Recordar Carlos Rodrigues

Por a 17 Dezembro 2022 12:38

Foi um dos mais destacados pilotos portugueses nas pistas, nos anos 80 e 90, morreu há quatro anos vítima de acidente de viação perto da Guarda. Irmão de António Rodrigues, um dos pilotos mais vitoriosos de sempre no desporto automóvel português, Carlos Rodrigues é mais recordado pelos tempos áureos da Gianfranco Motorsport.

Foi Campeão de Velocidade, Grupo Turismo, em 1991, com o Ford Sierra Cosworth, e entre 1999 e 2001, Campeão Absoluto nos Clássicos.

Carlos Rodrigues tinha uma personalidade única, era tão duro dentro de pista como fora dela, não se escondia das polémicas, mas de todos com quem falámos, há algo que é um denominador comum, o seu forte carisma.

Na sua despedida em 2018, pedimos a dois colegas jornalistas que com ele privaram na altura, Luís Caramelo e Adalberto Ramos, que o recordassem.

Recordamos esses textos agora, pois exemplificam bem quem foi Carlos Rodrigues.

CARLOS RODRIGUES

Um “até sempre” com amizade e muito respeito

  • “Olá Carlos, estás bom?”
  • “Desculpa lá, mas eu não falo com jornalistas do AutoSport”.
  • “Ah então dá cá um abraço que eu já não estou no AutoSport há muito tempo…”
  • Não? Então quem é que escreveu todas aquelas coisas a meu respeito??

    Carlos Rodrigues. Grande piloto, controverso, irreverente, por vezes conflituoso, quase doente na sua vontade de vencer, um leão em pista, mas afinal, um ser humano fantástico, que nunca negou uma ajuda e sempre esteve no meio dos melhores. Alcunha? O Perigoso!

    De que me lembre – e desculpem aqueles que acham que isto é uma espécie de biografia, que não é – o Carlos começou timidamente aos comandos de um Ford EscortRS 2000 – daqueles de frente alemã – , num circuito de Vila do Conde em 1980. Presença discreta mas que lhe deu muita vontade de continuar.

    Apanho-o mais à frente, ainda antes do AutoSport, com um dos fantásticos BMW 635 CSI, com os quais lutou de igual para igual , com pilotos grandes, como Manuel Fernandes, Sidónio Cabanelas, ou mesmo o seu irmão e grande rival António, no Volvo.

    Era difícil nessa altura vingar no CNV. Havia um verdadeiro Campeonato, com pilotos e máquinas a sério, que disputavam metro a metro as vitórias, em circuitos emblemáticos como Vila do Conde ou Vila Real e mesmo nas rampas que o integravam… Santa Luzia, Pena, Arrábida e claro, a Falperra.

    Subindo sempre de categoria e equipando-se com grandes máquinas, cedo apostou nos Porsche – preparados pelo mago nortenho Eduardo Aurora – com os quais viria a terminar a sua carreira, já bastante mais tarde, garantindo os títulos de campeão nacional absoluto de velocidade clássicos, entre 1999 e 2002, fazendo igualmente algumas corridas com um Chevron.

    Fundador da Gianfranco Motorsport, Carlos Rodrigues foi assim um dos atores principais das corridas de carros de Turismo nas décadas de 1980 e 1990, escrevendo um pouco de história do automobilismo nacional aos comandos dos seus Ford Sierra Cosworth, com o qual garantiu o título nacional absoluto de velocidade em 1991.

    Na altura em que os “paddock” de Vila Real e Vila do Conde, eram povoados por verdadeiras ilhas para os convidados de várias equipas – na altura ainda dos velhos autocarros MAC de dois andares – a Gianfranco era ponto de paragem e admiração de todos, assim como o eram a rigorosa preparação dos carros que conduzia, com especial destaque para o Sierra RS 500, um dos melhores que nesses anos disputavam a velocidade por essa europa fora.

    Fora de portas, Carlos Rodrigues fez incursões no Campeonato de Espanha de GT e participou na Corrida da Guia do Grande Prémio de Macau, isto para além de estar sempre presente nas provas internacionais de mais relevo, disputadas em Portugal, como as integradas nos Europeus de Resistência e Turismos.

    Foram muitas as vezes em que lhe “aturei” as suas queixas, durante as corridas; Queixas acerca da pista, dos pneus e por exemplo por não ter conseguido a “pole”, porque aquele… se meteu à frente.

    Era com orgulho que falava da sua equipa e sabia reconhecer e admirar os seus adversários. Diz-se que não sabia perder. Sabia, mas custava-lhe muito, pois alinhava sempre para ganhar.

    Numa corrida de resistência no Estoril, já há muitos anos, chamou-me para me mostrar o sistema que tinha arranjado para mudar as rodas mais depressa, nas paragens. Quatro macacos hidráulicos, ligados a umas botijas de ar comprimido, que logo à primeira falharam e quase colocavam o BMW com os discos no asfalto. Não havia braçadeiras nos tubos e eles saltaram. Foi o diabo nas boxes. Gritos, gestos… enfim, um Carlos zangado, que momentos depois já fazia festas nos cabelos de uma miudinha que ali estava e que começou a chorar com tanto barulho…

    Era assim. Para além de pilotar muito bem, granjeou a admiração de todos os seus adversários, que o temiam em confronto direto e depois tinham que o “aguentar” quando ganhava e, feliz, os ia cumprimentar com o sorriso dos grandes campeões.

