Rali dos 1000 Lagos: GP de Jyvaskylä


Até 1954 chamou-se ‘Jyväskylän Suurajot’ ou ‘Grande Prémio de Jyväskylä e mais tarde passou a ser conhecido como Rali dos 1000 Lagos. Hoje em dia é apenas o Rali da Finlândia. Mas foi sempre, um dos melhores ralis do mundo. Conheça algumas das melhores histórias

Primeiro, era a ‘Mãe de Todas as Provas’. Depois, até 1954, chamava-se ‘Jyväskylän Suurajot’ – ou ‘Grande Prémio de Jyväskylä. Entre esse ano e 1996, foi conhecido como Rali dos 1000 Lagos – ou ainda é, para muitos, apesar de ser o Rali da Finlândia. Uma prova diferente, espelho de um país também diferente, cheio de mitos e de lendas… diferentes. E, também, de costumes bizarros. No mínimo.

If you want to win, you need the Finn’. É assim que faz sentido, em inglês. Mas a sua tradução diz tudo, sobre a prova mais rápida do WRC: ‘Se queres vencer, tens que ser finlandês.’ Isso valeu até 1990, quando Carlos Sainz destronou os orgulhosos nórdicos. Hoje em dia, esta é uma verdade cada vez mais distante: nomes como os dois Sébastien (Loeb e Ogier) e, depois da Citroën, desde há uma mão cheia de anos, a VW, também o provou.

Sempre a fundo

Se tem dúvidas sobre as velocidades atingidas nas estradas florestais de Finlândia, basta ver algumas imagens no youtube. Mesmo assim, poucos sabem, de memória, que o Mini (o antigo, não o atual MINI) também venceu nos Mil Lagos. Foi em 1965, o carro não dava 200 km/h, como o atual, mas era ágil e, entre 1965 e 1967, sempre com Timo Mäkinen, conseguiu um delicioso ‘hat trick’. Além disso, foi em 1965 que os organizadores revelaram pela primeira vez o percurso e permitiram os primeiros reconhecimentos aos pilotos.

A especificidade da prova ficou mais que provada em 1977. Nesse ano, com a nata dos finlandeses em hecatombe cerrada, um ilustre (nas fronteiras do seu país) desconhecido

aproveitou para saltar para a ribalta. Alguém se lembra do seu nome? Kyösti Hämäläinen. Na altura com 31 anos, conhecia cada curva quase como as palmas das suas mãos, tantas foram as vezes que treinou a prova! E soube bem aproveitar-se desse (muito) maior conhecimento, para assinar a sua única vitória no WRC.

A Finlândia foi também palco de outras coisas. Como por exemplo, da primeira vitória de um Peugeot 205 Turbo 16 no WRC – e, já agora, de um verdadeiro Grupo B – e não um carro de estrada evoluído, como eram os primeiros Audi Quattro. Sucedeu em 1984, pelas mãos de Ari Vatanen. Finalmente, em terra de recordes, podemos terminar em beleza. Em 2003, no famoso troço de Ouninpohja – o tal que tem 77 saltos… – Märkko Martin, o estónio que acabou por vencer a prova nesse ano, bateu todos os “Finlandeses Voadores’, ao estabelecer uma marca, num dos saltos desse troço, que não mais terá sido batida: ao volante de um Ford Focus WRC, voou 57 metros, elevando-se quase dois acima do solo! Chega para lhe fazer nascer água na boca?

O rali que nasceu… em Monte Carlo

Se Em 1950, quando as vagas de pilotos finlandeses disponíveis para participarem no Rali de Monte Carlo, rapidamente (e uma vez mais…) se esgotaram, um grupo de pilotos preteridos começou a pensar, chegando a uma ideia: fazer uma seleção, para permitir que os pilotos finlandeses que não tinham conseguido correr no ‘Monte’ fizessem uma prova, a que chamaram ‘A Mãe de Todos os Ralis’. Isso foi em 1950 e o evento teve lugar em Hanko, no sul do país. Mas, no ano seguinte, a sede mudou-se para Jyväskylä e a prova começou a ser conhecida pelo ‘Grande Prémio de Jyväskylä’, até adotar, em 1954, a designação que a tornou famosa – e pela qual ainda hoje ela é muitas vezes chamada: Rali dos Mil Lagos. Só mais tarde, em 1997, com as exigências do WRC em que cada prova levasse (a exemplo da F1…) o nome do país organizador, a prova passou a chamar-se Rali da Finlândia.

