Rampa da Falperra: A subida aos céus minhotos


A Rampa da Falperra vai a caminho da sua 41ª edição. Tempo mais que certo para relembrar algumas das suas ‘estórias’ e como era o ambiente.

Hélio Rodrigues (In Memoriam)

Um pouco de História da Rampa da Falperra

A Rampa da Falperra é a mais antiga prova de automóveis que ainda hoje se realiza em Portugal. As duas primeiras edições foram em 1927 e em 1931, mas a atual numeração apenas começou a contar a partir da edição de 1950.

A partir de 1976, realizou-se anualmente, por tradição em Maio, com exceção de 1984, quando se disputaram duas edições no mesmo ano – uma, em Maio, apenas ‘nacional’ e a outra para o Europeu. Foi também em 1976 que se adotou a traçado que ainda hoje é usado, um percurso de 5.200 metros, pela EN 309, entre Braga e o Santuário do Sameiro, com um desnível de 272 metros. A rampa é bastante rápida, com médias que hoje passam dos 160 km/h. O recorde foi estabelecido no ano passado, por Simone Faggioli (1m51,365s), com uma média de 168 km/h. O seu traçado tem zonas onde se atingem mais de 220 km/h e algumas curvas emblemáticas, como a ‘Curva da Morte’ e a ‘Curva do Papa’, um ‘gancho’ à direita, poucos metros antes da meta, onde se chega bastante depressa e que exige uma travagem violenta e espetacular.

A Rampa da Falperra, que começou a ser organizada pelo Clube Automóvel do Minho (CAM)em 1976, passou a integrar o calendário do Campeonato da Europa de Montanha em 1978. Entre 2002 – depois de perder a transmissão televisiva em direto e por dificuldades económicas – e 2009 não realizou, regressando em 2010 e entrando de novo no roteiro do Europeu no ano seguinte.

A minha primeira vez…

A ‘minha’ primeira Rampa da Falperra foi em 1988. Depois disso, regressei lá vários anos, a última dessas vezes já no final da década de 90.

Foram anos preciosos, com recordações onde se misturam o cheiro dos cedros do parque do Santuário, lá no alto, com o óleo dos motores, os fritos das vendas de churros e de cachorros quentes e o cheiro a adrenalina. Pura e dura, a que os pilotos correspondiam com decisão, nas derrapagens controladas a roçar os ‘rails’, rugindo e uivando rampa a cima.

Logo cedo, cinco e meia da manhã, pouco mais, era o barulho dos motores a aquecerem, antes dos pilotos seguirem até à zona de partida, para as primeiras subidas de ‘aquecimento’. Algumas delas, feitas com carros ‘de série’ – alugados, para poderem ‘fazer a barba’ aos ‘rails’ sem que depois fosse preciso reparar a pintura. Mas não só: até carros americanos lá vi, a soprarem estrada acima, noite afora, para desespero de alguns polícias.

A Curva do Papa – primeiro, sem a estátua, depois com ela – era ‘O’ verdadeiro emblema da rampa. Aos milhares, as pessoas amontoavam-se nas bermas, no largo em declive, em cima das árvores, no cocuruto do pobre Papa. O espetáculo, ali, era garantido – uma vez, logo em 1988, lembro-me de uma longa ‘atravessadela’, perfeitamente controlada, do ‘Pêquêpê’, com o BMW M3 com as cores da Poligrupo. O [fotógrafo do ‘Motor’ nessa altura] Rui Reis fixou para sempre esse momento – de tal forma belo, que a própria Poligrupo a incluiu mais tarde, nos seus panfletos de publicidade! Não sei se o Rui recebeu alguma coisa por isso…

Lembro-me, também, do tal mecânico do Stenger, a fazer-se pequeno, no meio das ‘barchettas’, que eram demasiado baixas para si… só que, nessa altura, a ‘bomba’ do ‘volante de titânio’ ainda não tinha rebentado e eu não percebi o porquê do seu encabulamento.

