WRC, Armin Schwarz: Sabe porque a sua amizade com Sainz nunca mais foi a mesma?

Por a 14 Abril 2023 09:08

Armin Schwarz foi um dos mais rápidos pilotos da sua geração. Porém, nunca teve a oportunidade para brilhar a tempo inteiro. Numa longa entrevista, recorda os melhores momentos de uma carreira que quer terminar da mesma forma como a começou: com prazer.

https://youtu.be/SPBF8Lm3Dpo

Autosport: “Participou no Tour Auto Optic 2000, ao volante de um Lancia Stratos e foi de imediato competitivo. O que pensa deste carro? Lembra-se bem dele, nesta corrida… como o compara aos carros que pilotou ao longo da sua carreira?”

ARMIN SCHWARZ (AS): “Antes de mais, essa prova foi uma verdadeira delícia. Tinha carros espetaculares e, quanto ao Lancia [Stratos], adorei pilotá-lo. Para mim, foi um autêntico prazer ter a possibilidade de estar ao volante [dele] durante esta edição do Tour Auto. Mas, na verdade, não se pode comparar com qualquer dos carros de ralis que pilotei. Porque o [Lancia] Stratos é um carro mais velho, de uma geração mais antiga. Só por isso, temos que ser mais cuidadosos com o carro, mas percebe-se bem que é um carro de ralis excelente. Um carro de sonho. Mas a direção, a tração, a suspensão, em especial, são muito, muito diferentes.”

P: “Mas apreciou realmente este carro? A forma como os italianos faziam carros de ralis?”

AS: “Bom, na verdade, trabalhei com a FIAT quando ainda era um jovem piloto de ralis. Por isso, posso dizer que já conhecia o Stratos, que estava acima de qualquer outro carro de ralis. É um carro de ralis muito bom, espetacular, com um som do motor verdadeiramente único. É isso que ficou na minha memória, é disso que me lembro ainda.”

P.: “Continuando ainda nas suas mais antigas recordações, pilotou o MG Metro 6R4 em 1986, na Alemanha. Consegue lembrar-se deste carro e de quão bom ele era?”

AS: “Essa foi uma situação especial, pois nesse ano estava a correr com equipas privadas no Europeu [de Ralis]. Tinha que terminar em segundo no último rali, para conseguir vencer o campeonato. Por isso, tentei encontrar um carro competitivo e apenas o MG Metro estava disponível. Decidi então utilizá-lo, competindo contra os Lancia Rally [037] e contra Michele Mouton, que estava com um [Peugeot] 205 T16 oficial. Achei o carro realmente fantástico.”

“Adoro as classificativas portuguesas”

P.: “Consegue lembrar-se a primeira vez que venceu uma classificativa e liderou um rali do WRC, em Portugal, em 1990, precisamente a sua segunda prova com a Toyota Team Europe?”

AS: “Claro que consigo lembrar-me! Para mim, não houve nada mais espetacular! Adoro as classificativas que existem em Portugal. É fácil fazer qualquer coisa de bom quando se gosta das classificativas, quando se gosta do rali, quando se gosta da mentalidade do povo. Portugal é um sítio ótimo para a pilotagem pura e, quando se juntam todos estes prazeres, para mim é mais ou menos fácil fazer o que eu fiz. Infelizmente, não cheguei ao fim.”

P.: “Nesse rali, em Portugal, estavam na estrada 14 carros antes de si. Consegue imaginar a surpresa dos seus fãs, ao verem o 15º carro a andar daquela forma?”

AS: “Para ser honesto, não pensava naquilo que esperavam de mim. Simplesmente, queria fazer uma boa prova, queria gozar a prova portuguesa. Queria vencer. Infelizmente, nunca venci [o Rali de Portugal]. Esse sempre foi o meu objetivo: vencer o rali. Sempre gostei muito deste rali, em especial as classificativas em [piso de] terra. Na verdade, vim a Portugal muitas vezes para fazer testes e sempre gostei de fazer Arganil, Fafe… tenho memórias muito, muito boas!”

P.: “1991 foi o seu melhor ano no WRC, com o primeiro pódio, a primeira vitória. O que recorda desse ano?”