A primeira edição, que decorreu em 1 de setembro de 1951, teve à partida um total de 26 carros inscritos, dos quais 23 chegaram ao final. Com um total de 1.666 km, percorridos em linha, a prova ultrapassou o Círculo Polar Ártico. Basicamente, decidiu-se em duas especiais, que funcionaram como parte desportiva pura e dura: uma rampa, na zona de Kuopio Puijo e uma prova de aceleração e travagem, em Harjukatu, uma das ruas da cidade de Jyväskylä. O vencedor foi o herói local, Arvo Karlsson, com um Austin Atlantic.

O corajoso ‘Señor Sainz’

Entre 1951 e 1989, o Rali dos Mil Lagos foi um feudo intransponível dos pilotos nórdicos. Finlandeses e suecos foram-se revezando no pódio da vitória, criando a lenda – cada vez mais sólida – de que a prova era só para os pilotos locais. E isso, até 1989, foi mesmo verdade: nunca um estrangeiro (leia-se, um europeu do sul ou um latino…) conseguiu a ousadia de bater os pilotos nórdicos.

Em 1990, esse mito foi derrubado, de uma forma sólida, por um tal Carlos Sainz. Depois disso, nada foi como dantes – e outros houveram que, do sul, já ganharam a prova. Como os dois Sébastien – Loeb, em 2008, 2011 e 2012 e Ogier, em 2013. Kris Meeke, em 2016. E, em 1992, outro gaulês, chamado Didier [Auriol]. Mas o que sucedeu em 1990, para Carlos Sainz ganhar na terra das auroras boreais? Para ganhar, entenda-se, aquela que muitos consideram a mais importante das 26 vitórias de Sainz no WRC. Em primeiro lugar, essa vitória esteve vai não vai para… não acontecer: Na véspera da prova, quando fazia ‘footing’ com o inseparável navegador e amigo, Luís Moya, deu um mau jeito com o pé esquerdo (aquele que ele usava para travar e colocar o carro para as curvas…), torcendo-o e apresentando-se à partida com uma sapatilha calçada, pois o pé não cabia nas habituais botas de competição.

Curiosamente, os finlandeses viram aquilo e… não acreditaram que o madrileno se tivesse ferido: diziam que fazia parte da sua guerra psicológica, para desestabilizar os rivais! Mas não era nada disso – e não foi nada que desestabilizasse o próprio Sainz que, até ele se atrasar com o cabo do acelerador partido, protagonizou um soberbo braço de ferro com Juha Kankkunen. Pelo meio, teve que bater não apenas as dores (correu infiltrado, mas mesmo assim isso não foi suficiente…) e a chuva, que tornou o piso ainda mais escorregadio e traiçoeiro. Ganhou quatro dos seis troços, enquanto ‘KKK’, a correr literalmente em casa, venceu dois…

Depois, encontrou pelo caminho outro finlandês – Ari Vatanen, com um Mitsubishi Galant VR-4 oficial. Juntos, imprimiram um ritmo tal, que depressa se afastaram de todos os outros. No final da segunda etapa, Sainz estava na frente do seu adversário apenas 16”. No entanto, Sainz, que assumiu o comando na 10ª PEC, quando Kankkunen se atrasou, nunca deixou de liderar a prova, terminando com 19” de vantagem sobre Vatanen e a quase cinco minutos (!) de Kenneth Eriksson (Mitsubishi Galant VR-4), que foi o 3º. Pelo meio, venceu 15 das 32 classificativas que faltavam disputar, contra sete do futuro eurodeputado. Estava quebrado o último mito do Rali dos Mil lagos: os nórdicos tinham encontrado um primeiro adversário à sua altura. E a história dos ‘Finlandeses Voadores’ começou a entrar em declínio…

Dez mitos que é bom saber sobre o País dos Mil Lagos

A Finlândia e os finlandeses são, por natureza, pensativos, metidos para consigo e misteriosos. Para ajudar a fazer alguma luz sobre este país e este povo que não gosta de divulgar os seus segredos e os seus mistérios, eis dez factos misteriosos sobre a Finlândia. Mas atenção: é muito possível que nem mesmo os finlandeses conheçam estes segredos!

1 – A língua finlandesa possui o maior palindrómico – palavra que tanto pode ser lida de frente para trás, como de trás para a frente; aquilo que, na linguagem numérica, se designa por capicua: ‘saippuakivikauppias’. Quer dizer, em tradução livre, ‘um vendedor metido em trabalhos’.