Ou de um certo ano (não me lembro qual), em que caiu uma chuvada tão forte e gelada, repentina, uma espécie de ‘anoitecer’ precoce e súbito, em que a temperatura baixou em menos de cinco minutos uns dez graus e a água inundou o parque de chegada – de tal forma, que entrou para dentro do Renault Mégane com que eu fiz nesse ano a viagem desde Lisboa, através das portas!

No ano do acidente do Manuel Barbosa, saí da Falperra já de noite – mas com tudo escrito. E fui jantar na descida junto ao parque turístico, um belo de um ‘Bacalhau à Moda de Braga’…

E por falar em comida, que bem sabia o ‘Polvo Panado’ do restaurante ‘A Ceia’, por trás do Hotel Turismo – tenríssimo, fresquíssimo, que acompanhava de um ‘Alvarinho’ gelado. Vinha de Marrocos, disse-me uma vez a dona do espaço que garantia que uma das exigências estava no calibre dos braços do dito. Um dia destes hei-de lá voltar – não sei se em trabalho, ou só para comer os tais panadinhos de polvo…

Um volante das “Arábias”

A 18ª edição da Rampa da Falperra, em 1988, ficou marcada por um episódio, no mínimo caricato. Mas também reflexo fiel daquilo que os pilotos e concorrentes conseguem engendrar para chegarem ao triunfo…

Nesse ano, contrariando a supremacia que Mauro Nesti vinha exercendo consecutivamente desde 1985, quem acabou por fazer o melhor tempo (isto é, a soma mais baica dos dois tempos mais rápidos) foi outro italiano, mas com nome alemão: Herbert Stenger. Ao volante de um Osella, foi fazendo os melhores cronos subida após subida, mas o seu comportamento chamou a atenção dos outros pilotos. Que, no final da última subida, decidiram agir protestando o carro do seu adversário. E tinham razão: o Osella de Spengler, que pertencia à Categoria 3, onde o peso mínimo era de 640 quilos, acusou ‘apenas’ 623 numa das pesagens e, noutra, 624!

Ao AutoSport, Andrés Vilariño, o piloto que se mostrava “mais exaltado”, explicou que, “logo na primeira subida, o Adriano Parlamento [outro concorrente] desconfiou [do fato] de o Stenger ter colocado um mecânico no trajeto entre a meta e o parque fechado [com] um volante dentro do saco.” Na realidade, embora nenhum dos pilotos tivesse visto o piloto mudar de volante naquele local e de, quando lhe disseram que existia a possibilidade de a organização mandar pesar os carros no final as subidas ele “ter saído da reunião queixando-se de dores de estômago”, outro acaso despoletou a reação unânime dos principais pilotos do ‘Europeu’: “Eu já estava de sobreaviso” – contou ainda Vilariño “e, quando vi, num local isolado, de novo o tal mecânico do Stenger, parei e fiz marcha-atrás. [O mecânico] Perguntou-me o que estava ali a fazer e, entretanto, chegou o Stenger, que vinha logo atrás de mim e o fato é que o mecânico fez-lhe sinal para ele seguir.”

Já em pleno parque fechado, os pilotos descobriram o mecânico, a procurar esconder-se, com o referido saco “com um volante lá dentro, que seria muito mais pesado.” E que seria trocado no percurso entre a meta e a última curva antes do parque fechado, pois o volante com que Stenger subia a rampa, segundo se dizia, era feito de… titânio e pesava menos uns bons quilos a menos!

Com tudo isto, Herbert Stenger acabou por ser desclassificado e o bom do Mauro Nesti voltou a vencer a rampa – pela quarta vez consecutiva!

