Matra-Simca MS670B (1973): O vencedor do meio

Por a 24 Fevereiro 2023 11:30

Em 1972, venceu o MS670. Em 1973, o MS670B. E, em 1974, o MS670C. Como no meio é que está a virtude, escolhemos o do meio, o MS670B para falarmos da epopeia da Matra-Simca em Le Mans

No final da temporada de 1972, a grande questão era saber até que ponto os protótipos com motores de 3.0 litros eram mesmo rápidos. A resposta foi dada em 1973, quando a Matra decidiu tomar parte do campeonato do Mundo e a Ferrari aventurar-se em Le Mans. Os recursos exigidos por esta grande campanha, forçaram a Matra a sair da F1, onde os seus motores V12 não estavam a ter muito sucesso. E, embora o pacote básico fosse na prática o mesmo d na anterior, existam numerosos detalhes diferentes

e pequenas alterações nos carros. Para Le Mans, foram construídos três novos chassis, a que foi dado o nome oficial de MS670B.A grande questão de pré-temporada foi respondida sem margem para dúvidas pela equipa Matra, que conquistou vitórias convincentes em Vallelunga, Dijon, Zeltweg, Watkins Glen e Le Mans, sendo coroada Campeã do Mundo. No final da temporada, a Ferrari deixou os Sportcar para se concentrar na F1, a partir de 1974. No final deste ano, a Matra seguiu a Ferrari mas não foi para a F1 apesar do V12 ser usado aqui, com algum sucesso, no início da década de 80. Mas estas são outras histórias…

O magnífico MS670B

Para as 24 Horas de Le Mans de 1973, a Matra inscreveu quatro carros, que tiveram que enfrentar os Ferrari 312PB oficiais, com os seus motores 3.0 “Flat-12” e os Gulf Mirage M6 de motor Ford-Cosworth V8.

No ano anterior, um Matra-Simca com as cores da Shell já tinha ganho a grande corrida, com os pilotos Henri Pescarolo e Graham Hill usando um protótipo MS670. Essa foi a única prova que a Matra fez nesse ano, enquanto participava no Mundial de F1 com a última evolução do MS120.

Tendo abandonado a F1 no final dessa temporada, em favor de uma participação a tempo inteiro no Mundial de Marcas em Sport-Protótipos em 1973, a equipa arranjou tempo para, em paralelo com o seu recheado programa de corridas de 1000 quilómetros, para construir uma ‘barchetta’ totalmente nova para Le Mans, embora baseada no chassis monocoque do MS670 e equipada com o novo, potente e fiável motor de 3.0 litros e quatro árvores de cames Type MS72 V12.

A derradeira especificação do chassis do MS670B tinha jantes de 13” em vez das de 15” e a geometria da suspensão traseira estava profundamente modificada. A própria linha da carroçaria era diferente, mais baixa, enquanto as menores dimensões das rodas na frente obrigaram à escolha de travões traseiros de discos maiores, que foram colocados ‘inboard’, posicionados de cada lado da carcaça do eixo transversal. E, por forma a garantirem uma maior longevidade, os V12 feitos para Le Mans tinham um limite de rotações mais baixo (10.500 rpm) e a potência foi fixada em apenas 450 cv.

Os MS670B estavam ainda equipados com a nova caixa de velocidades feita na Porsche, em vez das habituais transmissões da Hewland ou da ZF, que eram as usadas pela equipa nas outras provas e que se receava não conseguirem resistir à dureza de uma corrida de 24 horas. Os discos de travões ventilados foram substituídos por discos sólidos, apesar de Le Mans não ser então considerada muito exigente no que

dizia respeito à dureza das travagens (ainda não existiam as chicanes…), mas sim em relação à sua durabilidade.

E pronto: sobre o Matra MS670B estamos conversados. Ah! Quase me esquecia! Em 2005, durante a exposição Les Grandes Marques, no Principado do Mónaco, a Bonhams colocou em leilão o MS670B que ganhou em Le Mans em 1973. A oferta inicial foi de 1.000.000 de euros…

24 Horas de Le Mans de 1973: um vitória toda francesa

10 de junho de 1973: quando “A Marselhesa” ecoou nos céus dos arredores de Le Mans, ao mesmo tempo que a bandeira tricolor subia no mastro principal do pódio, as emoções dos homens da marca gerida por Jean-Luc Lagardère transbordaram.