2 – A Finlândia é o único país do mundo a ter um programa de notícias na rádio totalmente em… Latim! O programa tem uma média de 75.000 ouvintes, a maior parte deles de fora da própria Finlândia.

3 – Os finlandeses adoram fazer competições esotéricas nunca vistas em outra parte do Mundo. Exemplos: saltos de trator (‘Tractor Pulling’, em que um trator faz um arranque a puxar pesos que podem ir até ás 200 toneladas; também existem nos ‘States’ e na Holanda, por exemplo, pelo que não são exclusivos da Finlândia); correr com a esposa/namorada às costas (num percurso de 250 metros de obstáculos, incluindo um fosso de água, em que o prémio é… um barril de cerveja com o mesmo peso do homem!); competições de matar mosquitos; lançamento de telemóveis (até tem um Campeonato mundial e as avaliações dos competidores são feitas pela técnica demonstrada

no lançamento e pela distância!); concertos de guitarra no espaço (em que o jogador toca uma guitarra… inexistente, fazendo apenas os gestos correspondentes no ar…); ou, ainda, um Torneio do Suor, passado dentro das saunas, que são aquecidas cada vez mais, até resistir apenas um elemento, que é o vencedor!

4 – O Pato Donald chegou a ser proibido. Na Finlândia, ele chama-se Aku Ankaa e, uma vez, foi proibido na região de Helsínquia. Apesar de absurda, esta história até é verdadeira: o Pato Donald foi considerado obsceno, por nunca usar calças e viver maritalmente com uma… pata, a Margarida. Mas, quando em 1977 o Conselho Municipal de Helsínquia decidiu proibir a compra dos livros aos quadradinhos do Pato Donald para os centros de juventude, alegou simples motivos económicos. Mas a imprensa aproveitou logo a ‘deixa’ para inventar uma boa história – a de que o Pato Donald estava a corromper a juventude, por ser um mero exibicionista!

5 – A Finlândia comemora oficialmente… o Dia do Fracasso! É a 13 de outubro, dia que, desde 2010, é considerado o Dia Internacional do Fracasso. A ideia por trás desta… ideia foi que toda a gente pudesse aprender com os seus falhanços! Como, por exemplo, o piloto local que, em 1990, 1992, 2008, 2011, 2012, 2013 e 2016, ficou em 2º lugar… Mas, a 27 de julho, é o Dia do Dorminhoco, em que cada família atira a um lago ou a um rio o elemento que se tiver levantado mais tarde nesse dia…

6 – A Finlândia tem a maior multa do Mundo por excesso de velocidade. Uma ironia: a pátria do mais rápido rali do mundo tem a dúbia honra de ter atribuído a maior multa do Mundo por excesso de velocidade. Na Finlândia, as multas são baseadas nos rendimentos do multado e não numa qualquer tabela burocrática e idiótica, como nos outros países, Portugal incluído. Por isso quando, em 2002, o CEO da Nokia, Anssi Vanjoki, foi apanhado em excesso de velocidade na sua Harley Davidson, foi multado em 116 mil euros! Mas não sinta pena dele: isso correspondeu apenas a 14 dias do seu ordenado! Já agora, nas estradas da Finlândia as velocidades são limitadas a 120 km/h nas

autoestradas (100 km/h no inverno), 100 km/h mas estradas asfaltadas e 80 km/h nas de terra e, nas localidades, a 50 km/h. Por isso, não se ‘estique’, quando lá for, ou fica sem ordenado ao fim do mês!

7 – Aquilo que a Finlândia mais exporta nem sequer é finlandês – e, além disso, foi inventado em 1902, quando a Finlândia nem sequer existia como país. Não, não é nenhum telemóvel – mas simplesmente a música que vem com o toque original de qualquer Nokia: esta frase de guitarra a solo, de 11 segundos, faz parte da obra ‘Gran Vals’ e foi composta pelo espanhol Francisco Tarrega (21/11/1852 – 15/12/1909), em 1902. Ouça-a: https://www.youtube.com/watch?v=yq0EmbY3XyI

8 – O nome original do Rali da Finlândia, 1000 Lagos, está fatualmente errado. Faltam os outros 187 mil – o que quer dizer que existem, no território finlandês, qualquer coisa como 188.000 lagos, e não apenas os 1000 do rali! Ou seja, um lago por cada 26 habitantes. Além disso, esses lagos albergam qualquer coisa como 98 mil ilhas, ilhéus e ilhotas…

