Bruno Correia: O Guardião do Templo

A Lei do Escoteiro e o seu Compromisso de Honra é estar “sempre pronto”. É precisamente isso que sucede com Bruno Correia, o ‘nosso’ guardião, que se certifica e ajuda os ‘artistas’ das pistas a cumprirem da melhor forma a sua missão: Dar espetáculo.

Como sucede em muitas outras atividades, por trás do espetáculo estão inúmeras pessoas que tratam de proporcionar que tudo decorra dentro da maior normalidade possível, que os adeptos possam testemunhar boas corridas, e que os pilotos estejam o mais seguros possível. Portugal tem muitos e bons pilotos no centro do espetáculo, mas também outros de ‘exceção’ nos bastidores.

Um bom exemplo é Eduardo Freitas, Diretor de Corrida do FIA WEC e durante parte da época de 2022 na Fórmula 1, dividindo funções com Niels Wittich, outro, Bruno Correia, piloto do Safety Car no FIA Fórmula E, competição que recebeu por parte da FIA um grande empurrão, FIA WTCR e ainda como piloto do Medical Car na F1 em substituição do piloto habitual por doença. Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, tendo em conta o tipo de competição e a tipologia dos circuitos, a FIA escolheu em que mais confia para a difícil função, e optou por Bruno Correia, pois a Fórmula E, devido ao facto de se realizar exclusivamente em circuitos citadinos, precisa duma atenção ao pormenor muito acima dos traçados convencionais, e se no caso do evento do Mónaco se pode contar com gente muito experiente, pois há muito lá recebem a F1, no caso das restantes organizações, tudo tem que ser visto ao mais ínfimo pormenor, pois como se pode calcular, não é fácil chegar a uma cidade e montar um circuito citadino quase de um dia para o outro.

Voltando um pouco atrás, todos se recordarão que a carreira de Bruno correia como piloto de Safety Car começou depois do incrível acidente numa corrida do WTCC em Pau 2009. Pela ‘mão’ de Eduardo Freitas, Diretor de Corrida da FIA, Bruno Correia, um antigo promissor piloto na década de 90, avançou para o cargo e neste momento já tem um palmarés ‘considerável’: “Já fiz mais de 600 corridas como Safety Car”, disse em 2018. “Tudo começou em 2008, quase como uma brincadeira, resultante de um convite quando o Autódromo do Algarve para fazer este mesmo papel. As coisas depois proporcionaram-se com o Eduardo Freitas, na altura em que houve aquele grande acidente no WTCC em Pau e desde lá para cá tenho sido o piloto oficial do Safety Car” recordou Bruno Correia, cujo exemplo vivido em Pau 2009, é uma referência para tudo o que não pode suceder: “Eu estava em Portimão a fazer de Safety Car noutra prova, mas vi o acidente e acho que existiu algum problema de comunicação e talvez, a falta de experiência do piloto que conduzia o Safety Car na altura.

Existem regras que qualquer piloto sabe que têm de ser cumpridas, são sempre faladas nos briefings com os pilotos, como não cruzar a linha branca e o piloto do Safety Car cruzou-a. Depois, o Franz Engstler vinha muito rápido e não existiu forma de evitar o acidente.

Ainda todos se lembram, fica para sempre na memória porque foi com a organização da prova, ainda há pouco tempo houve também um incidente com o Safety Car em Jerez de la Frontera.

É uma profissão de muito risco, que eu levo muito a sério, tive de deixar a minha vida profissional que tinha antes de começar esta aventura, para passar a dedicar-me a 100% a isto, pois toma-me muito tempo. Estou muito feliz com isto tudo, sempre foi um sonho desde que comecei a dedicar ao automobilismo, ter a possibilidade de estar envolvido e este nível é fantástico, é um sonho realizado” revelou Bruno Correia. “…Fórmula 3, GT, Macau todos os anos […].

Estou com a Fórmula E mesmo antes de começar o campeonato, hoje é o meu campeonato primário, fui nomeado ainda mal se criou a competição e é a mais exigente porque são fins de semana muito intensos, muito compactos. As pessoas geralmente pensam que o Safety Car é apenas o carro que entra numa corrida quando há algum incidente e que vai para a grelha, mas temos muitas outras funções durante um fim de semana de corridas.

Sendo um campeonato só com circuitos citadinos temos uma pressão acrescida enorme. É tudo feito num dia e em pistas que são construídas para o efeito, onde nada pode falhar e atrapalhar os pilotos e as equipas, tendo tudo que estar totalmente preparado para a primeira vez em que os pilotos vão para a pista” disse o piloto algarvio, que aproveita para explicar as diferenças nas suas funções na Fórmula E: “Na Fórmula E são pistas totalmente novas, ‘fazem’ a pista na sexta-feira antes, nós esperamos a homologação no dia antes do shakedown e tem que estar tudo perfeito para esse dia. Tem tudo que estar conforme as normas técnicas e de segurança exigidas pela FIA e isso exige um trabalho inacreditável.

