Agrupamento B do CNV/1984: Crónica de uma morte anunciada


O Grupo B permitiu a alguns GT antigos continuarem nas pistas nacionais depois dos novos regulamentos para carros de turismo em 1982. Mas rapidamente ficou claro que esta

categoria não tinha futuro, morrendo em 1984, com António Rodrigues a poder ainda sagrar-se campeão, numa luta que durou até ao fim.mario-silva-antonio-taveira-vila-do-conde-1984

Conheço um grande fã de corridas de endurance (com uma especial predileção por modelos da marca Porsche) que lembra com alguma saudade o Agrupamento B do Campeonato Nacional de Velocidade. Para ele, durante anos, esta foi a última oportunidade que houve para se ver GT a sério a correr nas pistas nacionais. A última temporada teve lugar em 1984 e António Rodrigues foi campeão, ao volante de um Lancia Rally 037, um carro mais apropriado para ralis do que para pistas. Mas esta temporada teve poucos motivos de interesse, para além da luta pelo título que envolveu os três verdadeiros carros de Grupo B presentes (o Lancia e dois BMW M1), face a modelos menos competitivos que apenas cumpriam o papel de preencher as grelhas de partida, enquanto três provas não marcaram pontos por não haver participantes suficientes. Esse fã defende que a entidade federativa (na altura, a CDN) foi a grande responsável pelo desaparecimento do Agrupamento B, ao seguir escrupulosamente os ditames da FISA sobre a eliminação dos antigos carros de Grupo 5 e o período de transição de dois anos. Mas, em última análise, era fácil perceber que não havia muito espaço para evolução.

Mesmo os Grupo 5 teriam ficado cada vez menos competitivos e mais difíceis de manter e o Grupo B deu origem a poucos carros que pudessem fazer carreira nas pistas, tanto que nem sequer se tornaram um complemento viável às dezenas de sport-protótipos que corriam no Campeonato do Mundo de Endurance. O BMW M1 e o Porsche 911 SC, que começaram dentro do Grupo 4 antes de receber novas fichas de homologação, eram bem mais lentos que os novos Grupo C, e o Porsche 959 (único verdadeiro GT homologado em Grupo B, depois da desistência da Ferrari em fazer o mesmo com o 288 GTO) nunca esteve disponível para privados, e também não devia ser nada baratinho.

Portugal apenas seguiu a mesma moda de outros campeonatos nacionais. Na Alemanha, o DRM (Deutsche Rennsport Meisterschaft) evoluiu imediatamente para o DSPM, para sport protótipos. Os antigos Grupo 5 viram-se engolidos pelos carros novos, enquanto os GT de Grupo 4, mesmo com uma classe só para eles no Deutsche Rennsport Trophäe (divisão secundária do DRM), falharam em atrair não só o público mas também o interesse da televisão. Em 1983, só sobraram alguns BMW M1 na companhia de carros antigos de Grupo 2 de baixa cilindrada, e em 1984 o campeonato passou a ser o DTM. Os britânicos viram alguns Grupo 4 e 5 a complementarem a grelha dos Thundersports, em 1983, mas em 1984, este campeonato com um formato open era só populado por protótipos, desde Grupo C a Sports 2000, passando por Can-Am e Grupo 6. No BTCC, as marcas aderiram em massa aos carros de turismo logo de início.

Mesmo os franceses, que tinham uma regulamentação bem mais liberal que a FISA, e até permitiam a participação do Porsche 924, ignoraram os GT. Apenas os americanos

continuaram a permitir algo parecido aos Grupo B, nas categorias GTO e GTU da IMSA. Em Portugal foi assim Com o Autódromo do Estoril em obras, a temporada do CNV de 1984 começou na Serra da Estrela, com a Rampa Iophil, que foi disputada a 25 de março. Antes do início do campeonato, a CDN tinha logo acabado com as divisões até 1300 cm3. Como era costume na época (e nalguns casos não mudou), muitos pilotos estavam atrasados com a preparação dos carros.

