24 Horas de Le Mans de 1998: A última vitória da Porsche… antes do regresso em 2015


A Porsche venceu, pela última vez, antes do regresso vitorioso em 2015, as 24 Horas de Le Mans em 1998. Recordamos essa corrida.

José Ribeiro foi quem esteve em Le Mans e assinou a reportagem. Logo na entrada, esclarecia: “À partida, quinze carros oriundos de cinco construtores diferentes podiam ganhar” essa edição. Um facto “que, só por si, rotulou esta prova como a mais importante de todas as que se disputaram até aqui”. A seguir, chegou mesmo a perguntar se tal poderia dar lugar a um “duelo de titãs”. E a resposta não podia ser melhor reflexo do que se passou na pista de La Sarthe: “Claro que sim. Mas a Porsche é sempre a Porsche e, como num evento como este a experiência ainda é um posto, a casa de Weissach somou o terceiro sucesso consecutivo e primeiro do 911 GT1”. Só que, e isso ele não podia nunca saber, seria também o último.

Porém, na realidade as coisas não foram assim tão lineares: “se a superioridade da Porsche foi bem batente nas imagens finais desta 66ª edição da clássica francesa [a cortarem a meta juntos], a verdade é que só nas duas últimas horas a vitória do 911 GT1 [de McNish/Aiello/Ortelli] se desenhou com contornos

bem específicos pois até aí tudo indicava que o triunfo iria parar às mãos da Toyota”.

Quem sabe, sabe… Pois, mas não foi, já que, “apesar da marca japonesa, gerida nesta corrida pelas mãos experientes de Öve Andersson” ter liderado os acontecimentos “em mais de metade do evento”, na fase crucial a palavra ‘equipa’ não funcionou como devia. Ou seja: “ao contrário do que sucedeu com a Porsche, a Toyota não teve ninguém para apoiar a liderança que [Thierry] Boutsen/[Ralf] Kelleners/ [Geoff] Lees arduamente conquistaram a princípio da

manhã (…) depois de terem perdido tempo nas boxes para substituir a caixa de velocidades e os travões de GT-One”.

Na verdade, o andamento demonstrado pelos Toyota era tal em condições de corrida, que ”pode mesmo dizer-se que até houve tempo para [a Toyota] ter problemas, porque as performances do carro construído por André de Cortanze mostraram estar acima da concorrência, mesmo se o número de testes com vista à participação na prova não foi por aí além”.

O que pode até ter sido decisivo, pois o problema que afetou os dois Toyota foi apenas e só um, a caixa de velocidades, que “foi o busílis da questão“. É que não apenas afetou o carro de Ukyo Katayama/Toshio Suzuki/Keiichi Tsuchiya [acabaram em nono, a 25 voltas], como “acabou por ser a caixa, pela segunda vez, a ditar o abandono inglório de Thierry Boutsen”. No polo oposto, encontrou-se a Porsche, “que quase não teve problemas”.

É que, “depois de ficarem mais à vontade para discutir a vitória quando a Mercedes e a BMW abandonaram prematuramente, os 911 GT1 aproveitaram a noite para se imporem, deixando desde logo no ar a ideia de que haveria que contar com eles para os melhores lugares do pódio”.

Afinal foi muito mais do que isso: não apenas venceram, como fizeram uma ‘dobradinha’, com o carro nº 26 a cruzar a meta na frente do nº 25, que tinha, no entanto, uma volta de atraso. Sem problemas mecânicos relevantes, os Porsche apenas tiveram que enfrentar “meia dúzia de saídas de pista e outros tantos piões, felizmente sem consequências graves”.

Ao cabo e ao resto, para a Porsche esta “foi a vitória da confiança, pois os outros dois Porsche Joest” desistiram, “um com problemas elétricos e o outro com o suporte do capot do motor partido, quando ocupavam lugares secundários”. Além da Mercedes, BMW e Toyota, também a Nissan “sai de cabeça baixa” de Le Mans, “embora o terceiro lugar do pódio tenha pertencido pela primeira vez na história da prova a uma equipa totalmente japonesa, que conduziu sem problemas o R390 GT1 da primeira à última volta”. É que “o único problema da Nissan” foi que Tom Walkinshaw “construiu os carros ao bom estilo ‘forte e feio’”, para não darem problemas e ganhar”.