9 – Uma das mais conhecidas atuais estrelas de Hollywood é em parte finlandês, pelo lado da mãe. Trata-se do ator Matt Damon, que teve uma bisavó chamada Impi Nieminen e cuja trisavó, que emigrou da Finlândia para os ‘States’ em 1869, se chamava Catherine Carlson. Nascido em Cambridge, Massachusetts, a 8 de outubro de 1970, o seu nome completo é, no entanto, Matthew Paige Damon, sem qualquer apelido finlandês! Mas a sua mãe, hoje com 71 anos, chama-se Nancy Carlson-Paige (‘americanização’ de Pajari, o apelido original e que a família mudou quando chegou à ‘Terra Prometida’…

10 – A Finlândia é a pátria do ‘heavy metal’. Os chamados ‘connoisseurs’ do ‘heavy metal’ garantem que esta é uma verdade verdadinha: que o ‘heavy metal’ foi inventado na Finlândia. Na verdade, não há qualquer prova de que isso aconteceu. Eles baseiam essa convicção no facto de que, como as canções das bandas ‘heavy metal’ cantam e encantam coisas como o amor, a arte e o existencialismo (e, já agora, também o ‘blues’, o ‘rockn’n’roll’ e o fado…), o ‘heavy metal’ só pode ser finlandês, pois é isso que os poetas do país também celebram. Ah! Já agora, também a principal banda de ‘rock’ da pesada, chamada Korpiklaani. “Vamos beber até cair/Vamos ficar assim mais espertos/Vamos beber até cair/A realidade é uma dor constante/Quando estamos sóbrios” – diz uma letra deles. Pois!

A catedral de Ouninpohja

O troço de Ouninpohja – que já regressou e saiu várias vezes do itinerário da prova – “é o Arganil lá do sítio!”

A expressão sai da boca de Nuno Rodrigues da Silva. Verdadeira catedral da história dos ralis no país, tem mais de 33 km de extensão, é feita quase sempre a fundo, apesar de quase não ter retas – “As curvas são feitas de pé em baixo!” – afirma Rodrigues da Silva – e dizem que tem 77 saltos, correndo-se a uma média de 130,7 km/h.

“Não sei se tinha 77 saltos ou não – mas que tinha muitos, lá isso tinha, de certeza!” – quem o garante é Nuno Rodrigues da Silva, que fez a prova por três vezes, duas delas ao lado de Rui Madeira. E aproveita para recordar: “Um desses saltos é fabuloso! Não é que seja o mais longo, ou o mais alto. Mas sim que, só quando já vamos no ar, é que percebemos que ali não há estrada!”

E passa a explicar: “A primeira vez em que lá fui com o Rui [Madeira], estávamos nós para entrar no troço e a falar com outros pilotos sobre os saltos e a forma mais certa de os fazer, quando passou por nós o maluco do [Thomas] Radström [sueco, hoje com 49 anos, então piloto da Toyota Finland nesse ano, em que terminou a prova em 6º lugar] e, apercebendo-se da conversa, parou e, muito sério, nos disse: ‘Olhem que há um que nunca devem fazer a fundo!’ ‘Mal qual, pá?’ Ele então lá explicou mas eu, sem saber ao certo qual era, pois eram tantos, comecei a ficar em pânico. E pior fiquei quando chegou o [Juha] Kankkunen e, com aquele ar muito sorumbático, nos confirmou: ‘Not flat out! You must be easy there!’ Já não sabia o que fazer… Então, eu e o Rui lá nos concentrámos nas notas que tínhamos tirado a 20 [km/h] à hora e, a partir do que eles nos disseram, concluímos que era um determinado salto. Mas, ainda na dúvida, decidimos fazer os que [saltos] que estavam perto devagar. Fizemos o primeiro… ‘Este não é!’… Fizemos o segundo… ‘Este também não!’ Até que, de repente, já em pleno voo, até senti um arrepio ao ver que faltava a estrada debaixo dos pés. Ou melhor, das rodas! É uma sensação que não se consegue descrever, levantar voo e, de repente, em pleno ar, lá do alto, descobrir que a estrada não segue em frente, mas sim que tem uma curva para a direita. A nossa sorte é que o Celica era um ‘canhão’ em termos de chassis! E que, felizmente, decidimos não passar ali a fundo… ou então tinha acontecido o mesmo que aconteceu a muitos, tínhamos acabado no meio das árvores!”