1984_antonio-rodrigues-vila-real-1984

Apenas quatro carros de Grupo B

responderam à chamada, pelo que a Rampa não pontuou para o campeonato, e apenas um carro competitivo esteve presente, o Lancia Rally 037 de António Rodrigues, que não teve problemas em dominar o Porsche de André Martinho (um carro praticamente de série). Aliás, a diferença do carro de Rodrigues para os outros três foi descrita na reportagem do Autosport na altura como “abismal”. Na Rampa da Pena, ainda foi pior. Somente três carros estiveram em prova, mas pelo menos Mário Silva já apareceu no BMW M1 que tinha adquirido a Daniel Vidal. Ainda assim, não houve luta, pois Silva teve problemas quando o extintor se soltou dentro do seu carro, e o piloto reconheceu que nunca teria ficado a menos de dois segundos do Lancia de António Rodrigues. A prova também contou para o Nacional de Iniciados, onde não havia campeonato previsto para os Grupo B, mas mesmo assim participaram dois. É pena que na altura a Europa não estivesse familiarizada com o conceito americano de Rookie of the Year pois estes carros podiam ter feito com que a prova marcasse pontos, e António Barros acabaria por provar durante o ano que o seu Renault 5 Turbo podia ter sido uma adição interessante ao campeonato, face aos vetustos Ford Escort RS.

Algo aconteceu na Rampa do Caramulo que viria a ser repetido durante o ano e que permitiu a algumas rampas serem válidas para as contas do campeonato: a participação do Troféu Citroën Visa. Os Visa Chrono eram carros de Grupo B, e embora tivessem a sua própria competição, nas rampas também estavam integrados nas classificações gerais. A história foi curta, mesmo com Rodrigues a apontar algumas dificuldaes com o Lancia, mas até bateu o recorde do traçado e deixou os dois BMW presentes, de Mário Silva e António Taveira a uma distância confortável. Entretanto, os Citroën Visa, cujo melhor representante foi Rufino Fontes, ‘afogaram’ os dois Ford Escort presentes. Foi mais do mesmo uma semana depois, em Portalegre, que, tal como o Caramulo, teve a chuva a atrapalhar os pilotos. Mário Silva acreditou que, nesta prova, era possível ter lutado com António Rodrigues, mas tinha dificuldade em colocar os 400 cv do M1 no chão e o piloto do Lancia voltou a vencer. Os Visa de troféu, cujo melhor representante foi ‘Larama’, foram todos mais rápidos que o Escort de Carlos Silva. O primeiro triunfo de Mário Silva veio a seguir na Rampa da Arrábida, prova extracampeonato mas a 10 de junho as obras no Estoril tinham finalmente terminado e pôde realizar-se a primeira jornada do ano em circuito. E aqui o Lancia mostrou finalmente as suas fragilidades, como um carro completamente desadequado para pistas, com pouca velocidade de ponta na reta da meta, pelo que não foi além do terceiro posto. A corrida, disputada ao fim da tarde, teve pouco interesse e Mário Silva deixou António Taveira para trás com facilidade, enquanto os outros carros, como o Escort de Carlos Silva e o Visa de José Montês, mais não serviam do que para chicanes móveis ao serem dobradas pelos três primeiros.

antonio-rodrigues_1984

Tentar dar a volta Depois do triunfo no Estoril, Mário Silva finalmente venceu pela primeira vez numa rampa do Nacional, na Falperra, que tinha um traçado mais rápido que qualquer outra prova de montanha. A prova minhota era muito popular e teve 75 inscritos, mas para o Grupo B foram mais uma vez os Visa de troféu a engrossar a lista. Silva foi cauteloso nos treinos mas na prova conseguiu revidar e deixou Rodrigues a dois segundos e Taveira a quatro. Nos Visa, Rui Lages foi rei e senhor na sua prova caseira. Fora o Escort de Francisco Couceiro, os carros franceses foram mais competitivos que a maioria dos outros Grupo B. A prova seguinte, em Vila do Conde, devia ter tido mais inscritos para aproveitar a enchente habitual mas a Taça do Jubileu, nome da prova de Grupo B, acabou por ter apenas quatro carros à partida. Mário Silva foi abalroado por um camião publicitário na pré-grelha, e para não perder pontos, Silva retirou Rui Choças, que usava o seu antigo Ford Escort, da grelha. Com apenas quatro carros, a organização reduziu o tamanho da corrida de 20 para 10 voltas e António Taveira dominou com facilidade, enquanto os outros carros fizeram corridas solitárias. Em Vila Real, para evitar esta situação, a organização juntou os Grupo B com os Grupo N, que também tinham poucos participantes. Ironicamente, alguns destes eram mais competitivos que os Grupo B mais antigos. A corrida foi atrasada em 45 minutos devido a problemas com os semáforos e Taveira despistou-se na primeira volta. Silva logo deixou o Lancia de Rodrigues para trás e venceu mais uma vez mas no final da corrida, os dois pilotos dos BMW protestaram-se mutuamente, e verificou-se que ambos os carros estavam ilegais.