A morte saiu à rua nesse dia

Uma das caraterísticas da Rampa da Falperra sempre foi o muito público presente ao longo dos dez quilómetros do percurso – cinco de cada lado da estrada, se assim quisermos. Edições houve em que se chegou a falar de 140 a 150 mil pessoas –e a tarefa do CAM não era nada fácil, para tentar que tudo corresse dentro da maior segurança possível. Mas se, em termos técnicos e de gestão policial, tudo correu sempre bem, com filas duplas, triplas ou mesmo quádruplas de ’rails’ metálicos, nas zonas mais perigosas ou problemáticas, a verdade é que, por vezes, as coisas não correm conforme se espera – e se trabalha para isso.

A 24ª edição, em 1995, foi um desses exemplos. Tristes: durante a segunda subida do troféu VW Golf GTI, Manuel Barbosa [irmão de João Barbosa], que já tinha batido por duas vezes, embora de forma ligeira, durante as subidas de qualificação, perdeu o controlo do carro quando tentava acompanhar o andamento de Hermano Sobral, que estava a ser o mais rápido e viria mesmo a vencer a prova, na frente de António Bayona: “Arrisquei. Estava a tentar encurtar a diferença de 1,5 s para o Hermano.” – explicou depois o piloto.

Na zona mesmo antes da Curva do Papa, num sítio em que se sai de uma ligeira curva feita a fundo [em 5ª], Barbosa perdeu o controlo do carro, que bateu com violência nas barreiras de metal de um lado, sendo catapultado para o outro, caindo sobre as pessoas que assistiam à prova. O acidente foi transmitido em direto pela RTP e a prova foi de imediato suspensa.

O primeiro balanço, feito pela organização, falava em mais de 30 feridos – mas depois soube-se que existiam dois mortos: Adelino Martins Oliveira, 17 anos, de Sequeira [Braga] e agostinho Manuel Vilarinho, de 22 anos, de Famalicão e piloto amador de ralicross. Um dos feridos, uma jovem de 18 anos, Isabel Maria Machado, sofreu ferimentos graves, mas eventualmente recuperou. Além desta, mais cinco pessoas ficaram feridas mas sem gravidade.

Posteriormente, um comunicado emitido pela organização esclarecia que o acidente “ocorreu numa zona interdita ao público, mas que, indevidamente, se encontrava pejada de assistência.” Na verdade testemunhos ouvidos mais tarde, garantiram que as vítimas mortais estavam na parte dos ‘rails’ voltada para a estrada!

A prova foi reatada muito depois, com os pilotos das categorias que faltavam – Citroën AX, Toyota Carina E e BMW – a subirem em ritmo de passeio, pois recusavam-se a realizar a segunda subida, alegando não existirem condições de segurança e morais para tal.

PALMARÉS

I Rampa da Falperra (1927) – Alfredo Marinho Júnior

II Rampa da Falperra (1931) – Alfredo Marinho Júnior

1ª Rampa da Falperra (1950) – José Cabral (Allard)

2ª Rampa da Falperra (1951) – Conde de Monte Real (Ford)

3ª Rampa da Falperra (1960) – José Lampreia (Triumph)