Andar a 110 onde se andava a mais de… 210

Foram vários os pilotos portugueses que participaram no Rali dos Mil Lagos/da Finlândia. Desde Armindo Araújo, Bernardo Sousa, Nuno Barroso Pereira ou Ricardo Teodósio. Todos eles deixaram, de uma forma ou de outra, a sua marca, por muito ténue que tenha sido. Mas somente um fez os gélidos e rapidíssimos pisos de terra dentro de um carro de ‘Topo Mais’ e dentro de um carro de ‘Topo Menos’. Não esteve ao volante, é certo – mas sim ao lado, ditando notas e arrepiando-se de salto em salto. Ou talvez não…

O seu nome diz tudo: Nuno Rodrigues da Silva, um dos mais cotados e internacionais co-pilotos de ralis nacionais. Estreou-se na prova finlandesa ao lado de Rui Madeira, em 1996, na sua cruzada mundialista que se seguiu ao título de Grupo N, com um Toyota Celica GT-Four ST205 – e terminou-a em 9º da classificação geral. Um feito espantoso, tanto mais que nenhum deles tinha experiência grada em rodar neste tipo de situações – e, muito menos, tão depressa: “Foi o melhor rali que fizemos juntos! E foi o melhor rali da minha vida! Além disso, foi a confirmação do [valor do] Rui, perante as marcas todas! Se ainda existiam dúvidas sobre aquilo que ele valia, como piloto, elas ficaram esclarecidas todas ali, naquele momento.”

Regressou (regressaram…) dois anos mais tarde, com um mais evoluído Toyota Corolla WRC, mas as coisas não correram tão bem (“Primeiro tivemos um furo, daqueles em que se parte a jante e tudo e, mais tarde, tivemos problemas mecânicos, que nos atrasaram. Mesmo assim, ainda fizemos tempos fabulosos, mas não foi a mesma coisa…”) e foram somente 19º.

Porém, na memória ficou a sua terceira e última viagem à Finlândia – encolhido no escasso habitáculo de uma Renault 4GTL – a mesma que ficou famosa em todo o mundo dos ralis, pelas mãos de António Pinto dos Santos. Nuno Rodrigues da Silva recorda assim essa aventura, que terminou com um “magnífico” 64º lugar final – e 9º na Classe N1: “Começou logo por o presidente do Renault Club da Finlândia nos querer comprar a ‘4 L’, mesmo antes da prova ir para a estrada. E até nos estava a oferecer um valor bem… simpático!

Mas o Pinto [dos Santos, o piloto e dono do carro] disse sempre que não, é claro – isso estava fora de questão! Depois, lembro-me que fizemos toda a aprova a um ritmo ‘violentíssimo’ – de tal forma que o carro-vassoura tinha que parar e ficar à espera que nós passássemos!

Se me perguntarem a velocidade máxima que conseguíamos dar, penso que não passava dos 110/115 km/h – que era o máximo que a ‘4 L’ dava, sem ser a descer e com vento pela popa. Para se fazer uma ideia, quando lá fomos com o [Toyota] Celica, chegámos a andar a 209/210 km/h e fizemos um troço à média de 148 km/h! Coisa impossível com a ‘4 L’, está bem de ver!

Alegremente, lá entrámos no primeiro troço e, no primeiro salto que nos apareceu, continuámos a fundo, como sabia que tinha que ser. O problema não foi o salto – a ‘4 L’ tinha que saltar… e saltou! O problema foi a aterragem: demos um grande salto e, quando voltou ao chão, pensámos que era o fim da ‘4 L’. O choque foi de tal forma que imaginámos logo os parafusos todos a saltar cada um para seu lado… Felizmente, isso não sucedeu mas, depois disso, decidimos não voltar a dar mais nenhum salto – sempre que aparecia um salto, travávamos, lá de cima olhávamos para perceber qual era a zona em que os carros aterravam e, calmamente, passávamos ao lado.

Só que havia um problema: tínhamos levado o Jorge Cunha para nos tirar fotos e ele queria uma foto nossa a dar um salto. Concordámos e combinámos que isso seria possível no [troço de] Ruuhimäki, o mesmo onde está a ser [foi] feito o ‘shakedown’ este ano [e onde Thierry Neuville quase destruiu o Hyundai i20 WRC]. Era um troço curto, com uns dois saltos. Logo no primeiro salto, comecei a gritar para o Pinto: ‘Vai! Vai! A fundo! Este faz-se bem!’ E pumba! A ‘4 L’ saltou… e quase se desconjuntou toda ao bater no chão.