Mas esta que foi a segunda (de três consecutivas) vitória da Matra em Le Mans – tinham feito a ‘dobradinha’ em 1972, com o MS670 e, de novo com Pescarolo e Larrousse, repetiram o triunfo no ano seguinte, com o MS670C, uma derivação do MS670B – não foi nada fácil. Contudo, e talvez por isso, foi mais que merecida. Para esta edição da clássica francesa, a Matra inscreveu todas as suas quatro equipas: três com o novo MS670B e uma (o nº 14) com um MS670, mas já com a nova caixa de velocidades feita na Porsche e sem os travões traseiros ‘inboard’.

Nos treinos, os Ferrari 312PB de Arturo Merzario/José Carlos Pace e de Jacky Ickx/Brian Redman fizeram os dois melhores tempos, enquanto o mais rápido dos Matra-Simca foi o de Beltoise/ Cévert, em terceiro com uma volta m 3m39,9s.

A corrida foi dominada, na sua maior parte, pelos três Ferrari, mas as coisas precipitaram-se de forma dramática pelas 22 horas de prova. Foi quando o 312PB que liderava, pilotado por Ickx e Redman, foi forçado ao abandono, com problemas mecânicos. Até então, vinham lutando taco a taco pela vitória com o MS670B de Pescarolo/ Larrousse – que, deis da desistência dos seus adversários, tiveram arte e engenho para dosear o andamento, até receberem em primeiro lugar a bandeira de xadrez, com seis voltas de vantagem sobre o 312PB de Merzario/Pace.

No pódio, festejaram ainda dois dos três Jean-Pierre da Equipe Matra-Simca Shell – Jaussaud e Jabouille, que terminaram em 3º lugar, mas já a 24 voltas dos vencedores, com o MS670B nº 12. Já o nº 10, de François Cévert e Jean-Pierre Beltoise (o terceiro Jean-Pierre…) e o nº 14, de Patrick Depailler e Bob Wollek, cedo ficaram pelo caminho.

As origens de uma marca transversal

Matra é a abreviatura ‘simpática’ de Mécanique Aviation Traction, que era desde que foi criada, nos anos 50, uma das maiores empresas francesas na construção de automóveis, bicicletas, armas e, claro, aviões. Propriedade da família Floirat, tornou-se em 1994 subsidiária do Grupo Largadére, o apelido de Jean-Luc, que foi o verdadeiro ‘guru’ da Matra desde os anos 60 e que a transformou num quase colosso desportivo durante duas décadas, em especial desde que comprou a Automobiles René Bonnet, passando a produzir automóveis de competição, sob o nome de Matra Automobiles.

No entanto, a verdadeira razão deste sucesso está no assalto às 24 Horas de Le Mans, baseando-se no conceito de que, para se ser bom, é preciso vencer na pista de La Sarthe. Uma odisseia que, claro está, teve início também na década de 60.

Nessa altura, a mais famosa corrida de resistência do mundo era dominada pelos construtores italianos, britânicos e alemães. A última vitória francesa acontecera em 1950, quando o Talbot-Lago T26 GS privado dos Rosier

– pai, Louis, e filho, Jean-Louis – ganhou. Depois disso, o deserto para os irredutíveis gauleses –e a glória dos Jaguar, dos Ferrari, dos Aston Martin, dos Porsche e dos Ford…

Foi então que a Matra quis quebrar essa hegemonia estrangeira. Em 1967, anunciou que queria ganhar o Mundial de F1 em 1969 e Le Mans em 1970, com um carro totalmente francês. Um desejo que deixou

muitos entusiastas franceses do automobilismo em êxtase… apesar de ser quase irrealista, pois a Matra era essencialmente uma casa que fazia aviões e estava apenas há um par de anos no automobilismo de competição.

Mas havia uma razão para este entusiasmo todo – as regras dos ‘sportcars’ foram alteradas e limitadas a protótipos com motores de 3.0 litros, a partir de 1968.