4ª Rampa da Falperra (1976) – Clemente Ribeiro da Silva (Opel), 2m34,25s

5ª Rampa da Falperra (1977) – Mário Silva (Ford), 2m31,74s

6º Rampa da Falperra (1978) – António Barros (Opel), 2m32,89s

7ª Rampa da Falperra (1979) – Alberto González (SEAT), 2m21,55s

8ª Rampa da Falperra (1980) – António Barros (Porsche), 2m18,81s

9ª Rampa da Falperra (1981) – Joaquim Moutinho (Porsche), 2m17,68s

10ª Rampa da Falperra (1982) – Alberto González (SEAT), 2m21,68s

11ª Rampa da Falperra (1983) – Alberto González (SEAT), 2m17,66s

12ª Rampa da Falperra (1984) – Mário Silva (BMW M1), 2m16,16s

13ª Rampa da Falperra (1984) – António Rodrigues (Lancia 037 Rallye), 2m16,73s

14ª Rampa da Falperra (1985) – Mauro Nesti (Osella/BMW), 4m10,719s

15ª Rampa da Falperra (1986) – Mauro Nesti (Osella/BMW), 4m10,804s

16ª Rampa da Falperra (1987) – Mauro Nesti (Osella/Cebora), 4m09,277s

17ª Rampa da Falperra (1988) – Mauro Nesti (Osella/Cebora), 4m07,422s

18ª Rampa da Falperra (19/21 de Maio de 1989) – Mauro Nesti (Osella/Cebora), 4m07,323s

19ª Rampa da Falperra (11/13 de Maio de 1990) – Andrés Vilariño (Lola T298/Repsol), 4m34,947s

20ª Rampa da Falperra (17/19 de Maio de 1991) – Andrés Vilariño (Lola T298/BMW), 4m02,336s

21ª Rampa da Falperra (15/17 de Maio de 1992) – Andrés Vilariño (Lola T298/BMW), 4m01,205s

22ª Rampa da Falperra (7/9 de Maio de 1993) – Rudiger Faustman (Faust/BMW), 4m00,014s

23ª Rampa da Falperra (13/15 de Maio de 1994) – Francisco “Paco” Egozcue (Osella A9/BMW), 4m30,694s

24ª Rampa da Falperra (19/21 de Maio de 1995) – Rudiger Faustman (Faust/BMW), 3m56,024s

25ª Rampa da Falperra (17/19 de Maio de 1996) – Fabio Danti (Osella/BMW), 4m57,543s

26ª Rampa da Falperra (9/11 de Maio de 1997) – Rudiger Faustman (Remus Faust/Opel), 4m21,312s

27ª Rampa da Falperra (15/17 de Maio de 1998) – Irlando Pasquale (Osella PA20/BMW), 4m01,104s

28ª Rampa da Falperra (14/16 de Maio de 1999) – Franz Tschager (Lucchini/BMW), 4m40,585s

29ª Rampa da Falperra (19/21 de Maio de 2000) – Franz Tschager (Osella/BMW), 3m55,300s

30ª Rampa da Falperra (18/20 de Maio de 2001) – Franz Tschager (Osella/BMW), 4m07,600s

31ª Rampa da Falperra (2010) – Andrés Vilariño (Noma M20), 2m05.906s

32ª Rampa da Falperra (2011) – Fausto Bormolini (Reynard K02), 1m57,754s

33ª Rampa da Falperra (2012) – Simone Faggioli (Osella FA30/BMW), 1m56,900s

34ª Rampa da Falperra (2013) – Simone Faggioli (Osella FA30/BMW) – 1m51,365s

35ª Rampa da Falperra (2014) – Simone Faggioli (Norma M20 FC) – 1.50.386

36ª Rampa da Falperra (2015) – Simone Faggioli (Norma M20 FC) – 1.49.364

37ª Rampa da Falperra (2016) – Pedro Salvador (Norma M20 FC) – 4.38.1531

38ª Rampa da Falperra (2017) – Simone Faggioli (Norma M20 FC) – 1:48.686 (recorde)

39ª Rampa da Falperra (2018) – Simone Faggioli (Norma M20 FC9 – 3.38.2191

40ª Rampa da Falperra (2019) – Christian Merli (Osella FA 30 Zytek) – 3:35.0131

41ª Rampa da Falperra (2021) – Christian Merli (Osella FA30 Zytek) – 1:02.033

Nota: Sempre que os registo fiquem acima de 3 ou 4 minutos, trata-se do sSomatório do tempo das duas melhores subidas.

Na edição de 2016 os principais pilotos do Campeonato Europeu (protótipos) resolveram desistir devido à muita chuva.

Na edição de 2021, o traçado da rampa foi encurtado para 2970 m, daí o registo de pouco mais de um minuto.

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