Furioso, o Pinto começou a gritar comigo, a perguntar porque tínhamos feito aquilo e, quando lhe expliquei que era o [Jorge] Cunha que tinha pedido, porque queria uma foto nossa a saltar, ele acalmou: ‘Ah! Bom! Assim ‘tá bem!’ O problema é que o bom do Cunha tinha decidido ir para o segundo salto…. E, assim, não ficámos com nenhuma foto de nós a saltarmos com a ‘4L’ na Finlândia!”

A estreia internacional de Ricardo Teodósio

Não é qualquer piloto que decide fazer a sua estreia internacional num rali tão ‘sui generis’ e difícil como o Rali dos Mil Lagos. Em Portugal, o algarvio Ricardo Teodósio foi um deles – em 2006, ao volante de um Mitsubishi Lancer Evo VII preparado pela Gatmo e com Paulo Primaz como navegador, divertiu-se a valer nas rapidíssimas estradas finlandesas e, ao longo dos três dias de prova, recuperou 61 lugares, para terminar num respeitável 31º lugar da classificação, correspondente à 13ª posição entre os carros de Produção.

Mais tarde, ao AutoSport, confessou que lamentava que a prova não tivesse “mais dois dias”. Então, “o resultado teria sido ainda melhor”. Depois de brilhar na Super-Especial, em que foi o 4º melhor entre os carros de Produção, Teodósio teve uma primeira Etapa cheia de problemas: “Primeiro, soltou-se a ficha de um dos injetores do motor e, depois, partiu-se um tubo de óleo dos travões.” Mesmo assim, acabou-a em 52ª da geral e 22º do Grupo. Na Segunda Etapa, mais confiante, Teodósio subiu 17 posições, mesmo com uma saída de estrada pelo meio que afetou a direção do Mitsubishi e, no terceiro e último dia, sem nada de especial a assinalar, limitou-se a consolidar o melhor resultado possível.

Para a História, ficou ainda uma multa de 115 euros, por excesso de velocidade numa das ligações. E o confessado receio de ter as notas erradas para as velocidades vertiginosas atingidas: “Havia locais em que, nos reconhecimentos, passávamos a 80 km/h e, na prova, atingíamos os 160. Tínhamos notas em que uma curva era de 3ª [velocidade] e, na realidade, fazíamo-la em 5ª! Lembro-me de que ganhávamos vários segundos de uma passagem para outra – numa delas, em certo sítio, atingi os 168 km/h e, na segunda, passei ali a 183 km/h. O pior problema era que nunca sabíamos a velocidade de ataque a uma curva, nunca sabemos se vamos ou não entrar demasiado

depressa. E, se levantávamos demasiado o pé, isso podia prejudicar-nos muito, porque por vezes significava ter uma velocidade máxima na reta seguinte inferior em 20 km/h ao ideal.”

Kimi Raikkonen: ‘Surfar’ de curva em curva

Poderia parecer que, para um piloto habituado a velocidades elevadas, tantas vezes acima dos 300 km/h, ‘surfar’ de curva em curva, de salto em salto, no Rali da Finlândia, a mais de 180 km/h, seria coisa de meninos. Pois bem: nada de mais errado! Que o diga Kimi Raikkonen. O finlandês, depois de deixar a Ferrari e a F1, em 2009, fez duas temporadas completas no WRC, em 2010 e 2011. No primeiro ano, como piloto oficial da Citroën Junior Team; no segundo, montou a sua própria equipa, a ICE 1 Racing – com forte apoio da Citroën, é preciso dizê-lo – e de que era o principal piloto. Nessas duas temporadas, participou no Rali da Finlândia, acabando a prova em 25º em 2010, com um Citroën C4 WRC e, em 2011, classificando-se em 9º lugar, com um mais competitivo DS 3 WRC. Resultados mais do que lisonjeiros, para um piloto cuja passagem pelo WRC ficará para a História pelos seus monumentais acidentes.

E para quem na sua estreia na Finlândia (e, já agora, no WRC), em 2009 (com um FIAT Grande Punto S2000 da Tommi Mäkinen Racing), terminou fora de estrada… de forma espetacular: esta prova – a quarta da sua carreira nos ralis – era a sua primeira em piso de terra, depois de duas em neve e uma em asfalto (na Itália). O favorito da multidão, estava até a ter uma prova interessante, apesar de problemas de motor, quando se despistou e capotou de forma aparatosa, numa longa curva à esquerda com topo na saída, precisamente no mesmo local em que o bem mais experiente Mads Ostberg o tinha feito pouco antes. Na ocasião, estava em 3º lugar na Produção: “Queria muito acabar este rali, mas entrei ali depressa demais, toquei numas pedras e não pude fazer nada. Uma pena!”