Quando as pessoas ligam a TV para ver uma corrida não têm ideia do trabalho que ficou para trás. Não podemos comparar com o Mónaco ou Macau que foram feitas há 60, 70 anos, com toda a experiência das pessoas que trabalham nesses circuitos. Nesses circuitos tudo é mais fácil, mas nos circuitos novos as coisas são muito mais difíceis. Um dos trabalhos que temos de fazer antes de cada prova é verificar, por exemplo, se todas as tampas de esgoto, sarjeta e assim estão bem presas e seguras, para não levantarem durante as provas. São várias coisas, temos uma longa ‘checklist’ a cumprir. A nível de condução é preciso ter muita atenção com tudo. Estou em contacto direto com o Diretor de Prova e é ele que controla. O trabalho que está por trás é muito grande”.

O homem das 1000 pistas

Curiosamente, a preparação para um fim de semana de corridas para o homem do Safety Car não difere muito de um piloto, pois apesar de, em condições normais não se prever que tenha trabalho tão intenso quanto os pilotos em pista, quando precisa, tem que estar bem preparado: “Levo muito a sério a minha preparação física, tenho cuidado com a alimentação, treino muito, conduzo vários carros, mas às vezes não tenho o tempo necessário para mais”. Outra questão interessante tem a ver com a quantidade de pistas em que Bruno Correia já rodou “Gostava de saber se alguém já conduziu em mais pistas que eu. Não sei quantas já fiz, mas já fiz muitas e há várias em que já mais ninguém vai conduzir, falamos de pistas de grau 3, pistas que já não são tão importantes e agora com tantos circuitos citadinos nem se fala”. Como se percebe, a sua agenda não difere nada da de muitos pilotos quanto a fins de semana ocupados: “Tenho 36 a 38 fins de semana ocupados e ainda tenho também com um miúdo que estou a acompanhar no Karting, a pedido dos pais. Faço-o pelo prazer. Dá-me muito prazer tentar passar tudo o que sei sobre isto, e ele já anda muito bem”.

Sendo verdade que um piloto, fruto do seu trabalho nas pistas tem sempre muito para contar, Bruno Correia não é muito diferente, e até o ex-presidente da FIA já foi seu ‘pendura’: “Tive uma história muito gira com o Jean Todt em Paris. Ia dar uma volta com ele pelo circuito e quando me preparava para lhe apertar os cintos e disse-me para parar porque o sabia fazer. Esqueci-me que ele foi navegador de ralis durante muitos anos. Fui devagar com BMW i8, ele elogiou a minha condução e o meu trabalho e no final pediu-me para tirar um foto comigo para por no seu Twitter, o que me deixou muito honrado. Tenho outra com o presidente (alcaide) da Cidade do México, pois ele ia muito assustado” revelou Bruno Correia que contou igualmente com uma falha ‘tecnológica’ “Também no México tivemos uma falha de wi-fi que complicou algumas coisas, porque fazemos tudo por wi-fi na Fórmula E”. Acontece!

Já são muitos anos de Safety Car, mas tal como sucede com quase toda a gente, Bruno Correia também tem os seus objetivos, mas curiosamente um dos desejos que tem é precisamente correr na pista onde tivemos esta conversa: “Estou muito feliz com o que alcancei e com o que faço, não sou de exigir muito. Gostaria de correr no Nordschleife, já lá dei algumas voltas, e é uma pista engraçadíssima. Gostava de fazer algumas corridas de endurance, que fossem um bom desafio. Em breve, quem sabe. Mas neste momento estou muito satisfeito com o que faço” referiu Bruno Correia que recordou como começou a sua ligação aos automóveis e vida de piloto:

“Comecei tarde depois de um acidente grave que tive de moto. Comecei no karting e foi muito rápida a minha ascensão. Foi difícil porque estava na sombra do Pedro Lamy e Pedro Couceiro, e arranjar patrocínios era complicado. Seguir a minha carreira foi muito difícil. Fiz sempre bons resultados onde corri. Ganhei a Fórmula Ford em 1994 e ganhei dois anos depois em Espanha. Testei Fórmula 3, mas nunca consegui nada. Também fui para os Estados Unidos, mas não tive a mesma sorte que o João Barbosa que foi para lá na mesma altura que eu. Mas no geral até acho que tenho tido uma estrelinha na minha carreira” recordou Bruno Correia.