Mas “não conseguiu”, apesar de a Nissan ter visto todos os seus quatro carros cortar a meta. Na categoria GT2, foi o domínio absoluto da Chrysler, “primeiro com [Pedro] Lamy/[Olivier] Beretta/[Tommy] Archer [que foram os primeiros líderes] e depois com [Justin] Bell/[David] Donohue/[Luca] Drudi, os vencedores. Um resultado magnífico, depois da má experiência do ano passado”.

Mais um desastre da Mercedes em Le Mans

Mesmo se foi a Mercedes quem fez o melhor tempo dos treinos, com Bernd Schneider/Klaus Ludwig/ Mark Webber a assinarem a pole position ao volante do AMG Mercedes CLK-LM – uma posição que é meramente comercial e folclórica mas, mesmo assim (ou talvez por isso mesmo) muito apetecida, embora

nada signifique, em termos práticos, numa corrida de 24 horas – o desenrolar da corrida não poderia ter sido mas funesto para os carros da marca da estrela.

Não, desta feita não levantaram voo na lomba das Hunaudières. Mas, depois “de testes e mais testes (Homestead e Paul Ricard) para chegarem à conclusão de que tinham hipóteses de vencer em Le Mans” (…) e de lutarem “como ninguém pela pole”, [os dois Mercedes CLK-LM “foram batidos por um inoportuno problema no sistema hidráulico que afastou primeiro [Bernd] Schneider (com 1h20m de corrida) e depois [Christophe] Bouchut (2h01m após a partida)”.

Desiludidos, os homens da Mercedes fizeram as malas e rumaram a casa, o único sítio onde poderiam tentar perceber o que realmente se passou, conforme disse ao AutoSport “Jürgen Matheis, responsável técnico da equipa AMG, enquanto bebia uma cerveja: Só quando desmontarmos os carros na oficina é que saberemos concretamente o que se passou, mas a deficiência, que foi igual, afetou não só a direção, como a bomba de óleo do motor”.

Pedro Lamy subiu ao pódio…mas isso “soube a pouco”

Pedro Lamy subiu ao pódio da categoria GT2, ao terminar na segunda posição com o Chrysler Viper GTS-R da Oreca mas, no final da prova, confessou que isso “soube a pouco”. Até porque tinha assinado a pole position na categoria, o que dava a entender que tudo estava bem com a equipa e que, por isso, o triunfo não era uma simples miragem, mas algo mais e bem real. No final, explicou ao AutoSport: “Foi pena o que sucedeu, pois estávamos todos a ter muito cuidado com o desgaste do carro”. E o que aconteceu – e levou à perda de 48 minutos (cerca de uma dezena de voltas) pelo Viper nº 51 – foi o seguinte: “Primeiro, [partiu-se] o coletor de escape (17 minutos nas boxes) e depois [a caixa de velocidades] ficou encravada quando se partiu o seletor”, obrigando à sua substituição (31 minutos). Contas feitas, “[Pedro] Lamy caiu do primeiro para o 11º lugar. Mas, como faltavam anda 16 horas de corrida, Hughes de Chaunac [dono da Oreca] convenceu-os [pilotos] de que era possível recuperar, como foi, depois um ritmo, que todos imprimiram, bastante rápido”. E até conseguiram chegar ao segundo lugar do GT2, “mesmo se a meio da noite ficaram sem quarta velocidade…”. Na altura em que as ‘desgraças’ começaram, “estavam no primeiro lugar [dos GT2], ao fim de três horas de corrida”, o que “deixava prever que a liderança até final não deveria ser complicada.” Afinal, foi!

