Timo Rautiainen, um bicampeão do WRC com domínio informático registado: “up in the ass of Timo…”

Por a 23 Dezembro 2025 10:05

Em qualquer universo paralelo, Timo Rautiainen poderia ter seguido uma carreira discreta na informática, área onde se formou e trabalhou como analista de software. Na realidade, tornou‑se um dos mais bem‑sucedidos navegadores da história do WRC, bicampeão do mundo ao lado de Marcus Grönholm e figura central de alguns dos episódios mais marcantes – e insólitos – do campeonato, o “up in the ass of Timo…”. Se fosse hoje, a palavra ‘viral’ ganhava outra dimensão no seio do WRC.

Das tecnologias às notas

Nascido com um fascínio por tecnologia, Rautiainen descreve‑se como um “tech freak”, ao ponto de, em jovem, montar um sistema de intercomunicação entre a sala de estar e a sauna da casa dos pais, na Finlândia. O contacto com os ralis surgiu relativamente tarde: só na adolescência, quando os irmãos o levaram pela primeira vez ao mítico 1000 Lagos, é que percebeu o impacto dos carros de competição – uma experiência que define como “abrir os olhos” para o desporto.

Depois de estudar informática e trabalhar a ensinar outras pessoas a utilizar computadores, a ligação direta à competição começou de forma modesta, como mecânico de ocasião para amigos que corriam em ralis nacionais. Em 1988, o compatriota Miko Kalliomaa convidou‑o para o acompanhar no Campeonato Júnior da Finlândia; Rautiainen tirou a licença de co‑piloto, manteve o emprego a tempo inteiro e, rapidamente, os bons resultados mostraram que o “hobby” podia ir mais longe.

O encontro com Grönholm e o salto para o WRC

A primeira grande “sliding door” da carreira surgiu de forma quase casual. Num rali local em Espoo, Rautiainen estava apenas a assistir quando reparou num Opel Ascona tripulado por Marcus Grönholm e… outra pessoa apelidada Grönholm no banco do lado direito. Pensou tratar‑se da mulher do piloto, mas descobriu mais tarde que era a irmã; nessa mesma noite aproximou‑se, falou com a equipa e, a partir daí, formou‑se uma dupla que viria a marcar uma era no WRC.

Antes disso, ainda arriscou uma mudança para a Alemanha em 1989 para disputar o Open Alemão com Kalliomaa, tendo deixado o trabalho em TI. O projeto não se sustentou financeiramente e, após três provas, regressou à Finlândia – e à mesma empresa de informática – sem abandonar o sonho dos ralis. Pouco tempo depois, já navegava Grönholm num Toyota Celica GT‑Four, construindo, etapa a etapa, um percurso internacional.

Anos de esforço, carros destruídos e a porta aberta na Peugeot

Os primeiros anos da dupla Grönholm–Rautiainen foram vividos “rali a rali”, sempre com a calculadora na mão, a ver quantas provas no estrangeiro o orçamento permitia: uma, duas, no máximo três por temporada. Com poucas oportunidades para mostrar velocidade, a pressão para atacar ao máximo era enorme – e, muitas vezes, terminava com o carro destruído na berma, os dois sentados a perguntar se não seria o fim da linha.

O ponto de viragem chegou em 1998, com tempos de especial fortíssimos no Rali da Finlândia, que finalmente chamaram a atenção das equipas oficiais. Se antes era difícil conseguir uma reunião com diretores de equipa, de repente todos queriam falar com Marcus. Durante a prova, Jean‑Pierre Nicolas, então responsável da Peugeot Sport, chegou a meter “meio corpo” dentro do carro no parque de assistência, insistindo para reunir nessa mesma noite.

No hotel, depois de a família de Grönholm ceder o quarto para a conversa, a Peugeot apresentou um plano: desenvolver o carro em 1999 e preparar uma época completa em 2000. Após a Finlândia, chegaram cinco propostas de diferentes equipas, mas o finlandês sentiu‑se confortável com a marca francesa e optou por ingressar na Peugeot – decisão que abriria caminho a títulos mundiais.

Títulos mundiais e afirmação na elite do WRC

O impacto foi imediato. Na segunda prova com o Peugeot 206 WRC, na Suécia, Grönholm e Rautiainen conquistaram a primeira vitória, batendo o então campeão do mundo Tommi Mäkinen por 6,8 segundos. Ao longo dessa temporada somaram quatro triunfos e garantiram o título mundial de pilotos por cinco pontos de margem sobre Richard Burns, num campeonato que poderia ter escapado se Rautiainen não tivesse sido persuasivo fora de estrada.