Em 2012, já de regresso à F1, a Lotus não lhe deu autorização para participar no Rali da Finlândia, pois havia uma cláusula contratual que não lhe permita atividades motorizadas para lá da F1. “Ainda não estou acabado. Claro que gostaria de regressar ao WRC! Claro que gostaria de voltar a correr na Finlândia!” – disse ele, na altura, aos jornalistas curiosos. Talvez depois de sair, de novo, da F1.

O ‘fado’ dos finlandeses

Portugal tem o fado e esta coisa, que não existe em mais lado nenhum da ‘saudade’. Uma palavra que não existe em mais nenhum lado e que ninguém, nem nenhum povo, consegue compreender sem ser na sua forma original. Ora, os finlandeses também têm a sua palavra muito especial e única: ‘sisu’.

Na verdade, a palavra é tão intensa, significa tanto para eles, que até é uma marca de camiões e de tratores… Imagine-se uma motocicleta ‘tuga’ chamada ‘Saudade’, em vez de ‘Casal’ ou ‘Famel’…

Mas, ao contrário da nossa triste ‘saudade’, significa precisamente o contrário: uma super-determinação, nunca baixar os braços, seguir sempre em frente sem nunca desistir. “É uma coisa impressionante!” – recorda, a propósito, Nuno Rodrigues da Silva. “O ‘sisu’, para os finlandeses, é uma espécie de ‘turbo’, de ‘overboost’, que apenas funciona quando estão em ‘stress’ e lhes dá uma força incrível, que nunca os faz desistir. Nos ralis, eles ficavam implacáveis, era impossível falar com eles, mostravam-se determinados a seguir sempre em frente, a fundo. Nunca baixavam os braços e era impossível passá-los!”

O primeiro que o conseguiu, foi um tal Carlos Sainz, em 1990. “Mais tarde, também o [Sébastien] Loeb e o [Sébastien] Ogier. Mas, falar de Loeb e de Ogier é falar de uma coisa diferente, são ambos de outro mundo!” Historicamente, recordamos que foi este ‘fado’ que, na II Grande Guerra, os fez resistir à invasão das tropas nazis e, depois, comunistas, mantendo-se orgulhosamente invictos – venceram os soviéticos por duas vezes e, no final, resistiram com sucesso à invasão alemã. E não foi preciso inventar aviadores ‘kamikaze’ ou bombas atómicas: bastou-lhes a coragem do ‘sisu’ e milhares de camuflados de quente e acolhedora pele branca… Como a neve!

FIA WORLD RALLY CHAMPIONSHIP 2016 -WRC Finland (FIN) – WRC 28/07/2016 to 31/07/2016 – PHOTO : @World

1951 – Arvo Karlsson/Vilho Mattila (Austin Atlantic)

1952 – Eino Elo/Kai Nuortila (Peugeot 203)

1953 – Vilho Hietanen/Olof Hixén (Allard)

1954 – Osmo Kalpala/Eino Kalpala (Panhard Dyna Z)

1955 – Eino Elo/Kai Nuortila (Peugeot 403)

1956 – Osmo Kalpala/Eino Kalpala (DKW F93)

1957 – Erik Carlsson/Mario Pavoni (SAAB 93)

1958 – Osmo Kalpala/Eino Kalpala (Alfa Romeo Giulietta Ti)

1959 – Gunnar Callbo/Väinö Nurmimaa (Volvo PV 544)

1960 – Carl-Otto Bremer/Juhani Lampi (SAAB 96)

1961 – Rauno Aaltonen/Väinö Nurmimaa (Mercedes-Benz 220 SE)

1962 – Pauli Toivonen/Jaakko Kallio (Citroën DS 19)

1963 – Simo Lampinen/Jyrki Ahava (SAAB 96 Sport)

1964 – Simo Lampinen/Jyrki Ahava (SAAB 96 Sport)

1965 – Timo Mäkinen/Pekka Keskitalo (Mini Cooper S)

1966 – Timo Mäkinen/Pekka Keskitalo (Mini Cooper S)

1967– Timo Mäkinen/Pekka Keskitalo (Mini Cooper S)

1968 – Hannu Mikkola/Anssi Järvi (Ford Escort TC)

1969 – Hannu Mikkola/Anssi Järvi (Ford Escort TC)