Os outros portugueses na prova

Para lá de Pedro Lamy , que correu integrado numa equipa oficial, com todos os meios ao seu dispor para poder lutar pela vitória (na categoria GT2 é certo mas, ainda assim, vitória) outros pilotos portugueses estiveram presentes nesta edição das 24 Horas de Le Mans. Infelizmente, e conforme o AutoSport fazia eco em lugar próprio, debaixo do estigma do “amadorismo” que, numa prova como esta, “não perdoa”.

De facto, “se dúvidas houvesse, a participação da equipa portuguesa Ni Amorim/Gonçalo Gomes/Manuel Mello Breyner provou que [em Le Mans] já não há espaço para amadorismo”. Correr nas 24 Horas de Le Mans “custa quase tanto como fazer três provas do Campeonato FIA de GT”. Por isso, “o mínimo que se esperava era que a resposta fosse mais profissional”, até porque, pelos vistos tinham conseguido angariar o budget necessário para fazer

a corrida. “Só que, infelizmente, não foi isso que aconteceu” (…) e, para terminarem, “teria que acontecer algum milagre”.

Que até aconteceu – Amorim/ Gomes/Breyner acabaram em 21º e antepenúltimo lugar, em 23 equipas, a quase 90 voltas dos vencedores. Mas, para eles isso já foi uma espécie de vitória: “Preparador físico e nutricionista foi coisa que viram somente nas outras equipas; bolhas nas mãos foram mais que muitas e resistência física, como está bom de ver, foi sol de pouca dura”.

Além disso, numa prova com esta duração, a resistência mecânica das máquinas também é colocada à prova. E isso sucedeu, claro, com o Chrysler Viper GTS-R da Chamberlain Engineering, cuja caixa de velocidades cedeu a certa altura. Coisa que até a equipa oficial de Pedro Lamy teve que enfrentar – com uma ‘pequena’ diferença: enquanto estes a mudaram em 31 minutos, os mecânicos da equipa de Amorim/ Gomes/Breyner demoraram 3h30m (isso mesmo três horas e meia!). Além desta equipa, também se estrearam em Le Mans os luso-franceses Manuel e Michel Monteiro.

Partilhando com o experiente Michel Maisonneuve um Porsche 911 GT2, assistido por “uma equipa totalmente amadora constituída por meia dúzia de portugueses emigrantes em França”, acabaram por fazer tempos aproximados aos do seu colega de equipa francês – que qualificou o carro e andou especialmente bem durante a noite – e chegaram ao sexto lugar dos GT2. Foi então que “a chuva que caiu inesperadamente durante a noite estragou tudo, quando Michel Monteiro perdeu o controlo do carro, batendo de frente de traseira”. O piloto ainda conseguiu levar o carro até às boxes, onde a equipa “perdeu mais de uma hora com a reparação”. Porém, “o espírito batalhador de todos os elementos [da equipa] ainda lhes permitiu chegar à quarta posição, a meia hora do fim”. Foi nessa altura que o azar lhes bateu de novo à porta, “quando o motor do Porsche entregou ‘a alma a Criador’.”