AS: “Na verdade, o meu primeiro ano [no WRC] foi o de 1990, com a Toyota. Mas comecei a correr antes, em 1988 e 1989, com a Audi, já no Mundial. Conduzi então os grandes 200 Quattro, que eram realmente muito grandes… Lembro-me do meu primeiro [rali de] Monte Carlo, em 1990. Percebi logo que era muito difícil ser rápido, mas não tanto se tivesse o carro certo ou as afinações ideais. E foi esse o meu maior objetivo nesse ano [1990] – ter o melhor carro, com o ‘set up’ perfeito. Era isso que preciso para estar por dentro do jogo…”

“Nunca tive um programa completo no WRC”

P.: “Mas voltando a 1991, foi nesse ano que teve a sua única vitória no WRC, na Catalunha. A que atribui esse fato, o ter apenas ganho uma prova na sua carreira no WRC?”

AS: “Bom, poderia ter conquistado muitas mais vitórias, se não estivesse limitado durante todo esse tempo. Eu estava na geração do Colin McRae e do Tommi Makinen [e Carlos Sainz, já agora…]. Existiam os jovens pilotos e os outros. O único problema que vejo na minha carreira é que nunca tive um programa completo desde o início de uma temporada. Fazia geralmente os três primeiros ralis, sem problemas, mas depois nunca tinha a hipótese de ir até ao fim, com um programa completo. Sim, este foi o meu maior problema. Se não tivesse bons resultados nos três primeiros ralis, muito dificilmente conseguia um programa completo. Esta não é uma desculpa, nem sequer para os erros ou acidentes que tive, porque sempre andei nos limites, sempre andei a fundo.”

P.: “E por falar nisso: lembra-se do que aconteceu certa vez em Portugal, na Pampilhosa, quando seguia no pó do Carlos Sainz, [sem levantar o pé]?”

AS. [gargalhada] “Sim, claro que sim! O ponto é que o Carlos [Sainz] podia ser um grande amigo, mas ao mesmo era preciso saber que quando ele levava vantagem, não havia nada a fazer. Em Portugal, ele tinha partido o turbo e sabia que eu estava atrás dele, mas ele tinha que andar de fato mais devagar, se queria chegar ao fim da classificativa. Mas ele não tinha nada que olhar para trás e preocupar-se comigo. É claro que eu fiquei a rodar mais devagar mas, em competição, quando se tem o carro bom, não se quer ficar atrás de ninguém mais lento.

E espera-se que ele se desvie, ou mesmo que pare por um pequeno momento, para deixar passar. O Carlos [Sainz] podia tê-lo feito, mas não fez. Depois disso, a nossa amizade nunca mais foi uma boa amizade.”

P.: “Outro episódio sobre a sua passagem por Portugal: consegue lembrar-se de um problema, em 1993, quando, numa estrada de ligação para Lousada, bateu contra a casa, quando o seu Mitsubishi [Lancer] teve problemas de travões?”

AS: “Claro que me lembro! Mas, na verdade, não foi uma falha de travões. Foi uma falha mecânica. Tivemos problemas na noite antes de mudarmos a suspensão [para pisos] de asfalto para a suspensão [para pisos] de terra. Quando fizemos essa mudança, qualquer coisa correu mal com o braço da suspensão e, ao sairmos da terra, entrarmos na estrada principal, em asfalto, numa curva com muitas pedras, como é normal em Portugal. Então, o carro começou a saltar e perdemos a trajetória e eu e o Nick [Grist] fomos direitinhos à casa, sem nenhuma hipótese de fazer fosse o que fosse para a evitar. Foi um acaso pois, quando estamos num carro, seja ele qual for, nunca esperamos que falhe assim qualquer coisa, pois acreditamos sempre na mecânica. Foi mau, porque somos humanos, mas também éramos jovens e cometer um erro destes é muito perigoso, em especial porque estávamos numa estrada [pública] e nunca estamos reparados para uma coisa como esta.”

“Usar os atacadores foi uma boa ideia!”

P.: “Vamos agora ao Rali Safari de 1997, quando teve que acelerar com os atacadores das suas botas. Lembra-se disso?”

AS: [gargalhada] “Vejo que está muito bem preparado! [gargalhadas] Lembro-me muito bem disso e decerto que nunca o irei esquecer! Foi numa zona de colinas e fiquei sem conseguir acelerar. Não sei como, mas pensei nisso de imediato: pedi ao Dennis [Giraudet] que tirasse os atacadores das suas botas e continuámos assim, a puxar o cabo do acelerador com os atacadores. Acho que foi uma boa ideia, porque pudemos continuar a ser rápidos e em segurança. Na verdade, conseguimos levar o carro [Ford Escort Cosworth] até à assistência. [Chegou ao fim e foi 4º classificado]”

P.: “Como compara a pilotagem no seu tempo, com a pilotagem atual? E o que pensa da atual geração de pilotos?”