1970 – Hannu Mikkola/Gunnar Palm (Ford Escort TC)

1971 – Stig Blomqvist/Arne Hertz (SAAB 96 V4)

1972 – Simo Lampinen/Klaus Sohlberg (SAAB 96 V4)

1973 – Timo Mäkinen/Henry Liddon (Ford Escort RS 1600)

1974 – Hannu Mikkola/John Davenport (Ford Escort RS 1600)

1975 – Hannu Mikkola/Atso Aho (Toyota Corolla)

1976 – Markku Alén/Ilkka Kivimäki (FIAT 131 Abarth)

1977 – Kyösti Hämäläinen/Martti Tiukkanen (Ford Escort RS 1800)

1978 – Markku Alén/Ilkka Kivimäki (FIAT 131 Abarth)

1979 – Markku Alén/Ilkka Kivimäki (FIAT 131 Abarth)

1980 – Markku Alén/Ilkka Kivimäki (FIAT 131 Abarth)

1981 – Ari Vatanen/David Richards (Ford Escort RS 1800)

1982 – Hannu Mikkola/Arne Hertz (Audi Quattro)

1983 – Hannu Mikkola/Arne Hertz (Audi Quattro A2)

1984 – Ari Vatanen/Terry Harryman (Peugeot 205 Turbo 16)

1985 – Timo Salonen/Seppo Harjanne (Peugeot 205 Turbo 16 E2)

1986 – Timo Salonen/Seppo Harjanne (Peugeot 205 Turbo 16 E2)

1987 – Markku Alén/Ilkka Kivimäki (Lancia Delta HF 4WD)

1988 – Markku Alén/Ilkka Kivimäki (Lancia Delta Integrale)

1989 – Mikael Ericsson/Claes Billstam (Mitsubishi Galant VR-4)

1990 – Carlos Sainz/Luis Moya (Toyota Celica GT-Four ST 165)

1991 – Juha Kankkunen/Juha Piironen (Lancia Delta Integrale 16V)

1992 – Didier Auriol/Bernard Occelli (Lancia Delta HF Integrale)

1993 – Juha Kankkunen/Denis Giraudet (Toyota Celica Turbo 4WD)

1994 – Tommi Mäkinen/Seppo Harjanne (Ford Escort RS Cosworth)

1995 – Tommi Mäkinen/Seppo Harjanne (Mitsubishi Lancer Evo III)

1996 – Tommi Mäkinen/Seppo Harjanne (Mitsubishi Lancer Evo III)

1997 – Tommi Mäkinen/Seppo Harjanne (Mitsubishi Lancer Evo IV)

1998 – Tommi Mäkinen/Risto Mannisenmäki (Mitsubishi Lancer Evo V)

1999 – Juha Kankkunen/Juha Repo (Subaru Impreza WRC’99)

2000 – Marcus Grönholm/Timo Rautiainen (Peugeot 206 WRC)

2001 – Marcus Grönholm/Timo Rautiainen (Peugeot 206 WRC)

2002 – Marcus Grönholm/Timo Rautiainen (Peugeot 206 WRC)

2003 – Markko Martin/Michael Park (Ford Focus RS WRC’03)

2004 – Marcus Grönholm/Timo Rautiainen (Peugeot 307 WRC)

2005 – Marcus Grönholm/Timo Rautiainen (Peugeot 307 WRC)

2006 – Marcus Grönholm/Timo Rautiainen (Ford Focus RS WRC’06)

2007 – Marcus Grönholm/Timo Rautiainen (Ford Focus RS WRC’07)

2008 – Sébastien Loeb/Daniel Elena (Citroën C4 WRC)

2009 – Mikko Hirvonen/Jarmo Lehtinen (Ford Focus RS WRC’09)

2010 – Jari-Matti Latvala/Miikka Anttila (Ford Focus RS WRC’09)

2011 – Sébastien Loeb/Daniel Elena (Citroën DS3 WRC)

2012 – Sébastien Loeb/Daniel Elena (Citroën DS3 WRC)

2013 – Sébastien Ogier/Julien Ingrassia (VW Polo R WRC)

2014 – Jari-Matti Latvala/Miikka Anttila (VW Polo R WRC)

2015 – Jari-Matti Latvala/Miikka Anttila (VW Polo R WRC)

2016 – Kris Meeke/Paul Nagle (Citroen DS3 WRC)

2017 – Esapekka Lappi (Toyota Yaris WRC)

Hélio Rodrigues, In Memorian

 

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