Classificação

1º Laurent Aiello/Allan McNish/Stéphane Ortelli (Porsche AG/Porsche 911 GT1-98/Porsche 3.2L Turbo Flat-6), 351 voltas (1º GT1); 2º Jörg Müller/Uwe Alzen/Bob Wollek (Porsche AG/Porsche 911 GT1-98/Porsche 3.2L Turbo Flat-6), a 1 v.; 3º Aguri Suzuki/Kazuyoshi Hoshino/Masahiko Kageyama (Nissan Motorsports/TWR/Nissan R390 GT1/Nissan 3.5 L Turbo V8), a 4 v.; 4º Steve O’Rourke/ Tim Sugden/Bill Auberlen (Gulf Team Davidoff/EMKA Racing/McLaren F1 GTR/BMW 6.0 V12), a 8 v.; 5º John Nielsen/Michael Krumm/Franck Lagorce (Nissan Motorsports/TWR/Nissan R390 GT1/ Nissan 3.5L Turbo V8), a 9 v.; 6º Jan Lammers/Érik Comas/Andrea Montermini (Nissan Motorsports/ TWR/Nissan R390 GT1/Nissan 3.5L Turbo V8), a 9 v.; 7º David Brabham/Andy Wallace/Jamie Davies (Panoz Motorsports Inc./Panoz Esperante GTR-1/Ford Roush 6.0 V8), a 16 v.; 8º Wayne Taylor/ Éric van de Poele/Fermin Veléz (Doyle-Risi Racing/Ferrari 333 SP/Ferrari 4.0L V12), a 19 v. (1º LMP1); 9º Ukyo Katayama/Toshio Suzuki/Keiichi Tsuchiya (Toyota Motorsports/Toyota Team Europe/ Toyota GT-One/Toyota 3.6L Turbo V8), a 25 v.; 10º Satoshi Motoyama/Takuya Kurosawa/Masami Kageyama (Nissan Motorsports/TWR/Nissan R390 GT1/Nissan 3.5L Turbo V8), a 32 v.; 11º Justin Bell/ David Donohue/Luca Drudi (Viper Team Oreca/Chrysler Viper GTS-R/Chrysler 8.0L V10), a 34 v. (1º

GT2); (…) 13º Olivier Beretta/Pedro Lamy/Tommy Archer (Viper Team Oreca/Chrysler Viper GTS-R/ Chrysler 8.0L V10), a 39 v. (2º GT2); (…) 21º Ni Amorim/Gonçalo Gomes/Manuel Mello Breyner (Chamberlain Engineering/Chrysler Viper GTS-R/VChrysler 8.0L V10), a 87 v. (7º GT2). Terminaram classificadas 23 equipas.

As 19 vitórias da Porsche em Le Mans

1970 – Hans Herrmann/Richard Attwood (Porsche KG Salzburg/Porsche 917K)

1971 – Helmut Marko/Gijs van Lennep (Martini Racing Team/Porsche 917K)

1976 – Jacky Ickx/Gijs van Lennep (Martini Racing Porsche System/Porsche 936)

1977 – Jacky Ickx/Hurley Haywood (Martini Racing Porsche System/Porsche 936/77)

1979 – Klaus Ludwig/Bill Whittington/Don Whittington (Porsche Kremer Racing/Porsche 935 K3)

1981 – Jacky Ickx/Derek Bell (Porsche System/Porsche 936)

1982 – Jacky Ickx/Derek Bell (Porsche System/Porsche 956)

1983 – Vern Schuppan/Al Holbert/Hurley Haywood (Rothmans Porsche/Porsche 956)

1984 – Klaus Ludwig/Henri Pescarolo (Joest Racing/Porsche 956)

1985 – Klaus Ludwig/Paolo Barilla/”John Winter” (Joest Racing/Porsche 956)

1986 – Derek Bell/Hans-Joachim Stuck/Al Holbert (Rothmans Porsche AG/Porsche 962C)

1987 – Derek Bell/Hans-Joachim Stuck/Al Holbert (Rothmans Porsche AG/Porsche 962C)

1994 – Yannick Dalmas/Hurley Haywood/Mauro Baldi (Le Mans Porsche Team/Porsche-Dauer 962 Le Mans)

1996 – Manuel Reuter/Davy Jones/Alexander Wurz (Joest Racing/TWR Porsche WSC-95)

1997 – Michele Alboreto/Stefan Johansson/Tom Kristensen (Joest Racing/TWR Porsche WSC-95)

1998 – Laurent Aiello/Allan McNish/Stéphane Ortelli (Porsche AG/Porsche 911 GT-1 98)

2015 – Nico Hülkenberg/Earl Bamber/Nick Tandy (Porsche Team/Porsche 919 Hybrid)

2016 – Marc Lieb/Neel Jani/Romain Dumas (Porsche Team/Porsche 919 Hybrid)

2017 – Timo Bernhard/Earl Bamber/Brendon Hartley (Porsche Team/Porsche 919 Hybrid)