    Acabou por falecer na estrada, num acidente incompreensível, quando trabalhava para a sua empresa. Fica-nos um vazio sem ele. Parte outro dos grandes do nosso automobilismo e já começamos a ficar com muito poucos recursos.

    Não trabalhando há muito para o AutoSport, fizeram-me este desafio. Suponho que já esqueceu as desavenças de outrora e aceite, onde quer que esteja, esta pequena homenagem, que lhe fazemos.

    Outras, mais oficiais, se esperam. Esta não é uma despedida, mas sim um até sempre, com amizade e respeito.

    Luis Caramelo

O “Perigoso” com coração de ouro

Nessa quarta-feira, dia 29 de maio de 2018, o seu último dia neste nosso mundo, chegou à sua fábrica, na Zona Industrial da Maia, bem cedo, ainda não eram 8h30, depois de já antes se ter deslocado à região de Guimarães, para recolher uma encomenda.

A esse lote de camisas acrescentaria outro, produzido pela Gianfranco, que completava a carga destinada a clientes espanhóis. Passava do meio-dia quando ficou tudo em ordem para, na companhia de um colaborador, iniciar a viagem de entrega, da Maia até Madrid.

Infelizmente, menos de duas horas depois era protagonista de um estúpido acidente na A25, nas imediações da cidade da Guarda, para terminar aí uma vida intensa, recheada de sonhos, de desafios e conduzida, também, por uma grande paixão pelo desporto automóvel.

Carlos Rodrigues, que conheci praticamente desse o início da sua carreira, foi um piloto de referência nas corridas de velocidade, especialmente na década de 90, destacando-se sobretudo com o Ford Sierra RS 500, ao volante do qual conquistou o título de campeão nacional em 1991. Combativo, enérgico e amante de uma boa “discussão” também fora das pistas, travou duelos com Ni Amorim, Jorge Petiz, Pêquêpê, Rui Lages ou Manuel Fernandes, entre muitos outros adversários, incluindo o seu irmão António (Toni). Aliás, na Rampa da Régua de 1990, época em que discutia o primeiro lugar no Campeonato Nacional com o Sierra RS 500, não escondeu o seu azedume quando aquele último o privou da vitória, ao derrotá-lo guiando o Sierra RS 500 de … Ni Amorim.

Este, impossibilitado de competir na prova duriense devido a um compromisso no estrangeiro e sabendo que António Rodrigues – já depois da fase do Volvo 240 Turbo e do seu Sierra RS 500 – competia apenas no Troféu BMW [320 Is], convidou-o a guiar o seu Sierra, na expetativa de poder amenizar o prejuízo da sua ausência. Mas a “zanga” de Carlos com o irmão, que até tivera o cuidado de o questionar a propósito do convite daquele que é hoje presidente da FPAK, foi sol de pouca dura. Porque, embora impulsivo e, por vezes, áspero, nunca deixou, quando tal se impunha, de fazer “mea culpa”, reconhecendo eventuais exageros, fosse perante adversários, jornalistas, amigos ou colaboradores. Acima de tudo, Carlos Rodrigues vivia, à sua maneira, com muita intensidade e paixão, sem perder o respeito pelos que o rodeavam. E nem lhe faltava, até, um apurado sentido de humor.

Nestes últimos anos, a última vez que o reencontrara, e que, infelizmente, acabaria por ser mesmo a última, foi em final de Março passado, na festa de aniversário (80º) do Fernando Baptista, do Targa Clube. Estivemos em animada conversa uns largos minutos, ao longo dos quais manteve o discurso entusiástico de sempre em matéria de automóveis, tendo como base a oficina do seu filho, a quem se referiu com indisfarçável orgulho. Era lá, na Gianfranco Motorsport, que estava a ser construído o seu futuro carro para os Clássicos, um Porsche. Pegando no telemóvel, exibiu-nos fotos da carroçaria dessa “máquina”, de cor azul-bebé, e debitou uma série de pormenores técnicos relativos ao motor que estava a ser feito para lhe dar vida nas pistas. Era mais um projeto dos muitos que alimentou e viveu de forma apaixonada ao longo de todos estes anos.

A trágica morte de Carlos Rodrigues deixou-o a meio de um ainda longo caminho de entusiasmo e de paixão, pelas corridas, pela família e também pelos amigos e aqueles que com ele colaboravam. Não foi por acaso que a Igreja Paroquial de S.João da Foz do Douro, no Porto, encheu na manhã da passada sexta-feira para um adeus muito sentido ao “senhor Gianfranco”.

O “Perigoso”, como era, carinhosamente (!), conhecido na tribo dos automóveis, podia ser espalhafatoso, retirarum ou dois segundos ao seu melhor tempo oficial a contar uma história de corridas ou qualquer coisa mais, sem prejuízo de quem quer que fosse. Contudo, no lado oposto dessa rebeldia estava, também e acima de tudo, um ser humano com coração de ouro.

Adalberto Ramos

Ex-jornalista do AutoSport (1980-1997)

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