AS: “Penso que cada geração tem o seu tempo. Lembro-me, por exemplo, dos pilotos finlandeses [os chamados ‘finlandeses voadores’], que eram muito rápidos, eram espetaculares, eram qualquer coisa de diferente. Depois, olho para os ralis na Alemanha, onde eu próprio corri. Por isso, devo dizer que, hoje, os pilotos são tão capazes e tão empenhados como o foram o Colin McRae, o Carlos Sainz ou Tommi [Makinen]. Mas hoje já não é possível chegar perto dos pilotos, ou entrar nas assistências. Os pilotos já não sentem tanta pressão, O sistema atual de ralis está, penso eu, errado.

Por isso, é mais difícil aos pilotos serem reconhecidos [pelo público], como foram o Colin [McRae] ou o Carlos [Sainz]. Hoje, já não é tão importante aquilo que os pilotos fazem, o problema é que já não se consegue falar com eles, ou tocar-lhes, ou ficar ali ao pé deles.

E ficar perto [da estrada] numa classificativa é ainda mais impossível. Penso que a abordagem aos ralis tem vindo a diminuir, a perder muita da sua alma. A FIA quer cada vez mais transformar os ralis como está a fazer com a F1. E ou se altera esta forma de ver este desporto – e o meu coração quer mesmo que isso suceda! – ou então tudo vai piorar. Por exemplo, na Alemanha as classificativas são em asfalto e não são espetaculares, além de que não se consegue estar lá ao pé [da estrada]. Não sabemos que carro está a chegar, porque não conseguimos ver o carro e é impossível identificá-lo pelo som [do motor] – se é um Hyundai, Toyota, Ford… Tudo parece igual! E, para mim, este é o pior erro, as regras dos Construtores são tão restritas e tão apertadas, que toda a gente parece estar ao volante do mesmo carro!”

“O problema atual é que os carros são silenciosos”

P.: “O que pensa da utilização, nos ralis, de sistemas híbridos ou elétricos? Acredita que esses sistemas sejam viáveis, como acontece já na F1 ou na Fórmula E?”

AS: “Bom, talvez sejam. Mas toda a gente vê o que acontece na F1, que ficou muito menos atraente. Perdeu muitos adeptos, como se pode ver na Alemanha. A RTL tem sido um dos principais divulgadores e apoiantes da F1, nos últimos anos e perdeu [este ano] muitos espetadores. E temos a Mercedes-Benz, um fabricante de carros alemão, a lutar pelo campeonato. Temos tido bons pilotos alemães na F1 e, mesmo assim, [a F1] está a perder interesse. Por isso, acho que é preciso que as campainhas [de alarme] soem. É preciso perceber que é [um sistema] demasiado novo, demasiado parado. Não é espetacular. A F1 precisa de qualquer coisa de ‘louco’, tecnicamente já provado. Hoje, não vejo isso em nenhum lado. Estes sistemas elétricos, de regeneração [de energia], híbridos, seja lá o que for, podem até ser tecnicamente muito avançados, podem até ser uma completa loucura, mas as pessoas não os ouvem, não os veem. E, tanto na F1, antes, como agora nos ralis, o som que se ouve é que é importante, tem que ser totalmente ‘louco’. O barulho tem que ser tão forte que não se consiga falar uns com os outros, quando um carro passa. Para mim, esse é outro grande erro – os carros são demasiados silenciosos e esse é um enorme passo atrás.”

“As pessoas querem ver nas estradas carros diferentes”

P.: “Esta resposta leva a outra pergunta: se tivesse poder para isso, o que mudaria no desporto motorizado? Quais são, para si, as principais alterações que devem ser feitas?”

AS: “Não estou em condições de o poder dizer, pois já não estou lá dentro. Mas, quando eu ainda corria e, mais tarde, estive nos Estados Unidos, que tinham regras quase europeias. Eram regras abertas, corridas com protótipos, em que toda a gente podia vir com o seu carro e correr. Podiam-se fazer coisas diferentes sempre dentro dessas regras e acho que é este o ponto. Hoje já posso ver a correr Porsche, Porsche Carrera, carros de GT3, motores de seis cilindros. E depois vemos a VW chegar com um motor 1.6 turbo, quando podia usar um motor central normalmente aspirado de seis cilindros, ou uma configuração de motor atrás… E então veríamos 20 carros a correr. E, se houvesse um carro com grande vantagem, então teriam de existir formas de o penalizar, fazendo-o correr contra carros de motores pequenos ou, então, contra carros de grandes motores. As pessoas têm opiniões diferentes sobre o desporto motorizado, ou os ralis, porque acredito que as pessoas querem ver passar bons carros de ralis, porque se calhar têm um bom carro parado nas [suas] garagens, igual aos que gostariam de ver passar nas classificativas dos ralis. Hoje, o desporto motorizado precisa de ser diferente. As pessoas querem ver coisas diferentes daquilo que normalmente vêm nas estradas. Ou que não podem comprar. Ou que não podem conduzir. Penso que, hoje, todos acreditam que, ao conduzirem os seus carros, conseguem ser tão rápidos como o Sébastien Ogier, Ott Tanak…”