Este era quase o mesmo limite da F1, o que queria dizer que o motor que a Matra já tinha podia servir duplamente. A empresa já fazia monolugares e carros de ‘sport’, em fábricas fora do país e os primeiros carros de ‘sport’ – o MS620 e o MS630 – tinham um chassis tradicional e uma carroçaria em fibra de vidro e já corriam em 1966 e 1967, com motores BRM e Ford V8. Pouco antes do anúncio ser feito, a Matra encarregou a Moteur Moderne de conceber um bloco V12 de 3.0 litros, de acordo com o ‘design’ de Georges Martin, um especialista. Com uma inclinação de 60º, duas árvores de cames gémeas e quatro válvulas por cilindro, não era nada de especial tecnicamente, mas os padrões de construção eram muito grandes. Após um breve período de desenvolvimento, o motor foi montado num totalmente novo MS630, que foi inscrito nas 24 Horas de Le Mans de 1968. A sua potência anunciada era de 385 cv, o que era mais que a dos dominantes Porsche 908. Na estreia, Johnny Servoz-Gavin e Henri Pescarolo chegaram a estar em 2º lugar, mas desistiram depois de um furo ter causado um despiste, à 22ª hora.

A ‘coisa’ prometia! Encorajada pelas ‘performances’ do MS630, a Matra Sport planeou dois V12 diferentes para a temporada seguinte, para o MS640, de tejadilho rígido, e o MS650, do tipo ‘barchetta’. O primeiro era um carro

desenhado por Robert Choulet, mas foi destruído num acidente em testes, por Pescarolo e não foi reconstruído. O MS650 era tecnicamente semelhante ao MS630, mas tinha uma carroçaria parecida com a dos Porsche

908/2. O motor tinha já 410 cv e, em Le Mans, acabou em 4º – enquanto o velho MS630 Coupé foi 5º e um MS630 equipado com o novo V12 e em configuração de ‘barchetta’, foi 7º. Nesse ano, surgiu o primeiro sucesso,

quando Pescarolo e Jean-Pierre venceram em Monthléry, em dezembro.

O programa definitivo de competição da Matra estava a tomar uma forma cada vez maior. Para 1970, o objetivo de ganhar em Le Mans tornou-se mais difícil, ao aparecerem os Porsche 917 e os Ferrari 512 LM, com motores de 5.0 litros. Mas os homens da Matra-Simca não baixaram os braços e, baseados agora nas instalações da Chrysler France, fizeram mais dois MS650, enquanto começavam o desenvolvimento de um novo monocoque, mais tarde chamado MS600. Era mais comprido e ficou pronto a tempo para a prova. Mas, antes disso, decidiram testar em condições reais os carros, participando nas duas primeiras provas do Mundial. Os resultados foram promissores, com Servoz-Gavin e Pescarolo a serem 5º nas 12 Horas de Sebring. O motor tinha 420 cv mas ficou menos fiável, o que impediu que os três Matra passassem das oito horas de prova. Mas, antes do final do ano, o MS650 conquistou a sua primeira vitória, no Tour de France, e o MS660 ganhou os 1000 Km de Monthlèry. Para o ano seguinte, a Matra fez apenas um MS660, mas não impressionou, num ano de novo dominado pelos Porsche e Ferrari. A boa notícia depois de um ano tão mau é que s 917 e os 512 foram banidos para 1972, deixando a glória para os protótipos de 3.0 litros. E a Matra soube aproveitar, apesar de as 24 Horas de Le Mans deixarem de estar no Mundial, que não era a verdadeira prioridade da Matra e que, assim, se focou totalmente em Le Mans. O MS660 evoluiu para o MS670, com 480 cv e a carroçaria de ‘barchetta’ foi refinada com a introdução de uma asa traseira. Esta foi a melhor decisão que a marca francesa podia ter tomado, pois o Ferrari 312 B venceu todas as provas do Mundial, que eram de 1000 km ou seis horas. E, como Enzo Ferrari não acreditava que os seus carros aguentassem uma prova de 24 horas, não foi a Le Mans.

E foi assim que a Matra conquistou pela primeira vez Le Mans, fazendo uma ‘dobradinha’ – Pescarolo e Graham Hill no carro vencedor e Howden Ganley/François Cévert no outro. O sucesso prometido enfim chegou… e com somente dois anos de atraso.

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