Na semana seguinte, foi hora do regresso a Vila do Conde, com os resultados da prova anterior ainda por confirmar. Mário Silva mandou o seu carro para a Alemanha para a BMW o colocar nos conformes e correu com o antigo Ford Escort, pelo que Rodrigues dominou no Lancia, mesmo com problemas mecânicos no final. Carlos Silva, que tinha feito a pole position pois os mais rápidos não participaram na qualificação, conseguiu um segundo lugar a que normalmente não poderia aspirar, com o arcaico Escort RS.

Em agosto apenas se fez uma prova extra em Viana do Castelo, pelo que o CNV ficou de férias até setembro. Devido à candidatura ao Europeu de Montanha, o CAM teve autorização para realizar uma segunda Rampa da Falperra. Mário Silva bateu nos treinos com o M1 e não participou na prova, permitindo a Rodrigues dominar a prova, com 13 segundos de vantagem sobre António Barros, no seu Renault 5 Turbo, finalmente a participar no CNV. Desta feita, alguns dos Escort e o Chevette ex-Rui Lages foram mais rápidos que os Visa de troféu. Entretanto, passaram-se mais dois meses, devido ao regresso do GP de Portugal de F1 e o CNV só terminou em novembro. Mário Silva e António Taveira haviam sido castigados durante seis meses, dando o título a António Rodrigues. O Lancia ficou em casa e o recémcoroado campeão usou um Ford emprestado, não se

preocupando em dar luta ao BMW M1 que Mário Silva emprestou a Manuel Mello Breyner. António Barros tentou acompanhar Rodrigues mas durante a corrida o Renault 5  Turbo não aguentou o mesmo ritmo. E assim terminou a última época do Agrupamento B, com apenas três carros competitivos e sem grandes perspetivas de crescimento para o ano seguinte. Algumas semanas depois, a CDN anunciou o calendário de 1985 sem campeonato reservar um lugar para estes carros, o que não foi propriamente uma surpresa para ninguém, mas ocasionalmente, nessa mesma época, surgiram alguns em rampas, sem pontuar.

António Rodrigues, campeão, uma escolha improvável

Inicialmente, comprei o Lancia Rally para fazer o Campeonato Nacional de Ralis. Mas quando fui fazer o Rali de Portugal, descobri que tinha alguns problemas de afinação no carro, e não tinha grande disponibilidade para fazer o campeonato todo. Então, escolhi passar para a Velocidade, uma opção mais económica. Achei que o carro tinha algumas possibilidades de ser campeão, ainda que soubesse que estavam lá os BMW M1, que tinham mais 100 cv que o meu. Nas Rampas, o carro tinha mais possibilidades de vencer, até porque me recordo bem das minhas vitórias nestas provas. Em circuito era mais difícil para mim, mas de vez em quando conseguia ganhar com algumas dificuldades. Isto aconteceu porque o Lancia tinha uma fiabilidade muito boa, nunca tive grandes problemas. Aliás penso que cheguei ao fim de todas as provas e consegui marcar pontos,

manter a regularidade até ao fim e ganhar o campeonato. Os M1 eram mais competitivos, mas chegaram a ter problemas, como uma prova em que os dois se protestaram um ao outro. Penso que tive alguma sorte mas o Lancia provou ser uma boa solução. No final, a federação acabou com o campeonato para os Grupo B e eu vendi o Lancia. A assistência para ele era difícil e não foi possível resolver alguns problemas que eu tinha. Preferi passar para o Grupo A no ano seguinte, e comprei um Volvo 240 Turbo, vindo diretamente da Suécia.

Paulo Manuel Costa

.

Ativar notificações? Sim Não, obrigado