Inicialmente, o acordo com a Peugeot previa apenas 10 ralis em 2000. Depois da vitória na Suécia, o navegador abordou Nicolas e Corrado Provera, chefe da Peugeot Sport, argumentando que precisavam de uma época completa – incluindo provas de asfalto, mesmo sabendo que não eram os mais rápidos nessas superfícies – para somar pontos cruciais para o título. A direção da equipa acedeu, estendeu o programa e o resto tornou‑se parte da história recente do WRC. Seguir‑se‑ia um segundo título mundial em 2002, consolidando a dupla como uma das mais dominantes do início do século.

O episódio “up in the ass of Timo” e a lenda de serviço

Num mundo dominado pelas redes sociais, Rautiainen é também conhecido por um momento tão doloroso quanto célebre. No Rali da Turquia de 2004, ao serviço da Peugeot, o 206 WRC passou por cima de uma barra de aço reforçado usada para segurar fitas de segurança, que tinha caído para a estrada. A peça entrou pelo piso do carro, atravessou o banco do navegador e atingiu‑o diretamente no osso da anca, “como um martelo”, causando uma lesão que só seria totalmente detetada mais tarde, através de raio‑X.

Na entrevista à saída da especial, Marcus Grönholm, preocupado, explicou que tinham parado porque “uma pedra entrou pelo banco de Timo, up in the ass of Timo” – frase que rapidamente se tornou viral e, ainda hoje, é repetida como uma das declarações mais icónicas do WRC. O finlandês chegou mesmo a registar o domínio “up in the ass of Timo” para um site, numa forma bem‑humorada de assumir o episódio.

Durante as provas seguintes, Rautiainen teve dificuldades em sentar‑se no carro, recorrendo a uma almofada em forma de anel (almofada de escaras) que a equipa lhe comprou e que o acompanhou até ao fim da carreira.

Quando a dupla deixou de competir em 2007, os mecânicos da M‑Sport ofereceram‑lhe essa almofada numa caixa transparente, com a inscrição “fastest ass ring of the road” – hoje exposta no museu de Marcus Grönholm.

Do banco do lado direito à função de delegado desportivo

Para além dos dois títulos mundiais e de 30 vitórias em ralis do WRC ao lado de Grönholm, Timo Rautiainen construiu também uma reputação de profissional rigoroso e respeitado fora do carro. Após terminar a carreira ativa, manteve‑se ligado ao campeonato como delegado desportivo da FIA, ajudando a moldar o regulamento e a aplicação das regras numa fase de grande evolução técnica e mediática da disciplina.

O percurso de Rautiainen mostra como pequenos momentos – um convite de um amigo, uma conversa num parque de assistência, um rali de somar ou perder tudo – podem alterar definitivamente uma vida. Entre a tecnologia e as notas de rali, as dores físicas e o humor, o finlandês deixou uma marca rara: a de quem fez parte de uma das duplas mais dominantes do WRC e, ao mesmo tempo, se tornou personagem de culto na história moderna da modalidade.

Caro leitor, esta é uma mensagem importante.
O Autosport já não existe em versão papel, apenas na versão online.
E por essa razão, não é mais possível o Autosport continuar a disponibilizar todos os seus artigos gratuitamente.
Para que os leitores possam contribuir para a existência e evolução da qualidade do seu site preferido, criámos o Clube Autosport com inúmeras vantagens e descontos que permitirá a cada membro aceder a todos os artigos do site Autosport e ainda recuperar (varias vezes) o custo de ser membro.
Os membros do Clube Autosport receberão um cartão de membro com validade de 1 ano, que apresentarão junto das empresas parceiras como identificação.
Lista de Vantagens:
-Acesso a todos os conteúdos no site Autosport sem ter que ver a publicidade
-Desconto nos combustíveis Repsol
-Acesso a seguros especialmente desenvolvidos pela Vitorinos seguros a preços imbatíveis
-Descontos em oficinas, lojas e serviços auto
-Acesso exclusivo a eventos especialmente organizados para membros
Saiba mais AQUI

Deixe aqui o seu comentário

últimas Ralis
últimas Autosport
ralis
últimas Automais
ralis
Ativar notificações? Sim Não, obrigado