ainda cometeu erros, especialmente em Singapura e Singapura, mas as avarias foram decisivas.​

Em 2018, Vettel sofreu uma lista de acidentes — em casa (Hockenheim), Monza, no Japão — mas a Ferrari também teve problemas de desenvolvimento de carro que resultaram em o carro ficar mais lento nos últimos meses.​

Leclerc (2022-2023)

Em 2022, Ferrari começou forte mas sofreu dois abandonos para cada piloto na primeira metade da época devido aos motores, falhas de potência. A equipa foi forçada a reduzir a potência do motor no segundo semestre, perdendo, logicamente, competitividade.​

Em 2023, no primeiro Grande Prémio no Bahrein, Leclerc sofreu uma avaria da unidade de controlo eletrónico, levando a uma penalização de grelha de 10 posições apenas na segunda corrida do ano.​

Em São Paulo 2023, um problema hidráulico eliminou Leclerc da corrida.​

2025 (Hamilton/Leclerc)

O ano começou com expectativas enormes devido à formação da “super equipa” com a chegada de Lewis Hamilton ao lado de Charles Leclerc. No entanto, a temporada revelou-se dececionante, com a Ferrari a ocupar um modesto 4º lugar no Mundial de Construtores, atrás da McLaren, Mercedes e Red Bull.

O SF-25 mostrou-se inconsistente e difícil de pilotar, sofrendo com problemas crónicos (como sobreaquecimento dos travões e dificuldades de handling). Embora Leclerc tenha conseguido alguns pódios e desempenhos de destaque (superando frequentemente o carro que tem), Hamilton tem lutado para se adaptar, descrevendo a temporada como um “pesadelo”.

O ponto mais baixo ocorreu após o GP de São Paulo (onde ambos desistiram). O presidente John Elkann criticou publicamente a organização e os pilotos, dizendo que apenas os mecânicos estavam à altura e mandando os pilotos “falarem menos e conduzirem mais”. Como se percebe, o ano encerra-se num clima de tensão e desunião. Em vez de uma frente unida para resolver os problemas técnicos, a cultura histórica da Ferrari de “culpar e punir” ressurgiu, com os pilotos defensivos e a liderança a atacar publicamente a própria equipa, repetindo ciclos de crises passadas.

Erros de estratégia crónicos

Abu Dhabi 2010: o padrão começa

Alonso liderava o campeonato mas perdeu-o para Vettel. A análise pormenorizada mostra que Ferrari cometeu um erro estratégico fundamental: cobriram a paragem de Mark Webber sem considerar que Alonso ficaria preso atrás de Vitaly Petrov e não conseguiria ultrapassá-lo.​

O problema não foi uma única decisão, mas a falta de análise do que os dados mostravam: dois carros Ferrari (Alonso e Massa) já tinham demonstrado que ultrapassar era praticamente impossível. E a Ferrari não tirou conclusões dos seus próprios dados de corrida.​

Padrão repetido em 2017, 2018, 2022, 2024

Em Singapura 2017, Ferrari não deu ordens claras e Vettel/Räikkönen colidiram, entregando a vitória a Hamilton. Em 2022, erros de estratégia no Mónaco custaram posições cruciais a Leclerc. Em 2024, apesar de cinco vitórias, a McLaren foi mais consistente estrategicamente.​

O padrão: Ferrari reage em vez de antecipar. Toma decisões baseadas em suposições em vez de dados.

Gestão de liderança: instabilidade crónica

Desde 2008, a Ferrari teve múltiplas mudanças de liderança técnica e administrativa:​

Stefano Domenicali (saiu em 2014)

Marco Mattiacci (2014-2015, breve)

Maurizio Arrivabene (2015-2018)

Mattia Binotto (2019-2021)

Frédéric Vasseur (2023 até à data)

Cada mudança de principal implica uma alteração de filosofia, um começar tudo de novo. Em 2025, a saída de Enrico Cardile (diretor técnico) em julho de 2024 deixou o SF-25 sem o seu arquiteto na fase crucial de desenvolvimento.​

Olhando por exemplo, para a Mercedes: Toto Wolff lidera a Mercedes desde 2013, com continuidade de estratégia. Red Bull teve Christian Horner desde 2005 (até à demissão recente em 2025). Nem sempre fizeram tudo bem (há que contar sempre com o que fazem os adversários) mas a consistência é diferente quando se acredita no processo e nas pessoas.

Filosofia de desenvolvimento incoerente

O erro de 2025! A Ferrari decidiu dar prioridade ao trabalho de dinâmica de suspensão (3 meses) em detrimento de atualizações aerodinâmicas. O objetivo era tornar o carro menos sensível às variações de altura em corrida, mas o resultado foi um carro muito pouco responsivo a mudanças de setup.​

Se o setup do simulador corresponde às condições da pista, o carro funciona. Se não corresponde, o carro não se adapta, mesmo com mudanças.​..

O SF-25 foi concebido como “uma evolução radical” do antecessor, com foco no desempenho máximo (pull-rod frontal). Mas 2025 requeria um carro mais flexível, adaptável a múltiplos circuitos. Ferrari fez o oposto do necessário.​

Portanto, a Ferrari não ganha títulos desde 2007/2008 porque perdeu o ritmo de inovação tecnológica (motor híbrido em 2014), nunca resolveu a fiabilidade de forma permanente, toma muito mais vezes decisões por reação, não por antecipação, a liderança técnica muda vezes demais sem permitir continuidade de projeto. Quando se muda constantemente de ‘treinador’ e os resultados são os mesmos ou piores, tem que se olhar muito para lá disso e a Ferrari teima em não fazê-lo. O design de carros oscila entre filosofias, em vez de evoluir de forma consistente, Alonso, Vettel, Leclerc e agora Hamilton não falharam individualmente.

Falharam porque entraram numa máquina sistemicamente disfuncional. Alonso teria ganho em 2010 com melhor estratégia. Vettel teria ganho em 2017-2018 com fiabilidade. Leclerc teria ganho em 2024 com mais consistência.

A ironia final: a Ferrari tem os recursos e o talento que precisa para ganhar. O que lhe falta é coerência, estabilidade e uma visão técnica coerente, e estas não se compram no mercado.

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