O BMW i8 Safety Car que Bruno Correia guia na Fórmula E

Numa competição elétrica, o Safety Car não poderia ser ‘diferente’, e por isso a ‘máquina’ com que Bruno Correia “toma conta dos incidentes em pista” é o BMW i8 Safety Car, um desportivo híbrido Plug-In, que combina um motor elétrico com um motor de combustão, que resulta num consumo combinado de 2.1 l/100 km. O motor elétrico tem uma potência de 96 kW (131 cv) está localizado no eixo dianteiro. Já o eixo traseiro apresenta um motor a gasolina BMW TwinPower Turbo de 1.5 litros e 3 cilindros com uma potência de 170 kW (231 cv) e 320 Nm de binário que, em combinação com o motor elétrico. Estes dois sistemas de tração funcionam em conjunto para acelerar o BMW i8 dos 0 aos 100 km/h em apenas 4,4 segundos: “O que destaco mais neste carro é o sistema wireless de carregamento, pois simplesmente estaciono o carro em cima do ‘carregador’ da Qualcomm e este começa imediatamente a carregar as suas baterias, o que como se pode calcular é importante porque caso precise de intervir rapidamente não daria muito jeito estar a tirar cabos. De resto o BMW I8 tem travões de competição, as jantes são um pouco maiores que o carro de estrada, os amortecedores são reguláveis, dependendo do piso das pistas que visitamos, o carro foi ao túnel de vento para ser aprimorado em termos aerodinâmicos” disse Bruno Correia que explica também o que significam as luzes para os pilotos “as luzes amarelas ligadas é a forma como mostro aos pilotos que têm que abrandar, ficar atrás do Safety Car, e a luz verde no meio das duas amarelas é o sinal para os pilotos que me podem ultrapassar pois isso pode suceder se eu não tiver o líder da corrida imediatamente atrás de mim. É um carro muito rápido, ecológico, e lindo…”

Safety Car: Quando tudo corre mal

Bruno Correia chegou às suas atuais funções precisamente depois de um grave incidente com um Safety Car numa corrida do WTCC em Pau. Foi aí que “caiu a ficha” à FIA, e onde se percebeu que tão importante atividade precisava de um profissional competente, precisamente para que não fosse o veículo de segurança a criar… insegurança. Ironicamente, nesse evento de Pau, rezam as crónicas que foi o próprio chefe da polícia que ‘exigiu’ guiar o Safety Car, quebrando de imediato a primeira regra de ouro, não pisar a linha branca de saída das boxes…

Mas no passado há muito mais exemplos de falhas, quer na F1 como em muitas outras competições, como por exemplo no GP da Hungria de F1 de 1995, quando Taki Inoue foi atropelado pelo Safety Car quando tentava apagar um princípio de incêndio no seu monolugar.

Nas Indy 500 de 1971, o piloto do Pace Car perdeu o controlo do seu Dodge e só por sorte não matou nenhum fotógrafo depois de ter acertado na bancada em que se estes se posicionavam logo após a partida.

Alex Wurz, hoje presidente da GPDA, aprendeu da pior maneira em 1995, na F3 alemã, que não se podia colocar na frente de um Safety Car, muito menos quando este é um jipe com pouco poder de travagem. No traçado de Avus Berlim o austríaco passou o SC e logo travou para a curva seguinte, sendo de imediato abalroado. Em 2011, numa corrida da Le Mans Series em Paul Ricard, os semáforos ficaram verdes para a partida lançada, mas o Audi RS5 do Safety Car não saiu da frente do pelotão e lá atrás foi o caos, com inúmeros acidentes.

Uma situação muito perigosa, sucedeu na ADAC Formula Masters, em Sachsenring 2012, quando um despiste levou à entrada de um veículo para remoção do monolugar da gravilha, mas houve uma qualquer falha de comunicação e os pilotos em pista continuaram a corrida como se nada fosse. Resultado, vários despistaram-se e um deles embateu violentamente no enorme VW Touareg parado em cima do corretor, num incidente que poderia ter acabado mesmo muito mal, não só para o piloto do monolugar como também para os Comissários que tentavam rebocar o carro antes acidentado que tiveram de fugir a correr…

GP do Brasil de F1 de 2012, o piloto do carro médico, Alex Ribeiro colocou estrategicamente o seu Mercedes à frente do acidentado Enrique Bernoldi, que tinha acabado de ter um violento acidente com o seu Arrows, mas se hoje em dia a tecnologia permite que os pilotos de F1 saibam com grande rapidez que têm de abrandar em pista, na altura, O Sauber de Nick Heidfeld levou a porta do Mercedes ‘carro médico’, aberta há menos de um segundo. Se o alemão viesse uns metros mais atrás, ter-se-ia dado uma tragédia.

Há imensas histórias que podiam ser contadas, mas hoje em dia, cada vez menos se ouve falar de incidentes deste tipo, pois a ênfase na segurança e em todos os procedimentos é cada vez maior, e a tecnologia também ajuda.

Mas a história do Pace Car/Safety Car também se faz de momentos divertidos, como por exemplo o que sucedeu na NASCAR na Talladega Superspeedway 1986, quando o Pontiac Pace Car foi roubado, sendo de bradar aos céus a imagem de um carro da polícia a perseguir o Pace Car na pista oval…

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