P.: “Uma última pergunta: qual vai ser o seu próximo passo? O Dakar?”

AS: “Não. Só faria o Dakar se tivesse uma oferta de uma equipa muito boa. Não me vejo a ter a possibilidade de pilotar um desses carros. Corri em 2006 e 2007, na América [SCORE International, campeonato de ‘off-road’, que inclui as provas de Baja] e na América encontrei regras, pessoas, uma atmosfera de corrida espantosa. Vi nos Estados Unidos tudo aquilo que eu sempre gostaria de ver e de fazer nas corridas. Porque é tão amigável, tão descomplicada, como não existe nas corridas da FIA.

A FIA tem uma série de regras que restringem os carros que podemos usar, regras para fazer as ultrapassagens, regras de limite de velocidade nas pistas, uma série de coisas destas, que nunca me interessaram. Estou a chegar ao fim da minha carreira e no fim da minha carreira quero ter o mesmo prazer que tinha quando comecei. Tenho uma escola de pilotagem na Lapónia, em pistas de gelo. Adoro este trabalho, ensinar como se conduz no gelo, em carros de ralis.”

Estreia na competição: 1983 (ralis)

Casado. Vive na Áustria.

WRC: 1988-2005

Ralis WRC: 119

1º Rali WRC: RAC 1988

Último Rali WRC: Austrália 2005

Vitórias: 1

1º Vitória WRC: Catalunya 1991

Última Vitória WRC: Catalunya 1991

2º lugares: 1

3º lugares: 4

Pódios: 6

Pontos: 179

Classificativas ganhas: 100

Títulos WRC: –

Melhor classificação WRC: 6º, em 1991 (55 pontos)

1987 – Campeão da Alemanha de Ralis (Audi Coupé Quattro)

1988 – Campeão da Alemanha de Ralis (Audi 200 Quattro)

1996 – Campeão da Europa de Ralis (Toyota Celica GT-Four)

2000 – Corrida dos Campeões

PALMARÉS WRC

1988 – Audi 200 Quattro: 1 rali. 37º WRC, 8 pontos

1989 – Audi 200 Quattro: 4 ralis. 41º WRC, 6 pontos

1990 – Toyota Celica GT-Four: 5 ralis. 19º WRC, 12 pontos

1991 – Toyota Celica GT-Four: 8 ralis. 1 vitória (Catalunya). 6º WRC, 55 pontos

1992 – Toyota Celica Turbo 4WD: 5 ralis. 19º WRC, 16 pontos

1993 – Mitsubishi Lancer RS: 5 ralis. 12º WRC, 23 pontos

1994 – Mitsubishi Lancer RS: 1 rali. Mitsubishi Lancer Evo II: 3 ralis. 7º WRC, 31 pontos

1995 – Toyota Celica GT-Four: 7 ralis. Desqualificado WRC (6º)

1997 – Ford Escort WRC: 6 ralis. 8º WRC, 11 pontos

1998 – Ford Escort WRC: 1 rali. Não pontuou (WRC)

1999 – Skoda Octavia WRC: 7 ralis. Não pontuou (WRC)

2000 – Skoda Octavia WRC: 5 ralis. Skoda Octavia WRC Evo 2: 3 ralis. 17ºWRC, 2 pontos

2001 – Skoda Octavia WRC Evo 2: 12 ralis. 12º WRC, 9 pontos

2002 – Hyundai Accent WRC 2: 2 ralis. Hyundai Accent WRC 3: 12 ralis. Não pontuou (WRC)

2003 – Hyundai Accent WRC 3: 10 ralis. 18º WRC, 3 pontos

2004 – Skoda Fabia WRC: 7 ralis. 29º WRC, 1 ponto

2005 – Skoda Fabia WRC: 15 ralis. 24º WRC, 1 ponto

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